Política

Lula vai mandar dinheiro para a Argentina? Entenda

Nas redes sociais, há protestos contra o suposto envio de verbas do Brasil para o país vizinho

Foto: José Cruz/ Agência Brasil

Uma fala feita  pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), durante sua visita à Argentina, na última segunda-feira (23), tem gerado polêmica nas redes sociais e fora delas.

Ao afirmar que, após anos de proibição, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) voltará a financiar projetos de desenvolvimento e de engenharia em países vizinhos, Lula dividiu opiniões e, desde então, têm surgido especulações sobre como funcionaria esse intercâmbio comercial.

Alas mais conservadoras da sociedade, bem como os simpatizantes do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), afirmam que o governo petista começa o mandato beneficiando os países que são seus aliados políticos, antes mesmo de resolver os problemas econômicos do País. 

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Não é raro ler, nas redes sociais, protestos contra o suposto envio de dinheiro do Brasil para a Argentina. 

Veja abaixo algumas publicações que questionam a volta do financiamento de projetos de países vizinhos com fundos oriundos do Banco Nacional:

Lula está realmente tirando dinheiro do Brasil para enviar à Argentina?

Diferentemente do que tem sido propagado por parte de quem enxerga na relação comercial entre o Brasil e a Argentina o risco iminente de esvaziamento dos cofres públicos nacionais visando ao benefício direto dos “hermanos”, o economista e professor Antônio Marcus Machado explica que o intercâmbio financeiro entre os dois países, dentro da proposta apresentada por Lula na última segunda, não envolve envio de dinheiro para os argentinos.

“Não se trata de envio de dinheiro para a Argentina. Isso não procede. O que acontece é que o Lula planeja ajudar o exportador brasileiro na relação comercial com a Argentina”, disse.

Questionado sobre como funcionaria, na prática, essa ajuda por meio do BNDES, o economista ressaltou: 

“Hoje, o exportador brasileiro não vende para a Argentina por medo de não receber; nesse caso, o financiamento feito via BNDES serviria como uma garantia de que, em caso de não cumprimento do compromisso do país vizinho com os exportadores, o banco cobriria o prejuízo, ficando responsável por cobrar a dívida junto ao governo argentino”.

Apesar de esclarecer que, neste momento, não há qualquer tipo de acerto que garanta o envio de dinheiro para a Argentina por parte do governo brasileiro, Machado alertou para o risco de firmar relações comerciais com um país que, segundo ele, possui fama de “mau pagador”. 

“Além de já ter deixado de honrar seus compromissos comerciais em outras oportunidades, a Argentina não vive um bom momento em sua economia“, pontuou.

Financiamento ajudará no desenvolvimento da América Latina, diz Lula

Durante sua passagem por Buenos Aires, capital da Argentina, Lula enfatizou que a atuação do banco de fomento é importante para garantir o protagonismo do Brasil no financiamento de grandes empreendimentos e no desenvolvimento da América Latina.

“Eu vou dizer para vocês uma coisa. O BNDES vai voltar a financiar as relações comerciais do Brasil e vai voltar a financiar projetos de engenharia para ajudar empresas brasileiras no exterior e para ajudar que os países vizinhos possam crescer e até vender o resultado desse enriquecimento para um país como o Brasil. O Brasil não pode ficar distante. O Brasil não pode se apequenar”, declarou Lula.

No discurso, o presidente também defendeu que o BNDES empreste mais.

 “Faz exatamente quatro anos em que o BNDES não empresta dinheiro para desenvolvimento porque todo dinheiro do BNDES é voltado para o Tesouro, que quer receber o empréstimo que foi feito. Então, o Brasil também parou de crescer. O Brasil parou de se desenvolver e o Brasil parou de compartilhar a possibilidade de crescimento com outros países”, disse.

No governo anterior, o BNDES fez auditorias em financiamentos a países latino-americanos na década passada e divulgou o resultado numa página especial no site da instituição na internet. As investigações não encontraram irregularidades.

