Desde o início da República, em 1889, o país teve uma única presidente, Dilma Rousseff (PT). Até antes das eleições do ano passado, no mesmo período, o Brasil havia eleito somente 16 governadoras.
Passado o pleito de outubro do ano passado, apenas duas mulheres figuraram na lista que trazia o nome dos 27 chefes de Executivos estaduais brasileiros eleitos na ocasião.
Conforme os últimos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as mulheres compõem a maioria do eleitorado da nação. De acordo com a Corte, as pessoas declaradas do sexo feminino representam 52,65 % dos eleitores aptos a votar atualmente; a outra parte, 47,33%, é formada por homens.
Apesar de serem maioria em termos estatísticos, as mulheres ainda precisam cumprir uma longa e desafiadora caminhada rumo a espaços de poder dentro da política, e também fora dela, majoritariamente dominados por homens.
A reportagem do Folha Vitória conversou com mulheres que ocupam ou que já ocuparam esses espaços por meio de mandatos eletivos.
E, a maioria delas revelou que, apesar dos discretos avanços e das constantes campanhas visando atrair esse público para a política, os desafios seguem sendo praticamente os mesmos de séculos atrás.
Cumprindo seu sexto mandato consecutivo como deputada estadual na Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales), Janete de Sá (PSB) ressaltou o quanto é trabalhoso ter de provar, diariamente, que a sua capacidade para discutir e defender propostas dentro do Legislativo, juntamente com os seus colegas deputados, está acima de seus atributos femininos e da feminilidade de seus gestos.
Janete, juntamente com outras três deputadas, compõe a discreta bancada feminina na Ales. Das 30 cadeiras disponíveis para parlamentares na Casa, somente quatro são ocupadas por mulheres.
Ex-vereadora da Câmara Municipal de Vitória, a hoje deputada estadual Camila Valadão (Psol) cita o machismo como um dos principais atores e motivadores da baixa participação das mulheres na política.
A deputada ainda chama a atenção para a forma como a imagem da mulher foi construída através dos séculos, em uma cultura que enxerga a figura feminina como incapaz de assumir lugar de protagonismo nas grandes decisões que impactam diretamente a sociedade.
“A gente vive em uma sociedade muito machista, que enxerga as mulheres como ‘princesas’, feitas apenas para casar e ter filhos, e não para ocupar os espaços politicamente, construir suas próprias histórias e trajetórias”, destacou.
“Precisamos de ainda mais mulheres ocupando espaços de poder”
O retrato da pouca participação e dos desafios das mulheres na política fica ainda mais nítido quando se faz uma simples pesquisa nos portais dos legislativos, em que, quando consultada a legislatura vigente, nota-se, perdidas em meio a dezenas de rostos masculinos, uma ou duas feições femininas.
É o caso da Câmara de Vila Velha, na Grande Vitória. O site da Casa apresenta os 17 parlamentares eleitos para a legislatura que se encerra no ano que vem; e, entre os 16 homens, que posam sorridentes em seus paletós, com as mãos postas sobre uma espécie de mesa, surge a figura tímida de Patrícia Crizanto (PSB), única vereadora do Legislativo municipal.
Na última terça-feira (7), Patrícia conversou com a reportagem sobre os desafios de ser a única mulher em um espaço político dominado por homens.
Em outro ponto da conversa, a vereadora aponta para o fato de as mulheres, segundo ela, fazerem um outro tipo de política, atuando menos influenciadas pelos jogos de poder característicos das relações político-partidárias.
“Nós, mulheres, temos mais capacidade e sensibilidade para pensar em políticas públicas”, disse
Na Câmara de Vitória, atualmente, também há apenas uma mulher ocupando o cargo de vereadora na Casa. Filha do ex-prefeito da Capital e atual deputado estadual João Coser (PT), Karla Coser (PT) é a dona do posto.
A vereadora foi procurada para comentar sobre os desafios da participação feminina na política, mas não respondeu à reportagem até o fechamento deste texto.
O mesmo acontece em Cariacica, em que a única parlamentar do Legislativo Municipal é a vereadora Irmã Dulce (Pros).
Já na Serra, duas mulheres compõem a atual legislatura na Câmara, sendo elas Elcimara Loureiro (PP) e Raphaela Moraes (Rede).
Bancada capixaba no Congresso federal tem apenas uma mulher
No ano passado, os eleitores do Espírito Santo elegeram os seus representantes no Congresso federal. No total, foram eleitos dez deputados federais e um senador da República, além dos dois que já estão lá por terem sido eleitos em 2018, formando, assim, a bancada capixaba em Brasília.
Até aí, nenhuma novidade, já que o processo eleitoral foi cumprido e efetivado, como pede a democracia.
O que chama atenção, entretanto, é o fato de apenas uma mulher do Estado ter conseguido chegar ao cargo de deputada federal no pleito do ano passado.
A ocupante de uma das dez cadeiras às quais o Espírito Santo tem direito na Câmara dos Deputados é Jackline Rocha (PT), uma mulher negra e periférica, como ela mesmo se apresenta.
Jackeline já havia disputado o governo do Estado em 2018, ficando em terceiro lugar na corrida pelo Palácio Anchieta.
Representação de mulheres na bancada capixaba em Brasília caiu 66%
Em comparação com a eleição de 2018, em que três mulheres capixabas foram eleitas para o cargo de deputada federal (Norma Ayub, Soraya Manato e Lauriete Rodrigues), a representação feminina na bancada capixaba caiu em 66%.
