Política

Do Val pode ter cometido crime de prevaricação? Veja o que dizem especialistas

Juristas ouvidos pelo Folha Vitória analisam situação relatada pelo senador capixaba sobre um suposto plano de golpe de Estado

Foto: Divulgação

Na manhã desta quinta-feira (02), veio à tona uma entrevista concedida pelo senador do Marcos do Val (Podemos), do Espírito Santo, à revista Veja, em que ele afirma ter sofrido uma tentativa de coação por parte do então presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), para que, em conjunto com o ex-deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), ajudasse na efetivação de um suposto golpe de Estado, em resposta ao resultado das eleições de outubro de 2022, em que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) saiu vitorioso na disputa pelo Palácio do Planalto.

Apesar de, segundo os relatos divulgados na entrevista, Do Val ter afirmado que se negou a cumprir sua parte no plano, que era gravar uma possível conversa com o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), no intuito de captar algum diálogo comprometedor envolvendo as eleições, especialistas do Direito enxergam a possibilidade de o senador ter cometido crime de prevaricação. 

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A advogada constitucionalista Edênia Mara Araújo Siqueira explica que, no campo do Direito Criminal, o artigo 319 do Código Penal trata sobre a previsão da conduta omissiva que, de acordo com a jurista, é quando se deixa de fazer algo que seria de ofício e obrigação do agente público.

“Ele (Do Val) ter supostamente recebido uma proposta dessas e, ao que parece, ter silenciado, não reportando oficial e formalmente às autoridades competentes, ainda mais se tratando de uma proposta de golpe de Estado, configura crime de prevaricação”, avalia a jurista, reforçando que é importante o aprofundamento nas apurações do caso.

O posicionamento de Siqueira vai ao encontro do entendimento de Flávio Fabiano, especialista em Direito. Ele também acredita que o senador capixaba deveria ter oficiado uma denúncia, tão logo ficou sabendo do suposto plano. 

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“Quando o senador vem a público e faz alegações de cogitação de crimes (que foram tentados em 8 de janeiro de 2023), em tom de denúncia, de que foi coagido pelo então ´presidente da República, a praticar um ilícito gravíssimo e não toma qualquer providência a respeito, pode estar configurado o crime de prevaricação, posto que deveria ter agido de ofício”, frisou.

Senador pode responder por difamação e calúnia

Em outra análise do mesmo caso, Fabiano chama atenção para o fato de Do Val ter,  a princípio, feito graves acusações citando o nome de Bolsonaro na entrevista concedida à revista Veja, e, em seguida, ter voltado atrás em suas alegações, afirmando que Bolsonaro não teria ajudado a arquitetar o suposto plano golpista.

“Destaca-se que o senador fez menção de ter sofrido pressão do então presidente da República, para atentar contra o Estado Democrático de Direito. Porém, posteriormente, o mesmo representante capixaba vem a público e diz que não foi  Bolsonaro que o pressionou a participar do golpe de Estado, mas outra pessoa. Assim, tem-se que é possível que ele seja investigado para fins de apuração do crime de denunciação caluniosa”, explicou o especialista.

O jurista ainda frisa que é preciso apurar se Do Val, ao mudar sua versão do ocorrido, eximindo Bolsonaro de culpa, não estaria sendo alvo de ameaças.

“É necessário apurar as condutas do senador, para, inclusive, saber se ele está sendo vítima de algum crime, como ameaça, após ter acusado Bolsonaro de coação à participar de um crime de golpe de Estado. Caso contrário, poderemos estar diante dos crimes de prevaricação e até denunciação caluniosa”, disse.

Bolsonaro pode ter cometido crime de prevaricação?

De acordo com Siqueira e Fabiano, apesar de ter supostamente participado da orquestração do plano que visava a um golpe de Estado, Bolsonaro não teria incorrido no crime de prevaricação, isso porque, de acordo com dois juristas, ele estaria no lugar de agente, nesse caso.

“Não vejo Bolsonaro como um agente que tenha prevaricado. Diante do que foi apresentado pelo senador, ele aparece como proponente do suposto golpe, como sujeito ativo. Caso a proposta tivesse sido posta em prática, ele poderia responder pelo crime de tentativa de golpe de Estado”, explica Siqueira.

Já na visão do professor de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) Manoel Martins Junior, Bolsonaro pode responder pelo crime de responsabilidade, uma vez que, de acordo com ele, o ex-chefe do Executivo teria feito uso do poder federal para impedir a livre execução da lei eleitoral.

“O fato de Bolsonaro, segundo o relato, não ter se pronunciado na ‘conversa’, e apenas aquiescido com o silêncio, evidencia a sua participação no crime”, ressaltou.

No que se refere a Do Val, o especialista entende que, caso seja comprovado que ele alertou Moraes, mesmo que de maneira informal, sobre o suposto plano, o senador pode ser eximido de culpa na denúncia.

Vereador de Vitória denunciou Do Val ao STF

O vereador André Moreira (Psol), da Câmara de Vitória, entrou com um pedido de investigação contra o senador capixaba.

No documento, endereçado ao STF, Moreira acusa Do Val de ter prevaricado e cita uma live feita por ele na madrugada desta quinta.

Na live citada pelo vereador na ação, o senador antecipa que seria divulgada na revista Veja, na próxima sexta-feira (3), sua denúncia sobre a tentativa de coação de Bolsonaro.

Conforme Moreira, como não procurou as autoridades competentes para denunciar o plano que, segundo ele estava sendo orquestrado pelo Planalto, na figura de Bolsonaro, Do Val pode ter incorrido no crime de prevaricação, que é quando um agente público deixa de cumprir o seu papel de denunciar práticas ilegais.

“Sobre os fatos narrados na live, ainda há que se ressaltar que não há notícias de que houve notícia-crime sobre os fatos narrados à autoridade competente, tão somente o aviso à empresa jornalística Veja, a qual até o presente momento não realizou a divulgação completa dos fatos. Portanto, percebe-se que há indícios de que pode ter havido prevaricação por parte do Senador“, diz o vereador no documento.

A reportagem tentou contato com o senador, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria. O espaço, no entanto, segue aberto para das devidas manifestações.