Relação bilateral

Ao lado de Fernández, Lula destacou a importância da relação bilateral entre o Brasil e a Argentina. O país é o terceiro maior destino das exportações brasileiras e o principal mercado dentro da América Latina. 

Por sua vez, o Brasil é o país de onde os argentinos mais compram. O comércio concentra-se na compra de trigo argentino pelo Brasil e na venda de automóveis e peças de veículos dos brasileiros para o país vizinho.

“A Argentina é, em toda a América Latina, o principal parceiro comercial do Brasil. A Argentina e Brasil tinham um comércio maior do que Brasil e Itália, maior do que Brasil e Inglaterra, maior do que Brasil e França, maior do que Brasil e Rússia, maior do que Brasil e Índia”, frisou.

Durante o evento, Lula disse que a posição da Argentina no comércio exterior precisa ser valorizada. 

“A Argentina é o terceiro parceiro comercial do Brasil, só perde para a China e para os Estados Unidos. Isso tem que ser valorizado. Isso só pode ser valorizado, não por conta dos presidentes, mas por conta dos empresários. São vocês [os empresários] que sabem fazer negócio, que sabem negociar”, acrescentou o presidente brasileiro. 

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Do lado argentino, Alberto Fernández saudou a retomada das conversações em alto nível entre as duas nações. 

“O que nós estamos fazendo é voltar a fazer com que os vínculos Brasil e Argentina voltem a funcionar, vínculos esses que foram prejudicados”.

Os dois presidentes ainda receberam um documento conjunto elaborado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a União Industrial Argentina (UIA) com propostas para impulsionar as relações comerciais entre os dois países, e com outros parceiros comerciais, especialmente a partir do Mercosul.

Moeda comum

Antes do evento com empresários, Lula reuniu-se com Fernández. Na saída do encontro, disse que os dois países estão trabalhando o projeto de moeda comum, que funcionaria como uma câmara de compensação digital que reduziria a necessidade de dólares nas trocas comerciais entre Brasil e Argentina.

“Acho que, com o tempo, isso [a moeda comum] vai acontecer, e é necessário que aconteça. Se dependesse de mim, a gente teria comércio exterior sempre nas moedas dos outros países, para que a gente não precise ficar dependendo do dólar. Por que não tentar criar uma moeda comum entre os dois países, com países do Brics [grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul]?”, disse Lula.

A moeda comum seria uma unidade de valor atrelada ao peso argentino e ao real, mas não implicaria uma moeda única, com cada país mantendo a sua moeda. Na visita à Argentina, ficou acertado que os dois países criarão um grupo de trabalho para analisar a viabilidade da moeda comum, com análises que levarão anos. Segundo Lula, um eventual projeto só será apresentado “depois de muitos debates e reuniões”.

Financiamento especial

Durante a viagem, será apresentada a proposta de um mecanismo de financiamento às exportações de manufaturados do Brasil para a Argentina. Bancos brasileiros públicos e privados concederiam empréstimos em reais para importadores argentinos que comprarem produtos industrializados do Brasil. O banco brasileiro adiantaria o dinheiro ao vendedor e cobraria do comprador argentino.

Os dois países forneceriam garantias (recursos para cobrir eventuais calotes e impedir que os juros subam). O Tesouro Nacional usaria recursos do Fundo Garantidor às Exportações. Os financiamentos só seriam liberados quando a Argentina oferecer a quantia equivalente em reais, por meio de títulos ou contratos com circulação internacional depositados nos Estados Unidos, na Inglaterra ou no Brasil.

O mecanismo funcionaria em moldes semelhantes aos financiamentos concedidos pela China aos importadores argentinos desde 2019. A diferença é que o país asiático fornece contratos de swap (troca de moedas), que passam pelos bancos centrais da China e da Argentina.

*Com informações da Agência Brasil