Quase um ano após o Ministério Público aceitar a denúncia contra a deputada Flordelis (PSD-RJ), acusada de mandar assassinar o marido, a Câmara decidiu cassar o mandato da parlamentar, por quebra de decoro, por 437 votos favoráveis.
Houve sete votos contrários à cassação e 12 abstenções. Com a decisão, ela perde a imunidade parlamentar.
Flordelis ainda tentou se segurar no cargo. “Vocês colocarão a cabeça no travesseiro e vão se arrepender por condenar uma pessoa que não foi julgada”, afirmou a deputada no plenário nesta quarta-feira, 11, antes do início da votação. “Ainda dá tempo de fazer justiça. Não me cassem.”
Ela é acusada de ser a mandante do assassinato de seu marido, o pastor Anderson do Carmo, ocorrido em 16 de junho de 2019, na porta da casa onde os dois viviam com os filhos, em Niterói (RJ). O casal havia conquistado notoriedade por ter criado 55 filhos, a maioria adotada.
Processo foi aberto no Conselho de Ética da Câmara
Iniciado no dia 23 de fevereiro, o processo contra a agora ex-deputada foi aberto após a acusação contra a parlamentar. No dia 8 de junho, o grupo decidiu pela cassação do mandato. O relatório apontou que ela teria violado o código ao abusar das prerrogativas para ocultar provas e coagir testemunhas.
Na ocasião, foram 16 votos a 1 – o único deputado que votou a favor da deputada foi Márcio Labre (PSL-RJ). Durante o pronunciamento no plenário, Flordelis negou a acusação, afirmou ser inocente, que será absolvida no júri popular e que “não deve pagar pelos erros de ninguém”.
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A deputada pediu que lhe fosse concedido o direito de defesa, além de que fosse julgada pelos brasileiros que votaram nela em 2018. “Permita que eu seja julgada pelo povo e retirada daqui pelo mesmo povo”, disse.
A parlamentar disse que não foi ouvida pela maior parte dos deputados, inclusive o presidente Arthur Lira (PP-AL). “O próprio presidente dessa Casa, eleito dizendo que daria voz a todos nós, não me ouviu. Não por falta de tentativa, porque eu tentei, mas talvez por causa da pandemia”, disse.
A perda do mandato de Flordelis já tinha sido aprovada pelo Conselho de Ética da Casa, de forma quase unânime, por 16 votos a um. O relator, deputado Alexandre Leite (DEM-SP), determinou que Flordelis violou o Código de Ética e Decoro Parlamentar e se contradisse sobre fatos envolvendo o crime.
“As provas coletadas, tanto por esse colegiado quanto no curso do processo criminal, são aptas a demonstrar que a representada tem um modo de vida inclinado para a prática de condutas não condizentes com aquilo que se espera de um representante do povo”, escreveu o relator.
Alexandre Leite afirmou ainda que a parlamentar não apresentou provas concretas contra as acusações que recebeu e que se limitou apenas a se dizer inocente.
Leite contou que Anderson do Carmo, segundo Flordelis afirma, possuía autorização especial para entrar no plenário da Casa. Ele fazia parte dos grupos parlamentares de articulação e de debate de matéria e influenciava em votos.
“A produção legislativa da deputada caiu para menos da metade a quase zero nos anos subsequentes da morte do pastor Anderson do Carmo, ou seja, era quem de fato exercia o mandato parlamentar da deputada Flordelis”, apontou.
No plenário, a defesa de Flordelis rebateu a fala do relator. “Eu queria ver se fosse uma situação invertida. Se fosse um homem sendo acusado, eu duvido que uma acusação dessa se sustentava. É muito mais fácil atacar uma mulher, que por uma série de fatores não pode se defender adequadamente”, disse o advogado.
Flordelis responde por homicídio triplamente qualificado
O assassinato de Anderson do Carmo ocorreu em junho de 2019 e a deputada foi denunciada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro em 24 de agosto de 2020. A juíza do 3º Tribunal do Júri de Niterói, Nearis dos Santos Carvalho Arce, decidiu levar o caso para o júri popular.
A ex-parlamentar, que sempre negou ser a mandante do crime, é ré na Justiça e responde por homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio, uso de documento falso e associação criminosa armada.
