A atual sede do poder estadual do Espírito Santo chega aos 470 anos neste domingo (25) tentando se reaproximar da população. As visitas guiadas ao Palácio Anchieta foram retomadas desde o final de maio e desvendam curiosidades e detalhes revelando quatro séculos de muitas mudanças e de novas finalidades da construção.
O palácio situado na Cidade Alta, em Vitória, no século XVI, abrigava uma igreja, um colégio e uma residência. O conjunto das construções pertencia à Companhia de Jesus, a ordem dos padres jesuítas que fizeram história na América durante o período do Brasil Colônia.
“Os jesuítas vieram para evangelizar os índios no Brasil e já tinham a mentalidade de fazer obras duradouras para tornar possível o seu trabalho missionário e também deixar para quem viesse depois. O lema era fazer obras que durem enquanto o tempo durar”, explica o jornalista e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), José Antônio Martinuzzo, autor do livro “Palácio Anchieta – Patrimônio Capixaba”.
A obra, lançada em 2009 e pertencente ao acervo do Governo do Estado, traça uma trajetória das mudanças ocorridas no prédio. O livro, atualmente fora de catálogo para vendas, foi distribuído na época para a rede de bibliotecas públicas do Espírito Santo.
Tudo começa em 25 de julho de 1551, quando o padre jesuíta Afonso Brás (1524-1610) conclui a construção da antiga igreja de São Tiago, feita de madeira.
Em 1570, ela é substituída por um novo templo, em pedra. Paralelamente, anos depois é acrescentado o colégio, onde o próprio padre José de Anchieta (1534-1597) concluiu a primeira ala em 1587, voltada para a atual praça João Clímaco.
Os jesuítas sempre focavam a educação, como uma forma de converter os nativos. Por isso, além das igrejas, sempre fundavam escolas onde atuavam.
A construção era a maior do Espírito Santo. Até que em 1759, tudo muda de dono.
“Os jesuítas são expulsos de Portugal e de todas as colônias portuguesas por ordem do famoso Marquês de Pombal (1699-1782), que não queria interferências da ordem religiosa na política portuguesa. Assim, o conjunto é confiscado e passa para a Coroa Portuguesa”, explica Martinuzzo.
O colégio é desativado e passa a se chamar Palácio do Governo em 1796, abrigando também um hospital militar e um batalhão de polícia.
O prédio testemunha a separação do Brasil de Portugal com a Independência em 1822. Em 1860, ganha uma reforma a toque de caixa para receber a visita do imperador D. Pedro II e da imperatriz Teresa Cristina, que ficaram 15 dias no Espírito Santo.
Novo guarda-roupa
O Palácio começa a ganhar o aspecto que tem hoje com o fim do Império e a chegada da República.
“O conjunto ficou no estilo colonial até 1908 quando começam as grandes intervenções propostas pelo então governador Jerônimo Monteiro, cuja gestão foi de 1908 a 1912. Ele queria dar feições modernas à cidade, tentando repetir o que havia sido feito em grandes metrópoles como Paris, Rio de Janeiro e Buenos Aires. E ser moderno era acabar com tudo o que fosse do passado colonial e adotar o estilo eclético”, detalha.
O Palácio ganha uma “roupa nova” com intervenção do arquiteto francês Justin Norbert a pedido de Jerônimo Monteiro. A estrutura da construção antiga, que antes eram paredes nuas, ganha os enfeites e os detalhes em pedra, ficando parecida com o que é hoje.
Além disso, Norbert instala em 1912 a escadaria (chamada depois de Maria Bárbara Lindenberg ou mais conhecida como Escadaria do Palácio), urbanizando a ladeira que ia até o cais do porto.
A igreja também é incorporada totalmente à construção com a demolição de uma de suas torres neste ano.
“A igreja foi comprada pelo governo estadual em 1911. Quem mandava no bispado do Espírito Santo era o bispo Fernando Monteiro que, veja só, era irmão do governador. A compra, nesses aspectos, foi muito facilitada”, aponta o jornalista.
Sem a torre, a igreja fica nivelada ao Palácio. A segunda torre do templo, que tinha o relógio e o sino, é demolida em 1922, terminando de vez com qualquer vestígio do edifício religioso.
O então governador “Nesse ano também é inaugurado o túmulo simbólico do padre José de Anchieta, puramente uma marca alegórica porque os restos mortais dele já não estavam mais ali”, destaca.
Na década seguinte, com o governador João Punaro Bley, gestão de 1930 a 1943, é instalado o segundo pavimento, com a inclusão de uma grande laje de concreto armado. Nele são inaugurados os atuais salões de São Tiago e o Negro.
O Palácio Anchieta, à medida que o século XX avança, vai sofrendo com o tempo. São feitas manutenções esporádicas. A grande restauração só acontece no século seguinte, de 2004 a 2009.
