A grande instabilidade no repasse de recursos da União e dos Estados para os municípios está entre as principais reclamações dos prefeitos capixabas neste período de crise econômica. A afirmação é do presidente da Associação dos Municípios do Espírito Santo (Amunes), Dalton Perim (PMDB).
Segundo ele, o atraso afeta o planejamento das cidades e prejudica a imagem dos prefeitos perante à sociedade. Oito meses antes de deixar a presidência da Amunes, entidade que existe desde julho de 1972 e da qual presidente há quatro anos, Dalton Perim comenta sobre a dívida dos Estados, o fim da cobrança da taxa de marinha decretado pela Justiça Federal do Espírito Santo na semana passada, as desistências dos prefeitos em se reeleger, entre outros assuntos. Confira:
Folha Vitória: Como atua a Amunes neste momento de crise junto aos municípios?
Dalton Perim: A gente tem duas posturas. Uma tradicional é a de estar fazendo as assembleias e identificando a demanda generalizada dos municípios para tentar articulação e encaminhamento das demandas junto às instituições, sobretudo de controle, como Tribunal de Contas e Ministério Público. Outro momento é o da gente estudar o cenário político e econômico brasileiro e fazer orientações, observações e até, em alguns casos, fazer reflexão compartilhada com os gestores no sentido de estar preparando eles para o enfrentamento dos problemas e na tomada de ações.
FV: Do que os municípios têm mais reclamado?
DP: Tem prejudicado mais, no nosso ponto de vista, a instabilidade financeira e política. Porque hoje os prefeitos e prefeitas tentam se organizar em função de um cenário que se apresenta para eles no relacionamento com Estado e União. Mas muitas vezes, no meio do caminho, isso muda de rota e aí os municípios ficam meio fora do planejamento inicial, o que causa constrangimento principalmente em transferência e convênios relacionados a recursos financeiros. Às vezes os municípios fazem uma Lei de Diretrizes Orçamentárias imaginando e esperando um recurso de origem da União ou do Estado, que não chega. Neste caso, eles precisam repensar toda a estratégia de gestão. Associada a isso há a dificuldade da população compreender a responsabilidade do poder público e cooperar com o gestor no sentido de estabelecer prioridades na aplicação dos recursos. Na nossa cultura a pessoa pensa no pessoal e o coletivo fica em segundo plano, o que prejudica a atuação de um gestor.
FV: Acredita que toda essa situação que você colocou tem contribuído para a desistência de alguns prefeitos à reeleição ou existem outros fatores, em sua opinião?
DP: Existe uma frustração dos gestores de não conseguirem desempenhar sua responsabilidade como prefeito da maneira que imaginavam que seria. Uma segunda reflexão é a frustração de não poderem contar com aquilo que planejaram em relação aos governos federal e estadual. O prefeito ou a prefeita acaba se encontrando em situação de desconforto, tanto para ele como também perante à população do município, que muitas vezes não entende que a dificuldade não é só do gestor, mas de um cenário desfavorável. Sendo assim, em vez de enfrentar um cenário sem perspectiva, muitos preferem se afastar da administração.
FV: A associação tem acompanhado a questão da renegociação das dívidas dos Estados para com a União?
DP: A Amunes tem tentado ser solidária ao cenário de angústia e naturalmente estamos em sintonia. A dívida tem particularidade em estados e municípios em grande porte. Como 85% das cidades do Espírito Santo são rurais, essa questão não é tão comum por aqui a não ser no aspecto previdenciário. Em nível de Estado, acompanhamos para entender a posição e a situação do Espírito Santo, porque as cidades dependem da parceria do Estado em convênios para investimento. Se o Estado vai bem, e tem poder de recurso, naturalmente a possibilidade de os prefeitos terem parceria é grande. Mas se o Estado tiver dificuldade de recursos, isso reflete nos municípios. É um interesse mútuo.
FV: O que o senhor achou da anulação, ao menos por enquanto, da cobrança da taxa de marinha no Espírito Santo decretada pela Justiça Federal?
DP: Não é um tema de pauta da Amunes, mas acreditamos que é um avanço muito grande, pois questionamos qual o compromisso de retorno da União recolhendo essa taxa. Percebemos que é mais uma contribuição que não atinge o principal objetivo do tributo, que é gerar benefícios para a sociedade. A taxa de marinha foi implantada e até hoje não explicam para que serve. Não vemos resultados concretos. É um tributo desnecessário e injusto, pois no conceito de propriedade a pessoa já pagou pelo imóvel e já contribui como qualquer outro proprietário.
FV: Em declarações à imprensa, a Amunes andou apontando a fusão de municípios como uma das possíveis soluções para a crise. O senhor acha que isso realmente seria possível aqui no Estado?
DP: A gente faz esse comentário, mas é uma reflexão em nível nacional. Talvez no Espírito Santo a gente não tenha nenhuma situação apropriada para esse tipo de procedimento. Mas o que observamos em nossa caminhada país afora é que com essa abertura de emancipação, que muitas vezes foi feita por questões políticas, temos muitos municípios com menos de 10 mil habitantes. Aí você vai analisá-los e percebe que são economicamente inviáveis, já que a partir do momento em que você emancipa uma cidade, já cria despesa de gestão, com prefeitos, vereadores e secretários, que nesses casos é desproporcional à capacidade de arrecadação daquele município.
FV: Na sua avaliação, no que a Amunes mais avançou nestes quatro anos de Dalton Perim como presidente?
DP: A associação cumpriu seu principal papel de articular ações que pudessem contribuir e melhorar a interlocução dos municípios junto aos entes federados e instituições de controle. Há uma relação construída com governo, Ministério Público e Tribunal de Contas.