A Declaração de Chapultepec – documento que promove a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa nas Américas – completa 30 anos de sua assinatura nesta segunda-feira (11).
Referendado em uma época em que o analógico ainda predominava e a informação estava concentrada majoritariamente nos grandes veículos de comunicação, o documento foi pensando e finalizado visando à defesa e proteção do direito dos jornalistas que, naquele momento, estavam na linha de frente da notícia.
Ao longo do tempo, no entanto, a Declaração de Chapultepec tem se mostrado insuficiente para abarcar todas especificidades e desafios que envolvem a comunicação e o jornalismo na era digital, no que se refere à liberdade de expressão e de imprensa, conforme avalia Edgar Rebouças, professor de Comunicação e titular da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
Em sua visão, o texto do documento assinado na Cidade do México, em 1994, por representantes de diversos países do continente, não envelheceu bem e precisa ser modernizado.
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Segundo ele, é necessário readequar a declaração com foco em aspectos como o uso das redes sociais para a produção de conteúdos jornalísticos por pessoas que não possuem formação na área de Comunicação, bem como sinalizar cada vez mais os limites entre liberdade expressão e o uso indevido da informação para deturpar fatos e atacar pessoas e instituições.
“Em 30 anos, a forma de fazer comunicação mudou muito. O que foi aprovado em 1994 precisa de modernização. O documento era limitado a jornalistas profissionais, como nós. Com a chegada das redes sociais, muitas pessoas têm criado conteúdo por conta própria e se apresentado como jornalista, o que é um risco. Quando cidadãos comuns passam a usar do mesmo direito garantido a jornalistas, em nome da liberdade de expressão, isso gera um descompasso”, aponta Rebouças.
Grandes poderes e grandes responsabilidades
Em outro ponto de sua análise, Rebouças chama a atenção para o fato de a Declaração de Chapultepec, por ter sido assinada em uma época em que o debate em torno da liberdade de expressão ainda era tímido, não prevê responsabilizações a quem faz uso do jornalismo – e também dos direitos concedidos a jornalistas profissionais e com formação – para propagar conteúdo de teor questionável, sem qualquer compromisso com a informação de interesse público e com a ética jornalística.
“O jornalista, por exemplo, sabe que ele não pode mentir em uma informação. Se ele mentir, será demitido e responsabilizado, porque a gente trabalha com a verdade. Por outro lado, uma pessoa que mente em uma rede social digital, sob o pretexto de liberdade de expressão, não tem nenhum tipo de sanção. Então, naquele momento (da aprovação da Declaração de Chapultepec), o foco eram os profissionais da área, que inclusive já respeitam vários limites éticos e profissionais”, afirma o professor da Ufes.
Ele continua: “Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades. A imprensa sempre teve grandes poderes e sempre soube, pelo menos os grandes veículos, utilizar esses poderes com responsabilidade. O cidadão comum, que passa a ter um aparelho celular, uma máquina fotográfica ou filmadora, com uma emissora de televisão nas próprias mãos, tem um poder enorme de comunicação e não sabe a responsabilidade de usar isso”, conclui.
O que é a Declaração de Chapultepec
A Declaração de Chapultepec é, conforme informações consultadas na base de dados da Associação Brasileira dos Jornalistas (ABJ), uma carta de princípios e coloca “uma imprensa livre como uma condição fundamental para que as sociedades resolvam os seus conflitos, promovam o bem-estar e protejam a sua liberdade”.
Ainda de acordo com a ABJ, o documento foi adotado pela Conferencia Hemisférica sobre liberdade de Expressão realizada em Chapultepec, na cidade do México, em 11 de março de 1994.
O documento tem este nome em homenagem ao local onde foi assinado, o Castelo de Chapultepec.
O Brasil aderiu ao documento em compromisso, em agosto de 1996, na gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Em maio de 2006, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) renovou em defesa do trabalho dos jornalistas e da liberdade de imprensa.
Veja abaixo todos os pontos do documento:
I – Não há pessoas nem sociedades livres sem liberdade de expressão e de imprensa. O exercício dessa não é uma concessão das autoridades, é um direito inalienável do povo.
II – Toda pessoa tem o direito de buscar e receber informação, expressar opiniões e divulgá-las livremente. Ninguém pode restringir ou negar esses direitos.
III – As autoridades devem estar legalmente obrigadas a pôr à disposição dos cidadãos, de forma oportuna e equitativa, a informação gerada pelo setor público. Nenhum jornalista poderá ser compelido a revelar suas fontes de informação.
IV – O assassinato, o terrorismo, o sequestro, as pressões, a intimidação, a prisão injusta dos jornalistas, a destruição material dos meios de comunicação, qualquer tipo de violência e impunidade dos agressores, afetam seriamente a liberdade de expressão e de imprensa. Esses atos devem ser investigados com presteza e punidos severamente.
V – A censura prévia, as restrições à circulação dos meios ou à divulgação de suas mensagens, a imposição arbitrária de informação, a criação de obstáculos ao livre fluxo informativo e as limitações ao livre exercício e movimentação dos jornalistas se opõem diretamente à liberdade de imprensa.
VI – Os meios de comunicação e os jornalistas não devem ser objeto de discriminações ou favores em função do que escrevam ou digam.
VII – As políticas tarifárias e cambiais, as licenças de importação de papel ou equipamento jornalístico, a concessão de frequências de rádio e televisão e a veiculação ou supressão da publicidade estatal não devem ser utilizadas para premiar ou castigar os meios de comunicação ou os jornalistas.
VIII – A incorporação de jornalistas a associações profissionais ou sindicais e a filiação de meios de comunicação a câmaras empresariais devem ser estritamente voluntárias.
IX – A credibilidade da imprensa está ligada ao compromisso com a verdade, à busca de precisão, imparcialidade e equidade e à clara diferenciação entre as mensagens jornalísticas e as comerciais. A conquista desses fins e a observância desses valores éticos e profissionais não devem ser impostos. São responsabilidades exclusivas dos jornalistas e dos meios de comunicação. Em uma sociedade livre, a opinião pública premia ou castiga.
X – Nenhum meio de comunicação ou jornalista deve ser sancionado por difundir a verdade, criticar ou fazer denúncias contra o poder público.