Única mulher do Estado no posto, Jackeline foi procurada pela reportagem ao longo da semana, mas não retornou ao contatos até o fechamento deste texto. Porém, quando foi eleita para o cargo, ela prometeu lutar pela expansão da participação feminina na política local e nacional.
Primeira vice-governadora do ES afirma que o que atrai as mulheres para política são as causas
Nas eleições gerais de 2018, o Estado se surpreendeu com o lançamento do nome de Jacqueline Moraes (PSB) como candidata a vice-governadora do Espírito Santo, ao lado de Renato Casagrande (PSB).
A dobradinha saiu vitoriosa e Jacqueline foi efetivada no cargo que ocupou até dezembro do ano passado.
Muitos eram os questionamentos em torno da escolha do seu nome para a função, entre os principais estava o fato de ela, diferentemente do que pede a tradição política, em que dois homens quase sempre encabeçam as chapas na disputa por cargos majoritários, ser mulher.
A hoje ex-vice-governadora e atual secretária de Estado de Políticas para Mulheres, no entanto, disse que sempre esteve consciente do tamanho desafio que tinha pela frente.
“Como fui a primeira (vice-governadora) no Estado, eu não tinha um modelo no qual me espelhar. Então, criei um modelo. Tentei, com todo o meu esforço e com a equipe técnica, criar o modelo de uma vice-governadora participante, atuante e presente”, contou.
Jacqueline ainda afirmou que, em sua visão, o principal atrativo para as mulheres na política são as causas, e não poder, de fato.
Conquista do voto feminino completa 91 anos
Em 24 de fevereiro deste ano, a luta feminina atingiu uma importante marca. São 91 anos que o voto feminino foi autorizado em todo o Brasil.
Foi com o Código Eleitoral de 1932 que as mulheres puderam ir às urnas pela primeira vez, eleger seus representantes. Entre eles, elegeu-se uma mulher, Carlota Pereira de Queirós, em São Paulo, deputada pioneira do Parlamento.
História de luta
A conquista das mulheres brasileiras pelo direito de votar e de serem votadas é resultado de uma luta de muitas décadas, que teve início no final do século XIX.
Na República Velha, vários debates foram travados em relação ao texto da Constituição de 1891 sobre a possibilidade de a palavra “cidadãos” abranger as mulheres (“são eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei”). Uma proposta de emenda nesse sentido chegou a ser apresentada, mas foi rejeitada.
No entanto, apesar do fato de que nem a primeira Constituição da República nem a Constituição Imperial de 1824 outorgaram o direito de votar às mulheres, ambas as Cartas Magnas também não o proibiram expressamente.
Assim, aproveitando-se dessa brecha legal e da autonomia legislativa dos estados em matéria eleitoral pelo sistema federativo da época, o Rio Grande do Norte foi pioneiro ao assegurar, por meio da Lei Estadual nº 660, de 1927, o direito de votar e ser votado a todos os cidadãos “sem distinção de sexo”.
Documentos históricos registram que a primeira eleitora brasileira foi a professora Celina Guimarães Viana, de Mossoró (RN), que se alistou em 1927.
O fato repercutiu mundialmente, pois ela teria sido também a primeira eleitora da América Latina. Porém, há informações de outras fontes historiográficas que apontam que, em 1905, três mulheres teriam conseguido se alistar e votar em Minas Novas (MG).
Já a primeira prefeita do país foi Alzira Soriano, eleita para a Prefeitura de Lajes (RN) em 1928 com 60% dos votos.
A responsável pela sua indicação como candidata foi a bióloga e ativista Bertha Lutz, uma das principais líderes do movimento feminista e sufragista no Brasil.
O movimento sufragista, que reivindicava os direitos políticos para as mulheres, eclodiu em diversos países no final do século XIX e se espalhou pelo mundo principalmente a partir do século XX, marcando a primeira onda do feminismo.
O primeiro país a garantir o direito ao voto das mulheres foi a Nova Zelândia, em 1893, e o segundo foi a Finlândia, em 1906. Já na Inglaterra, protagonista do movimento sufragista, o voto feminino só foi conquistado em 1918, e apenas por mulheres donas de propriedade — somente dez anos depois foi instituído o sufrágio universal.
Nos Estados Unidos, esse direito foi alcançado em 1920, com a entrada em vigor da 19ª emenda — porém o voto dos negros, mulheres e homens, só foi assegurado de fato com a Lei dos Direitos Civis de 1964 e a Lei dos Direitos ao Voto de 1965.
Governo Lula tem recorde de mulheres em ministérios
Cumprindo uma promessa de campanha, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deu protagonismo às mulheres em alguns dos principais ministérios do governo federal.
O Executivo nacional conta com 11 mulheres à frente de pastas do governo petista, um recorde desde a instituição da República.
Veja quem são as ministras de Lula
Ana Moser: Esporte
Anielle Franco: Igualdade Racial
Cida Gonçalves: Mulheres
Daniela de Souza Carneiro (Daniela do Waguinho): Turismo
Esther Dweck: Gestão e Inovação em Serviços Públicos
Luciana Santos: Ciência, Tecnologia e Inovação
Marina Silva: Meio Ambiente
Margareth Menezes: Cultura
Nísia Trindade: Saúde
Simone Tebet: Planejamento e Orçamento
Sônia Guajajara: Povos Originários
*Com informações da Agência Senado e da Câmara dos Deputados