Política

Gabriela Cuzzuol | Para se eleger, Moro precisa de clareza, dinheiro e apoio

Comentarista de política e colaboradora da Rede Vitória, Gabriela Cuzzuol faz uma análise sobre o que disse Sergio Moro durante visita ao ES

Foto: Vitor Machado

O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Fernando Moro, esteve no Espírito Santo, na última sexta-feira, 11 de fevereiro. 

No 7º Encontro Folha Business, o painel “O que esperar da terceira via?” abordou trajetória, planos, campanha e projeto de Brasil. Fica claro, porém, que embora seja o candidato mais viável para enfrentar Lula e Bolsonaro, há muitos desafios que ele precisará enfrentar para vencer as eleições de 2022.

Moro foca sua narrativa nos eixos de campanha: renovação política, combate à corrupção, enfrentamento da extrema pobreza e desenvolvimento pautado na realização de reformas estruturais. 

“Peca”, porém, pela falta de clareza sobre as propostas para desenvolver o País, caso consiga se eleger. É possível entender o que ele intenciona, mas não fica claro como pretende executar seus planos. 

Na ocasião da filiação ao Podemos, e anúncio da pré-candidatura, especialistas levantaram o fato de que além do foco na pauta anticorrupção, não é possível saber exatamente o que o ex-juiz pensava. Três meses depois do anúncio da pré-candidatura, isso parece não ter mudado.

A participação no 7º Folha Business confirmou o que as pesquisas corroboram: a candidatura de Moro é determinante no cenário eleitoral de 2022. Para ser eleito, contudo, ele também precisará de uma descomunal capacidade de resolução de problemas.

Além do combate à corrupção

O combate à corrupção é a espinha dorsal da campanha do ex-juiz. “Não tenho rabo presto com ninguém”, pontuou. Ele também ressaltou os resultados da Operação Lava Jato, seu principal “cartão de visitas”: “A Operação devolveu 6 bilhões aos cofres públicos”, destacou. 

“Dinheiro de 10 anos de propina, provenientes de esquemas de corrupção em governos anteriores”, afirmou, aproveitando para “alfinetar” o PT, partido do ex-Presidente Lula, seu segundo principal adversário nas pesquisas. 

O primeiro, como se sabe, é o atual presidente, Jair Bolsonaro, a quem são atribuídos os comprovados retrocessos no combate à corrupção que o Brasil vem enfrentando desde 2019.

A pauta anticorrupção é, tradicionalmente, uma das mais importantes em eleições majoritárias, aponta o cientista polçítico Antônio Carlos Almeida em “O Voto do Brasileiro”. 

 A disputa de 2020, por cargos municipais, já sinalizou, todavia, que o tema perdeu força em relação a 2018. O percentual de recondução de políticos tradicionais ao poder confirmou que o eleitor brasileiro está menos entusiasmado com o projeto de reforma política. Em 2018, por outro lado, o impacto dos escândalos de corrupção envolvendo o Partido dos Trabalhadores incentivou, nos eleitores, o desejo de renovação política.

É também nessa esteira – da renovação política – que Moro se apresentava: “Eu não sou político”, costuma dizer em entrevistas. Atualmente, a narrativa se alterna: em alguns momentos se apresenta como o político, capaz de dialogar e estabelecer articulação; em outros como o outsider que quer apenas ser uma opção à polarização. 

No evento do Folha Business, ele afirmou que decidiu se candidatar diante da falta de opções e da insatisfação popular com as opções que se apresentam: “todos pareciam insatisfeitos com os dois nomes extremos”. 

Também tem como trunfo o viés reformista: é pela narrativa da situação econômica em que Dilma Roussef deixou o Brasil e das reformas que Bolsonaro prometeu e não vem cumprindo integralmente, que ele pode se fortalecer.

E é categórico ao se colocar como capaz de estabelecer diálogo como o Congresso, apesar do grande número de políticos que lá atuam e que foram investigados pela Lava Jato, Operação da qual ele é o símbolo. “Sou uma pessoa aberta ao diálogo”, afirma.

E, batendo nos candidatos anteriores, volta a se apresentar como alternativa a ambos: “nem mensalão, nem petrolão, nem rachadinha, nem orçamento secreto devem ser requisitos necessários para que se conquiste apoio no Congresso Nacional”, pontua. 

