Política

Livro revela como Vila Velha institucionalizou o orçamento participativo e ajudou a acabar com a Ditadura Militar

O cientista político Fernando Pignaton conta como surgiu a proposta de colocar a população para votar nas obras prioritárias dos municípios. Escritor avalia que a democracia precisa se atualizar para enfrentar 'ondas antidemocráticas'

Foto: Divulgação/Edufes

No último dia 23 de maio foram comemorados os 36 anos da criação dos orçamentos públicos municipais, o popular orçamento participativo, em que os moradores podem votar quais são as obras prioritárias de seus bairros.

A ferramenta foi colocada oficialmente no papel pela primeira vez no Brasil em Vila Velha, no ano de 1983, quando o então prefeito Vasco Alves sancionou uma lei para institucionalizar a medida, que mais tarde iria entrar na Lei Orgânica, uma espécie de constituição municipal.

Para contar os bastidores dessa experiência, o cientista político Fernando Pignaton lançou o livro “Participação Popular na Elaboração de Orçamentos Públicos – A Experiência do Espírito Santo”. Na obra, ele destaca o ambiente que se vivia na época, com a redemocratização do país e o surgimento da campanha pelas Diretas Já. “O orçamento participativo surgiu no meio da Ditadura Militar aqui em Vila Velha e depois foi se tornando lei em vários lugares do país”, ressalta.

Contudo, o autor também chama a atenção sobre o enfraquecimento da democracia no Brasil e em outros lugares do mundo. “A democracia precisa de uma atualização tecnológica, uma forma de se reinventar o que foi feito lá atrás com a instituição do Orçamento Participativo. Com tantos aplicativos, é preciso aumentar a participação das pessoas. Hoje, já não basta votar de quatro em quatro anos”, diz o autor.

Leia a entrevista do Folha Vitória com o autor

Folha Vitória: Fernando, como surgiu essa ideia de propor que as pessoas pudessem escolher como o orçamento seria utilizado?

Fernando Pignaton: Começou aqui em Vila Velha quando foi aprovado a primeira lei instituindo o Orçamento Participativo. Já existia uma experiência parecida em Porto Alegre, só que não era instituída por lei, tanto que mais tarde acabou deixando de existir. A ideia de onde começou é como a de quem inventou o avião, se foi Santos Dumont ou irmãos Wright. Mas quem colocou no papel e tornou isso algo mais institucionalizado, com uma segurança jurídica maior e tornando regra independentemente do partido no poder, foi Vila Velha.

Folha Vitória: Qual era o contexto que se vivia na época? As pessoas estavam animadas com a redemocratização?

Fernando Pignaton: Ter acontecido isso durante a ditadura foi uma conquista importante. As pessoas viviam o processo de redemocratização do país, tudo ainda estava sendo construído, ainda não se sabia o que estava por vir. A proposta surgiu dentro do DCE da Ufes, com quadros técnicos dos partidos, com ex-estudantes que confeccionaram a redação. Ela veio como proposta ainda na campanha das eleições, depois foi sancionada por Vasco Alves. A ideia era ser algo suprapartidário, uma ferramenta tanto para a direita quanto para a esquerda. Até por conta disso, quem fazia as assembleias eram os presidentes de associações de moradores e não o prefeito, como era em Porto Alegre.

Folha Vitória: E qual a avaliação que se tem desta ferramenta e do desenvolvimento da democracia depois desses 36 anos?

Fernando Pignaton: O orçamento participativo foi uma ferramenta importante na evolução da democracia, mas não pode ficar no mesmo modelo que foi pensado naquela época. Hoje os tempos são outros, o mundo está muito mais tecnológico. Eu acredito que a democracia passa por uma crise, está ultrapassada. Não basta que as pessoas votem a cada quatro anos. É preciso criar mecanismos tecnológicos de participação popular, evitando desperdício de verba, corrupção e aumentando a participação popular. Quando o cidadão não participa da gestão, ele não aprende o que acontece no estado. As insatisfações vão acumulando e geram essas ondas antidemocráticas que estamos vendo crescer no mundo.