Flordelis não podia ser presa até agora por causa da imunidade parlamentar. Ela tem sido monitorada por tornozeleira eletrônica, desde o ano passado.
Flordelis afirmou que, caso o plenário aprovasse a cassação, sairia de cabeça erguida. “Porque eu sei que sou inocente e todos saberão que eu sou inocente. A minha inocência será provada”, garantiu.
“Quando o tribunal do júri me absolver, porque eu serei absolvida, vocês irão colocar a cabeça no travesseiro e se arrepender, por condenar alguém que ainda não foi julgada”, acrescentou a ré.
A deputada do PSD-RJ ainda falou sobre sua família – ela tem 55 filhos, muitos adotivos. “Tive filhos meus que erraram, mas não foram todos. Mas toda minha família está sendo criminalizada. Eu não posso e não devo pagar pelos erros de ninguém. A Flordelis que está aqui está destruída. Eu não tinha condições para estar aqui, mas eu vim, por respeito a esta Casa.”
Votação em plenário
Nesta quarta-feira, 11, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), decidiu levar o caso ao plenário em um formato de “projeto de resolução”, o que permitiu aos parlamentares apresentarem destaques, ou seja, adendos à proposta original.
Desta forma, a decisão poderia ser adaptada a uma pena mais branda e não apenas se resumir a sim ou não sobre a cassação, caso fosse essa a vontade do plenário.
“Alterei a regra de discussão de cassação de parlamentar no plenário desta Casa por um entendimento da presidência, no sentido de que o plenário é soberano e órgão maior de decisão na casa Legislativa”, justificou Lira no plenário.
“Como projeto de resolução e não como parecer, se 103 parlamentares individualmente acharem que a sua cliente [Flordelis] merece em vez de uma cassação ou absolvição uma suspensão de seis meses”, afirmou o presidente da Câmara aos advogados de defesa de Flordelis.
Apesar da nova possibilidade, a deputada foi cassada e não houve apoio suficiente para abrandar a pena.
Durante a votação, que durou mais de duas horas, Flordelis passou a maior parte do tempo sentada sozinha no fundo do plenário da Câmara, na companhia de seus advogados.
Mais cedo, a defesa da parlamentar acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar a sessão. Os advogados argumentaram que o crime do qual é acusada não tem relação com o mandato que ocupa na Câmara.
Na sequência, citaram diversos casos de parlamentares que são alvos de processos criminais. Entre eles, o presidente Arthur Lira (PP-AL) e Daniel Silveira (PSL-RJ). O pedido, contudo, foi negado pela ministra Cármen Lúcia.
Flordelis enviou carta pedindo “uma chance”
Nesta terça-feira, 10, um dia antes de ter seu destino político decidido pelos seus 512 colegas, ela enviou uma carta, pedindo “uma chance”, a todos os parlamentares.
“Uma chance para que eu possa me defender de um processo injusto de homicídio do meu próprio marido. Uma chance para que eu possa cumprir o mandato que eu fui legitimamente eleita. Uma chance para que minha dignidade seja, um dia, restabelecida”, escreveu na mensagem encaminhada por e-mail.
Os advogados de Flordelis defenderam no plenário que ela tivesse a mesma pena dada ao deputado Daniel Silveira (PSL-RJ). O parlamentar foi suspenso por seis meses, no caso em que ele é acusado de fazer ataques aos ministros do Supremo, mesmo motivo pelo qual o parlamentar foi preso em flagrante em fevereiro.
Foram mais de 11 meses para o parlamento decidir o destino político da deputada desde que o deputado Léo Motta (PSL-RJ) apresentou um requerimento à Mesa Diretora da Casa pela perda do mandato.
O processo começou a tramitar no Conselho de Ética apenas em fevereiro deste ano, depois de um hiato do colegiado que ficou suspenso em decorrência da pandemia.
Antes de Flordelis, a última cassação aprovada pelo plenário da Câmara foi a de Eduardo Cunha, ex-presidente da Casa, com um placar de 450 votos favoráveis e 10 contrários.
*Com informações do Estadão Conteúdo e do portal R7