Essa é a resposta que ele concede aos que pensam que pode eventualmente vir a ter dificuldade de aprovação de pautas no Congresso Nacional, já que muitos políticos que ali atuam – e serão reeleitos – foram indiciados – e investigados – pela Lava Jato.

Outro importante fato relacionado à campanha do juiz também foi discutido no Encontro Folha Business: a suposta perseguição do TCU ao ex-ministro.

Perseguido politicamente ou não?

Moro vem sendo investigado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) por conflito de interesses, sonegação de impostos e, recentemente, teve o pedido de bloqueio de seus bens solicitados. No centro desses pedidos está o subprocurador Lucas Furtado, que atua junto ao TCU e é autor dos dois pedidos contra o ex-juiz.

Furtado protagoniza uma “guerra” contra um outro procurador – Júlio Marcelo de Oliveira – que tem, no centro, as investigações contra Moro. Oliveira alega que o TCU “não tem competência para atuar sobre agentes privados, exceto em situações em que o mesmo realiza alguma negociação com o governo”. 

Moro concorda: “O TCU investiga governos. O próprio procurador pediu o arquivamento do caso e, depois, peticionou dizendo que voltou atrás. É preciso ser sério”, afirmou, em entrevista ao jornal da TV Vitória. A bancada do Podemos, no Senado, recentemente, acionou o procurador Furtado por abuso de poder.

Em sua defesa, ele afirma que não pretende afastar Moro das eleições e que as investigações se debruçam sobre eventual sonegação de impostos.

Independente disso, tanto quanto a suspeição decretada pelo Supremo Tribunal Federal quanto, as investigações do TCU devem ser um entreve à campanha presidencial do ex-ministro.

Foto: Folha Vitória

A narrativa de Moro tem, contudo, uma força incontestável: o retrocesso – real – nas estratégias de combate à corrupção. De acordo com a ONG Transparência Internacional, em 2021 a nota do Brasil no Índice de Percepção do Combate à Corrupção (IPC) ( 38 pontos), foi abaixo da média da américa Latina (41) e da média mundial (43), em uma escala em que 100 pontos significa “muito íntegro” e 0 significa “altamente corrupto”. 

Atualmente, o País ocupa a posição 96 entre 180 países analisados. Em 2016, ano em que ocupamos a melhor posição da série histórica, ocupamos a posição 79 entre 176 países analisados. Na época, atingimos 40 pontos.

Os retrocessos no combate à corrupção ocorridos, em muitos casos, com o aval da gestão Jair Bolsonaro e os escândalos relacionados a desvio de verba pública protagonizados por Lula e demais políticos a ele ligados são elementos essenciais à campanha de Sérgio Moro. E em torno disso que a narrativa do ex-juiz gira.

O nome da terceira via?

O ex-ministro se apresenta como o cidadão comum, que decidiu entrar na política em virtude da insatisfação com a situação do País: “As pessoas estavam falando de 2022 como uma espécie de funeral, em que iriam “escolher a cor do caixão” porque as opções que estavam disponíveis eram muito ruins”, afirmou em entrevista concedida à TV Vitória.

Afirmou ainda que abriria mão da candidatura em prol de um nome que pudesse ter maior viabilidade para o enfrentamento da polarização. Nos bastidores do jogo político, sabe-se que não foi bem assim. 

Antes de anunciar-se oficialmente, foi cogitada a possibilidade de uma disputa a uma vaga no Senado Federal. Não foi à frente. Moro queria – e quer – ser Presidente.

Até o momento, pesquisas indicam que a decisão foi um acerto. Na última pesquisa do Instituto Futura, ele aparece com 8,5% de intenções de votos – na estimulada –, imediatamente atrás de Lula (36.9%) e Jair Bolsonaro (31,4%). Ciro Gomes, que ocupa o quarto lugar e principal nome para os eleitores da esquerda, tem diferença percentual de 2,9%. Moro ainda tem a seu favor dois pontos: a alta rejeição de Jair Bolsonaro ( 47,3%) e a de Lula (37,1%), em relação a dele ( 18,3%) e o fato de o eleitorado brasileiro ter o costume de só se decidir, em ano eleitoral, mais perto do pleito eleitoral, de fato. 

Até agora, 35,6 % dos eleitores manifestaram ter pouco ou nenhum interesse por política, o que pode significar um cansaço da polarização política. Isso significa que, se conseguir apoio, dinheiro e for mais claro nas propostas, Moro tem chance de chegar ao segundo turno.

