Punido com aposentadoria compulsória por supostamente participar de um esquema de venda de sentenças no Estado, o juiz Alexandre Farina entrou com um pedido de inscrição na Seccional Capixaba da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES) para voltar a advogar.
O pedido foi feito no último dia 12 – duas semanas após a condenação à unanimidade no Tribunal de Justiça do Estado no Processo Administrativo Disciplinar (PAD) aberto na Corte. Farina já estava afastado do cargo desde 2021 e também responde a uma ação penal sobre o mesmo assunto.
O pedido ainda está tramitando na OAB-ES, mas já está rodeado de polêmicas. Isso porque, um dos critérios para obter a inscrição é a idoneidade moral, segundo o Estatuto da Advocacia, que também proíbe a inscrição de quem tenha sido condenado por crime infamante, ou seja, crime que cause má fama, que afete a honra, a dignidade e a reputação do autor.
O artigo 8º do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94) cita no inciso VI que é necessário ter “idoneidade moral” para ter a inscrição como advogado. No mesmo artigo, o 4º parágrafo descreve melhor sobre esse critério:
“§ 4º: Não atende ao requisito de idoneidade moral aquele que tiver sido condenado por crime infamante, salvo reabilitação judicial”.
Durante a condenação de Farina no Tribunal de Justiça, o relator do processo – o desembargador Wallace Pandolpho – chegou a dizer que o juiz envergonhou e manchou a magistratura. “O juiz expôs a magistratura como se fosse um balcão de negócios”, disse, durante o anúncio do voto pela condenação.
Embora não haja uma tipificação penal sobre quais seriam os crimes infamantes, há o entendimento, por uma parcela dos advogados, que a condenação por suposto envolvimento em venda de sentenças atentaria contra a idoneidade moral, o que impossibilitaria a inscrição na Ordem. Há quem considere que se um juiz não tem idoneidade para continuar na magistratura, também não teria para advogar.
Trâmite
Antes de se tornar juiz, Alexandre Farina foi advogado. No Cadastro Nacional dos Advogados (CNA), Farina possui uma inscrição na OAB. Seu número é o 9078, porém, sua situação aparece como “cancelado”, devido à entrada na magistratura.
De acordo com o artigo 28, inciso II, do Estatuto da Advocacia, a atuação como advogado é incompatível com as atividades desempenhadas por membros do Poder Judiciário. Por isso, para voltar a advogar, um membro da magistratura precisa deixar de ser juiz ou se aposentar.
De acordo com a OAB-ES, para se inscrever como advogado, “o requerente deve atender aos requisitos previstos no artigo 8º do Estatuto da OAB, que incluem: capacidade civil plena, diploma de graduação em Direito, aprovação no Exame de Ordem, idoneidade moral, prestação de compromisso solene, quitação das obrigações eleitorais e militares e ausência de exercício de atividade incompatível com a advocacia”.
Segundo nota da Ordem encaminhada à coluna, a documentação necessária deve ser apresentada ao Conselho Seccional da OAB e será submetida à análise pela Comissão de Seleção e Inscrição.
Essa comissão examinará os documentos apresentados, podendo, se necessário, solicitar informações ou documentos complementares, além de verificar todos os requisitos exigidos. Em casos controversos, pode ser instaurado um procedimento específico para apurar eventual inidoneidade.
Por exemplo, o parágrafo 3º do artigo 8º do Estatuto da Advocacia diz que qualquer pessoa pode questionar a idoneidade moral de um requerente e que a decisão deve ser levada para o conselho:
“A inidoneidade moral, suscitada por qualquer pessoa, deve ser declarada mediante decisão que obtenha no mínimo dois terços dos votos de todos os membros do conselho competente, em procedimento que observe os termos do processo disciplinar”.
A OAB-ES confirmou que Farina entrou com pedido de inscrição e disse que o pedido está tramitando. “A Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Espírito Santo (OAB-ES) informa que o ex-juiz Alexandre Farina apenas requereu o pedido para ter sua inscrição na Ordem.
A requisição seguirá os trâmites legais de acordo com estatuto da advocacia da Ordem”.
E acrescentou: “Concluída a análise e havendo deferimento, o registro profissional do(a) requerente será emitido”.
A coluna apurou, nos bastidores, que teria sido requisitado a Farina documentos complementares que provariam que ele não exerce mais a magistratura. Não há previsão de quando sairá a decisão sobre a inscrição.
Questionada, a presidente em exercício da OAB-ES, Anabela Galvão, disse acreditar que o pedido de inscrição de Farina será analisado pela nova diretoria da Ordem, que assume em janeiro.
Sobre a possibilidade da condenação de Farina impedir o deferimento da inscrição, Anabela respondeu: “Sim, impede. Isso também será analisado e um relator pode indeferir o pedido”.
“Ele tem direito à presunção de inocência”
O advogado de Farina, Rafael Lima, disse não ter conhecimento do pedido de inscrição na Ordem, mas avaliou que a OAB-ES deve deferir o pedido levando-se em conta a presunção de inocência do cliente. Ele também diverge de considerar Farina como ex-juiz, como a OAB-ES o considera. Disse que a situação atual do cliente é de “juiz aposentado”.
“Acho que a OAB, acima de tudo, por ser a casa do advogado e dos direitos individuais e garantias deve deferir o pedido. Ele tem direito à presunção de inocência, foi condenado na primeira instância, ainda cabem recursos. Ele não teve condenação criminal e, para fins legais, faz juz à presunção de inocência, então eu acredito que não será um problema”, disse o advogado Rafael Lima.
Ele informou que ainda não entrou com recurso à condenação sofrida na Corte capixaba. “Ainda não entramos com recurso porque ainda não foi disponibilizado o acórdão, mas faremos. Vamos decidir se faremos um embargo de declaração ou um recurso direto ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça)”.
A acusação
Sobre a ação penal que Farina também responde, Rafael disse que está parada e que só deve ter andamento a partir do ano que vem. “Está pendente de conflito de competência, o desembargador Namyr se deu por incompetente por ter assumido a vice-presidência do TJES. Depois a desembargadora Eliana também se declarou incompetente, afirmando que ser vice-presidente não impede de assumir a ação. Está pendente do presidente definir e acredito que isso só ocorrerá após o recesso”.
A ação penal trata do mesmo tema em que Farina foi condenado no PAD do Tribunal de Justiça. No dia 28 de novembro, Farina foi condenado à unanimidade pelos desembargadores por suposta venda de sentença num processo que surgiu após interceptações telefônicas do celular do ex-policial civil Hilário Frasson.
Hilário foi condenado pelo assassinato da ex-esposa, a médica Milena Gotardi, em 2017. As investigações mostraram que havia uma suposta rede de influência e favorecimento no Judiciário. Um empresário teria sido beneficiado com decisões judiciais de Farina em troca de benefícios financeiros.
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