Respondendo a um Processo Administrativo Disciplinar por usar o seu perfil no Twitter para fazer manifestações de cunho político-partidário, o juiz Boanerges Eler Lopes, do Tribunal de Justiça do Espirito Santo (TJES), também usou a rede social para atacar a senadora Simone Tebet (MDB), atual ministra do Planejamento e Orçamento no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em uma publicação de 21 de setembro de 2021, por exemplo, o magistrado chamou a senadora de “escrota” e descontrolada. A data da postagem coincide com o período em que Tebet ganhou notoriedade por conta de sua atuação na CPI da covid-19, instaurada no Senado para apurar a atuação de Jair Bolsonaro (PL), então presidente da República, no enfrentamento à pandemia.
“Que escrota essa Simone Tebete, (sic) totalmente descontrolada”, escreveu.
A ação contra o magistrado, à qual a reportagem do Folha Vitória teve acesso com exclusividade, é fruto de um pedido de providências instaurado pela Corregedoria Nacional de Justiça, órgão vinculado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no final de 2021.
Todas as publicações feitas pelo juiz, datadas de agosto a setembro de 2021, estão em documento assinado pela ministra Maria Thereza de Assis Moura, então corregedora nacional de Justiça.
Na sequência, o documento da Corregedoria Nacional foi enviado à Corregedoria Geral de Justiça do Estado, que entendeu que o magistrado incorreu em conduta vedada a juízes, segundo a Lei Orgânica da Magistratura.
Atualmente o processo que trata sobre o PAD de Boanerges tramita em segredo de Justiça no TJES, no gabinete do desembargador Helimar Pinto, onde aguarda decisão desde 16 de dezembro de 2022, conforme o andamento processual consultado pela reportagem na tarde da última sexta-feira (21).
Veja outras publicações feitas pelo magistrado com ataques a ministros do STF e políticos:
Em 04 de agosto de 2021, de acordo com o processo, o magistrado respostou uma publicação que continha críticas explícitas ao sistema eleitoral brasileiro.
Já em uma publicação de 13 de agosto do mesmo ano, Boanerges questiona o poder de atuação dos ministros do STF.
“A verdade é que hoje no Brasil não existe mais sistema penal acusatório, aliás, no âmbito das cortes superiores, não existe mais ministério público federal, ministro do supremo exerce todas as funções ao mesmo tempo, investiga, acusa, julga, prende e não solta. #ditadura da toga”, diz o texto da publicação anexada ao processo.
Em 25 de agosto, o alvo da vez foi Rodrigo Pacheco. Na publicação direcionada ao parlamentar, o magistrado se mostra insatisfeito com o fato de o presidente do Senado não ter acolhido o pedido de impeachment protocolado contra Moraes. “Pachecuzão (sic) acaba de dizer que vai rejeitar o pedido de impeachment do cabeça de ovo (sic) #pachecocovarde”, afirma na publicação.
A postagem foi feita no mesmo dia em que Pacheco anunciou que rejeitaria o pedido de impeachment contra o ministro. O pedido havia sido apresentado pelo então presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), em caráter pessoal.
O magistrado volta a fazer novas publicações no dia 03 de setembro de 2021.
No post, ele afirma que Luiz Fux, então presidente do STF, estaria “ameaçando” os manifestantes que planejavam ir às ruas no dia 7 de setembro, para pedir o fechamento da Corte e do Congresso nacional, uma vez que entendiam que as duas instituições estariam atrapalhando o andamento do governo bolsonarista.
“Um presidente do STF ameaçando cidadãos de perseguição por se manifestarem no dia em que se comemora a independência do país, a que ponto chegamos, #dia07vaisergigante”, escreveu.
Três dias depois, em 06 de setembro, o magistrado voltou a usar as redes sociais para direcionar um novo ataque a Moraes, como mostram os autos do processo em que a conduta dele é investigada.
Na ocasião, o juiz repostou a seguinte publicação: “Sr. Ministro Alexandre de Moraes, não o senhor não representa o povo. Não votamos em vc. Nenhum de vocês foi eleito para ‘representar’ o povo. Sua única função institucional neste país é compor uma Corte Constitucional – e não política e ativista. Basta de inconstitucionalidades”.