Ele afirma não gostar muito do termo “terceira via”, e parece compreender que a união entre os candidatos que se apresentam como opção à polarização não será fácil. Em um ambiente repleto de nomes, o “preço do apoio” aumenta. 

No dia 14 de fevereiro, o colunista Diogo Mainardi publicou em “O Antagonista” que os deputados federais do próprio Podemos, partido de Moro, querem ter acesso ao dinheiro do fundo eleitoral e, depois, apoiar de forma sutil as candidaturas e Lula e Bolsonaro. Lideranças de outros partidos, por outro lado, “cobram” – desde cargos a benesses em uma futura gestão – pelo apoio. 

O ex-juiz vem entendendo, a passos rápidos, como funciona a política brasileira. Sem apoio, sem palanques nos estados, e com maior número de candidatos na terceira via, enquanto – sobretudo Lula corre fechando acordos importantes – a chances de derrota nas urnas aumenta.

Em relação a isso, no que se refere às cobranças para o fechamento dos acordos e alianças, o recado transmitido em Vitória foi claro: “Não acredito que uma maior aglutinação partidária resulte necessariamente, em maior número de votos”. Mainardi chama a atenção para um outro fator: a falta de dinheiro. Ele revela que há uma dificuldade de o empresariado doar para a campanha de Moro por medo da futura retaliação do Lula e Bolsonaro. Por essa razão, e o pedido dos deputados do Podemos de que a prioridade da verba do fundo eleitoral – mais de R$ 200 milhões –, a campanha de Moro já está sem dinheiro, afirma. Ele parece saber: “Preciso do apoio das pessoas e do empresariado”, afirmou o ex-juiz no painel Folha Business.

O empresariado deverá aderir mais à candidatura à medida que Moro for pontuando melhor nas pesquisas; para pontuar melhor nas pesquisas, por sua vez, ele precisa do apoio do setor produtivo – entenda-se, do empresariado. 

Na política brasileira, um depende do outro. Necessita ainda, de palanque nos estados, mas isso está sendo construído, com apoio político. É com medo de que isso escale que Jair Bolsonaro tenta dificultar a aproximação entre o pré-candidato e o União Brasil, influente, capilarizado e com bastante verva. 

 No Espírito Santo, há a possibilidade de Gilson Daniel construir uma base para o apoio do atual governador do estado, Renato Casagrande à candidatura de Moro.

E os projetos para o Brasil?

Antes de se tornar oficialmente pré-candidato à Presidência, Sérgio Moro já se posicionava ao centro. Enquanto atuou como ministro da Justiça e Segurança Pública, convidou a ativista Illona Szabó para compor o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Szabó, além de ligada à esquerda, é desarmamentista. Embora discreto, sempre se soube que Moro também era.

Sempre fora também radical em relação às pautas relacionadas ao combate à corrupção: enquanto ministro, apoiara de forma inegociável a prisão após condenação em segunda instância, instrumentos de delação premiada, lutou para que o Coaf não voltasse ao ministério da Economia e é contra as chamadas “saidinhas” de presidiários em ocasião de feriados.

Agora, como candidato, ele se anuncia favorável ao desenvolvimento com equilíbrio fiscal, porém, com inclusão, redução das desigualdades e combate à extrema pobreza e à fome.

E a economia: como pretende alavancá-la?

“O que temos visto hoje é que a economia não vai bem, vai mal. As pessoas estão sofrendo, falta emprego.”, afirmou em entrevista à Tv Vitória. “É necessário um programa de governo que não beneficie poucos, mas muitos”, continua.

O programa de desenvolvimento econômico proposto por ele se pauta em reformas: tributária, administrativa e “ética” – esta última inclui novamente a pauta do combate à corrupção. “Eu sou reformista”, é uma frase constantemente repetida pelo candidato.

“O governo atual fez poucas reformas”, afirma, ressaltando que Jair Bolsonaro prometeu muito mais do que realizou. A reforma administrativa não saiu, a tributária também não nem as privatizações prometidas. Ele critica ainda, a PEC dos Precatórios.

Ao descrever seu projeto, fala sobre a importância da manutenção do teto dos gastos para que o governo Michel Temer conseguisse entregar o país em situação fiscal mais equilibrada do que a herdada da gestão Dilma, cuja “nova matriz econômica conduziu a uma grave recessão”: “O teto dos gastos fez o mecanismo perder credibilidade”, pontuou, sem indicar quais passos pretende seguir para manter o teto.

