Alvo de investigação do Ministério Público de São Paulo pelo suposto uso indevido de helicópteros da Polícia Militar na sua gestão, o ex-governador Márcio França (PSB) embarcou nas aeronaves do governo para se deslocar a uma série de compromissos políticos e particulares durante seus quase nove meses de mandato, em 2018.
Registros da Secretaria da Casa Militar obtidos pelo Estado por meio da Lei de Acesso à Informação mostram que França voou nos helicópteros da PM para participar de convenções de partidos que o apoiaram na eleição, de encontros com líderes religiosos aliados, para assistir a jogo de futebol no estádio e até jantar com a então primeira-dama em uma hamburgueria em Santos, no litoral sul paulista.
Ao todo, foram 365 voos pelo Estado entre os dias 7 de abril, quando França assumiu o governo após a renúncia de Geraldo Alckmin (PSDB), e 31 de dezembro, quando ele deixou o cargo após perder a eleição para o tucano João Doria. A soma dos tempos de voos chega a 169 horas, o que equivale a uma semana inteira no ar – cada hora de voo custa R$ 5,9 mil a preço de mercado. Foram 83% mais decolagens do que Alckmin fez em todo o ano anterior: 199.
Quinze diferentes helicópteros Águia da PM paulista foram utilizados por França em seus deslocamentos aéreos. A maioria dos percursos foi feita com o modelo executivo Eurocopter EC135, prefixo PR-GSP. Adquirido em 2010 para transporte de autoridades, a aeronave foi transferida em 2017 da Secretaria de Logística e Transportes para o Grupamento de Radiopatrulha Aérea da Polícia Militar pelo valor de R$ 12,9 milhões.
Foi com esse helicóptero que França deixou a base aérea da PM na Praia Grande, a 9 km de seu apartamento no litoral, para subir a serra no domingo de 22 de abril e pousar no heliponto do Hotel Emiliano, no bairros dos Jardins, na capital. O motivo da viagem foi um encontro com o ex-prefeito e então adversário na eleição João Doria, na casa do tucano, a 2 km de distância.
À época, Doria já havia iniciado seus ataques eleitorais contra França, a quem chamava de “Márcio Cuba” para vinculá-lo à esquerda. A reunião foi um dos 23 eventos fora da agenda oficial do governador em que França utilizou as aeronaves da PM para se deslocar durante a pré-campanha, de abril a julho de 2018.
A prática começou já no primeiro fim de semana de governo. No sábado, 7 de abril, França voou do heliporto da Ecovias na Imigrantes, em São Bernardo do Campo, até o Campo de Marte para participar de uma reunião da Igreja Renascer no antigo ginásio da Portuguesa, na capital. A igreja tem representantes no PSC, partido que apoiou e ganhou cargos de França.
No dia seguinte, o então governador decolou do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, na zona sul da capital, e foi até o heliponto da Federação Paulista de Futebol, na zona oeste. Dali seguiu de carro até o Allianz Parque para assistir à final do Campeonato Paulista entre Palmeiras e Corinthians. Os dois compromissos não foram divulgados na agenda do governador.
Campanha. As aeronaves da PM também foram usadas em agendas casadas, que uniam compromissos de governador e atos políticos.
Já no dia 23 de agosto, segundo registro feito pela Casa Militar, o ex-governador, a esposa e dois ajudantes de ordem militares deixaram o Campo de Marte no helicóptero Águia 22, prefixo PP-SPS, e pousaram no heliporto da Ecovias na Imigrantes para jantar em um endereço onde funciona uma hamburgueria na praia do Gonzaga, em Santos.
Em alguns de seus deslocamentos, o ex-governador também deu carona nas aeronaves da PM, como para o deputado estadual e líder de seu governo na Assembleia Legislativa, Carlos Cezar (PSB), no retorno de um encontro da Assembleia de Deus em Santo André, em abril. Em outro evento semelhante, em julho, foi o deputado federal Gilberto Nascimento (PSC) quem esteve a bordo.
Há dez dias, França entrou com um recurso no Conselho Superior do Ministério Público pedindo o arquivamento do inquérito, aberto em janeiro pelo promotor Ricardo Manuel Castro para investigar possível ato de improbidade administrativa por uso indevido das aeronaves. Não há prazo para decisão dos procuradores. Enquanto isso, a investigação fica suspensa.
Defesa
França afirmou, por meio de nota, que os helicópteros da Polícia Militar “nunca foram utilizados indevidamente” por ele e que “todo o modo de deslocamento do governador é definido pela Casa Militar”.
Segundo ele, o órgão “segue normas institucionais” – decreto de 2004 – e o ex-governador “não tem ingerência nesse assunto”. “A logística e a decisão do tipo de veículo, horários, planejamento e deslocamentos, quem acompanha e onde estaciona ou pousa o veículo, são de competência desses policiais e seus superiores.”
Ainda de acordo com a nota, “todos os eventos” citados pela reportagem “foram compromissos do governador”.
Ainda de acordo com França, o pedido de arquivamento da investigação foi feito porque o promotor se baseou em denúncia anônima, contrariando norma do Ministério Público que exige a identificação e qualificação do autor da denúncia.