Magistrado usou perfil para comemorar manifestações durante o 7 de Setembro
Em 2021, apoiadores de Bolsonaro e de seu governo convocaram manifestações a serem realizadas no dia 7 de Setembro, data em que se comemora a Independência do Brasil, em diversas partes do país.
Na visão de constitucionalistas e das frentes democráticas no país, os atos que aconteceram naquele ano eram considerados de teor golpista, uma vez que pediam, entre outras pautas, o fechamento do Congresso e do STF, especialmente por conta das derrotas que a Corte proporcionou ao governo de Bolsonaro.
Para o juiz, no entanto, as manifestações tinham como principal objetivo a luta pela liberdade. Ele chegou até mesmo a comemorar o engajamento dos atos no Espírito Santo, como é possível constatar em uma publicação de 07 de setembro de 2021.
“Terceira ponte (sic) treme com manifestação em apoio ao presidente Bolsonaro e em defesa da nossa liberdade“, comemorou o juiz que, de acordo com o documento da Corregedoria Nacional de Justiça, também publicou um vídeo em que aparece na manifestação.
Magistrado disse que publicações tinham teor cômico
Na ação, a Corregedoria em âmbito nacional ressalta que a Corregedoria Geral do Espírito Santo teria notificou o juiz para que ele apresentasse informações acerca dos fatos citados no processo.
Pedindo para que o processo fosse sumariamente arquivado, o magistrado se defende alegando que as publicações aconteceram por meio de seu perfil pessoal na rede social, sem qualquer vínculo com a sua função de juiz, e que possuíam teor meramente cômico.
Ele ainda reforça, em sua defesa, que não se valeu de pseudônimos ou apelidos para fazer as publicações, se apresentando com seu nome próprio, porém, se se identificar como juiz de Direito.
Por fim, o magistrado frisa, no documento, que suas opiniões são garantidas pelo direito constitucional, além de pontuar que seu cargo seria desconhecido no âmbito digital; em resposta à Corregedoria, ele garante ter encerrado sua conta no Twitter, no sentido de evitar a vinculação de suas opiniões com o exercício de sua profissão.
A reportagem verificou e realmente não localizou o perfil do magistrado no Twitter com o endereço citado nos autos.
Corregedoria no ES entendeu que magistrado incorreu em conduta vedada a juízes
Ao analisar a denúncia enviada pela Corregedoria Nacional, a Corregedoria Geral de Justiça no Espírito Santo, conforme as informações contidas no processo, entendeu que Boanerges incorreu em conduta vedada a magistrado, mesmo quando eles usam perfis pessoais para se manifestar politicamente nas redes.
“Da análise do conteúdo, infere-se que, em princípio, as referidas postagens demonstram a manifestação pessoal, em mídia digital, do reclamado sobre determinada liderança política, além de possível atuação em atividade político-partidária no evento público ocorrido no dia 7 de setembro do corrente ano na cidade de Vitória/ES, o que é expressamente vedado pela Resolução nº 305/2019 do Conselho Nacional de Justiça”, ressaltou órgão na fundamentação do processo.
Em outro trecho da ação a Corregedoria ainda ressalta: “Diante dos fatos narrados, vislumbra-se que há indícios de que o magistrado Boanerges Eler Lopes, ao menos em tese, teria violado os deveres éticos e funcionais em razão das manifestações político-partidárias publicadas nas redes sociais, tornando, com isso, necessária melhor apuração em sede de procedimento administrativo disciplinar”.
Quais punições podem ser aplicadas em caso de condenação do juiz no processo?
No que se refere a PADs contra magistrados, as punições, em caso de condenação, podem ser as seguintes: advertência, censura, remoção compulsória, disponibilidade, aposentadoria compulsória e demissão.
O que diz o TJES sobre manifestações de seus magistrados nas redes sociais
A reportagem procurou o TJES, o início da tarde da última sexta-feira (20), com questionamentos acerca do processo movido contra o magistrado. A assessoria da Corte informou que só teria uma resposta sobre a ação na próxima segunda-feira (23).
O escritório que defende o juiz no processo também foi procurado, via telefone, mas não retornou aos contatos da reportagem até a publicação desta matéria. O espaço, entretanto, segue aberto para as devidas manifestações.