A partir daí, começa a “derrapar”. Moro não é específico em relação à forma como pretende resolver os graves problemas econômicos que o Brasil enfrenta.

É o nome do economista Afonso Pastore que chancela o projeto econômico do juiz. Pastore evoca credibilidade, não há dúvidas. O ex-Presidente do Banco Central na década de 1980, na gestão de João Figueredo, é professor aposentado da Universidade de São Paulo e da Fundação Getúlio Vargas e criador do Centro de Debate de Políticas Públicas, órgão que congrega economistas muito atuantes no país. 

Sempre atuou na política e inspirou uma geração de economistas que tem formulado políticas públicas nos últimos anos. Não é, todavia, uma unanimidade. Os anos em que presidiu o Banco Central foram marcados por alta inflação, ocasionada por desvalorização da moeda e medidas econômicas para a contenção do aumento de preços. 

Ao assumir a liderança econômica do projeto de Moro, Pastore foi enfático ao afirmar que , aos 83 anos, não pretende ser ministro. Seu projeto deve ter como base a construção de um arcabouço fiscal, baseado em restrição orçamentária e escolha de investimento de recurso público por critérios de eficiência econômica e taxas de retornos sociais. 

A ideia dele é manter o controle de despesas da máquina pública e investir no que dá retorno para a maioria das pessoas. Moro repete o discurso. O aumento da qualidade do serviço público – e não só o corte de gastos – está no centro da narrativa dele.

O grupo que Pastore lidera, inclui, por exemplo, o economista Ricardo Paes de Barros, do Insper, um dos mentores de Bolsa Família, em 2004.

O grupo tem experiência e credibilidade, porém, o tempo urge.

Pastore, por sua vez, é conhecido como o “anti-Paulo Guedes”, por tecer críticas incisivas ao atual ministro da Economia. Até nesse sentido, a escolha de Moro faz sentido, levando em conta que ele se apresenta como o “anti-Bolsonaro”.

Faltando sete meses para as eleições, a falta de clareza pode ser um problema. Por um lado, não é ingênuo: vítima da máquina de destruição reputacional tanto das campanhas de Lula quanto de Bolsonaro detalhar seu projeto político neste momento poderia dar aos adversários munição para combatê-lo. Por outro, pode preservar a campanha; por outro, atrapalhar a comunicação do candidato com o eleitorado que prefere comunicação mais simples.

Os desafios

A pouca clareza pode indicar que, hoje, Moro não tem projeto de Brasil. Independente de apoiar ou não o projeto de País de Lula e Bolsonaro, ambos têm serviços prestados na chefia de Executivo; Moro, por sua vez, tem os resultados da Operação Lava Jato, a primeira que efetivamente colocou políticos corruptos na cadeia, e a redução dos indicadores em segurança pública de seu governo – em 2019, o país teve redução de 19% nos índices de crimes violentos.

Há outra área na qual o ex-ministro não é específico: as políticas sociais. Ele afirma que está conhecendo iniciativas que dão certo ao redor do Brasil, lideradas também pelo setor privado, e que seu grupo de trabalho estuda formas de replicá-las como políticas públicas;

Moro parece bem assessorado, é bem-intencionado e, diante do que se comprova historicamente, é uma opção melhor do que Lula – que, apesar da decisão do STF, continuará carregando a herança do envolvimento no maior escândalo de corrupção da história do Brasil – e do que Bolsonaro – o gestor inábil que, em meio à maior pandemia histórica que o Brasil já enfrentou, criou fatos políticos indignos e que acabou nas mãos do centrão adesista e fisiológico.

Ele carrega consigo os resultados da operação que melhor combateu a corrupção na história. Precisará, para que se eleja, de conquistar apoio financeiro, confiança do eleitor – e para tanto, precisa ser mais claro – e apoios certos. Para isso, terá de lidar com o “mecanismo”. 

Ele, que sempre disse que não era político terá de enfrentar a realpolitik, em tempo recorde, com todas as dificuldades que só ela é capaz de apresentar. 

*Gabriela Cuzzuol é comentarista de política da Rede Vitória. Debate temas da política nacional e local no quadro Visão Política, na Jovem Pan News Vitória, (90,5 FM), às terças e quintas, às 11h30.