“Mas, desta vez, diferente do que havia sido feito na época de Jerônimo Monteiro, o intuito era preservar, manter as características e, algo muito rico para a população: deixar exposto o que os trabalhos restauradores foram desvendando como antigas fundações, pintura já encobertas por outras camadas de tinta ao longo das décadas. É possível a gente sentir que o Palácio Anchieta é uma síntese da do que foi e e o que é o Espírito Santo: começou nas mãos dos jesuítas, foi para o governo leigo e secular e resume as mudanças na esfera política e nos rumos da sua história”, conclui.
Visitas guiadas
Atualmente, o público tem acesso a dois roteiros de visita no Palácio Anchieta. “Há duas opções de visita guiada, uma privilegiando o desenrolar histórico, que dura 40 minutos, e a outra que está disponível somente nos finais de semana e feriado, visitando também o segundo piso e com uma hora e 20 minutos de duração”, explica a gerente de patrimônio histórico do Palácio Anchieta, Aurea Ligia Miranda.
Ela detalha os pontos do passeio. Na entrada, os visitantes acessam uma galeria de arte com acervo permanente e no hall de entrada uma linha do tempo mostrando as modificações na construção ao longo dos séculos. Dali podem vislumbrar a antiga ala lateral do que foi a igreja de São Tiago. Caminhando mais um pouquinho, chega-se ao tumulo simbólico do padre Anchieta.
“O túmulo que não guarda mais seus restos mortais foi edificado onde era o altar principal da igreja. Hoje, o Palácio conta com uma relíquia doada pela Companhia de Jesus, a qual pertencia o padre Anchieta”, explica.
Anchieta faleceu em 1597 na então vila de Reritiba (atual cidade de Anchieta). Os índios transportaram seu corpo até a então igreja de São Tiago (futuro Palácio), num percurso de 90 quilômetros, concluído em três dias. Foi na cerimônia de sepultamento, no futuro palácio que levaria seu nome que Anchieta foi chamado pela primeira vez de “Apóstolo do Brasil”.
Seguindo após o túmulo, o passeio chega à sala de achados arqueológicos. A visita segue depois para o pátio interno.
“Temos no pátio um poço antigo, que abastecia de água a casa paroquial e o colégio. Depois chegamos ao pórtico e acessamos a galeria virtual com a listagem de todos os governadores do período republicano”, descreve.
Segundo pavimento guarda acervo de arte
O acesso ao segundo pavimento fica disponível apenas aos finais de semana. É que de segunda a sexta, os espaços ali abrigam a programação oficial dos trabalhos do governador.
Neste andar estão os salões Nobre, Dourado, Negro, São Tiago, do Piano e o Gabinete do Governo. O piano alemão tem 120 anos e é usado em recepções. Os visitantes passam também pela sacada principal da fachada onde estão as bandeiras.
Além dos espaços, o público conhece um rico acervo artístico, com um catálogo de mais de 1000 peças. Inclui pinturas em óleo sobre tela de grandes mestres como Homero Massena e Levino Fanzeres, além de um mobiliário que vai do período colonial, estilo francês (com poltronas e cadeiras Luis XV e Luis XVI), peças orientais (escrivaninha e cadeira chinesa do século XIX) e porcelanas chinesas e da cidade francesa de Limòges.
Desde que foram abertas as visitas ao público, em dezembro de 2009, um contingente de 943 mil pessoas foram passear pelos corredores e salões do Anchieta.
“Com certeza, chegaríamos a um milhão se não tivéssemos suspendido o serviço por causa da pandemia do coronavírus”, contabiliza a gerente de patrimônio histórico.
Ela conta que a maioria do público é formada por estudantes, cumprindo o objetivo do Palácio de se aproximar da população como point de turismo pedagógico, histórico e cultural.
“Mantemos uma programação regular de visita de escolas públicas e particulares. Além disso, temos muita procura de turistas de outros estados e de outros países. Visitas espontâneas de moradores e locais do Espírito Santo ainda não são muito frequentes se comparadas com esses outros públicos”, compara.
Ela espera que as comemorações dos 470 anos deem incentivo a que mais capixabas queiram saber mais da própria história.
Serviço:
Visitas guiadas no Palácio Anchieta
Quando: segunda a sexta, das 9h às 17h. Sábado, domingo e feriado, das 9h às 16h.
Agendamento: 3636-1032 (é obrigatório agendar grupos a partir de 10 pessoas).
Duração do passeio: 40 minutos (roteiro histórico) ou 1 hora e 20 minutos (visita em todo o Palácio). Visita ao segundo pavimento disponível apenas no final de semana.
Quanto: gratuito.
Onde: Praça João Clímaco, s/n, Cidade Alta, Centro, Vitória.
Protocolo de saúde por prevenção à covid-19: obrigatório uso de máscaras durante todo o passeio. Para liberação de entrada, há aferição de temperatura.