Loki X TVA - O Conflito entre a Liberdade e o Determinismo

A série Loki, disponível no Disney+, vai além de um espetáculo visual e narrativo sobre viagem no tempo e multiversos. No centro de sua trama, a série propõe uma reflexão profunda sobre questões filosóficas e políticas que se relacionam com as dinâmicas de controle e liberdade presentes na sociedade. No cerne deste debate, está o embate ideológico entre Loki, a personificação do livre-arbítrio, e a “Autoridade de Variância Temporal” (TVA), uma estrutura opressora que representa o determinismo coletivista. Adicione à equação Aquele Que Permanece, o criador da TVA, e temos um cenário que espelha o conflito clássico entre liberdade individual e autoritarismo.

A TVA é apresentada como uma organização onipotente e onisciente, responsável por manter a “Linha do Tempo Sagrada”. Para eles, qualquer desvio, qualquer variação, é uma ameaça à ordem universal. Essa visão ecoa ideologias coletivistas, que priorizam a manutenção de uma estrutura homogênea em detrimento das escolhas individuais. O discurso da TVA é revestido de boas intenções: evitar o caos e preservar o bem maior. No entanto, suas ações expõem a verdadeira face do coletivismo — a supressão do indivíduo em prol de um suposto bem coletivo.

A TVA, com suas regras rígidas e burocracia desumanizante, lembra regimes totalitários que usam a ordem como justificativa para controlar todos os aspectos da vida humana. Assim como os sistemas políticos que tentam moldar sociedades inteiras com base em utopias estruturalistas, a TVA nega a agência individual ao catalogar, julgar e até excluir aqueles que não se conformam à linha do tempo predeterminada. Em sua essência, ela não é apenas uma organização; é uma metáfora para os excessos de sistemas burocráticos que veem os indivíduos como peças intercambiáveis de uma engrenagem maior.

Loki, desde suas primeiras aparições no Universo Cinematográfico Marvel, é um defensor nato do livre-arbítrio. Mesmo quando suas ações beiram a vilania, ele sempre se coloca como um ser autônomo, recusando submissão às normas impostas por forças externas. Na série, Loki é confrontado pela TVA e descobre que sua existência, assim como a de todos, é supostamente parte de um plano maior. Sua luta para afirmar sua liberdade contra a TVA é a representação mais clara da tensão entre a autodeterminação e o controle estruturalista.

Por sua vez, He Who Remains (Aquele Que Permanece) é o arquétipo do líder determinista. Em sua visão, o caos é o maior inimigo, e a única forma de evitá-lo é por meio de controle absoluto. Ele acredita que as escolhas individuais são perigosas, pois levam a realidades incontroláveis — os multiversos. Para ele, o livre-arbítrio não é apenas irrelevante, mas uma ameaça existencial. Seu argumento reflete o discurso clássico de regimes autoritários e coletivistas: a centralização do poder em nome da estabilidade.

No entanto, a ironia de Aquele Que Permanece está em sua negação do próprio princípio que ele defende. Sua existência é baseada em uma escolha — a de controlar o multiverso. Ele demonstra que mesmo os defensores mais ferrenhos do determinismo são, em última análise, indivíduos exercendo sua vontade. Essa contradição é um reflexo das falhas intrínsecas de sistemas que tentam eliminar o livre-arbítrio. 

A série Loki é um alerta contra os perigos de estruturas que colocam a ordem acima da liberdade. A TVA representa o que acontece quando a burocracia e o coletivismo se tornam extremos, apagando o que há de mais humano: a capacidade de escolha. O livre-arbítrio, encarnado em Loki, é a força vital que impulsiona a criatividade, a inovação e a evolução. Negá-lo é sufocar o progresso.

A mensagem central da série é clara: o caos não é o inimigo. O verdadeiro inimigo é o controle absoluto, que desumaniza e despersonaliza. A liberdade, com todas as suas imperfeições, é o que nos torna humanos. A batalha entre Loki e a TVA transcende os limites da ficção. Ela nos força a confrontar questões fundamentais sobre o papel do indivíduo em um mundo cada vez mais moldado por sistemas que privilegiam a ordem em detrimento da liberdade.

Ao escolher o livre-arbítrio, Loki nos lembra que, apesar dos riscos, a capacidade de decidir é o que dá significado à existência. Afinal, como a série nos ensina, não há propósito maior do que sermos os autores de nossas próprias histórias.

André Paris
Palestrante, Consultor em Governança e Inteligência Artificial, Privacidade de Dados e Compliance.