O Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) apresentou uma nota técnica contra a aprovação de um projeto de lei que muda as regras das rádios comunitárias, em tramitação no Senado. O PLS 513/2017 já passou pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicações e Inovações da Casa e pode ser votado no plenário a qualquer momento.
O projeto, de autoria do senador Hélio José (Pros-DF), prevê a ampliação de 25 para 300 watts a potência das rádios comunitárias, além da destinação de três canais e a possibilidade de publicidade, entre outras mudanças. Emissoras privadas de rádio e televisão já manifestaram ser contra o projeto, que, segundo elas, equipararia as rádios comunitárias às emissoras comerciais.
“[O projeto] literalmente transforma essas emissoras em emissoras comerciais, porque, em um raio de cobertura de 300 watts, nós estamos falando de algo em torno de 50 quilômetros quadrados. Isso é praticamente uma emissora Classe C FM comercial. Então a nossa contrariedade a esse projeto é que ele cria um desvio de finalidade. Em nosso setor nós temos as emissoras comunitárias, que são pequenas emissoras outorgadas gratuitamente pelo poder público, associações sem fins lucrativos e que devem atender ao interesse daquela pequena comunidade – e devem ser custeadas por essa comunidade inclusive. Por outro lado, você tem as emissoras comerciais, que participam de um processo licitatório, que pagam pela outorga e que também desenvolvem uma atividade econômica profissional, com recolhimento de tributos e todos os encargos como uma atividade econômica”, ressaltou o diretor-geral da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Cristiano Lobato Flores, em entrevista à Rádio Jovem Pan.
Segundo Flores, as empresas do setor defendem que o projeto seja mais bem debatido, em outras comissões, antes de entrar em votação em plenário. “Antes da votação do mérito do projeto, serão apreciados dois requerimentos que solicitam que o projeto seja rediscutido ou discutido por algumas comissões temáticas. Você tem discussões sobre a constitucionalidade desse projeto e ele não passou pela Comissão de Constituição e Justiça. Então, para nós, é fundamental que esse projeto passe pela CCJ porque, na nossa opinião, esse projeto, na medida em que cria uma equivalência entre a rádio comercial e a comunitária, é inconstitucional”, afirmou.
Confira a entrevista do diretor da Abert na Jovem Pan:
Nota técnica
De acordo com informações do site Teletime, a manifestação técnica e jurídica do MCTIC foi feita por meio de uma nota técnica. O ministério, apesar de reconhecer que “o projeto nasce de uma aguda sensibilidade à causa das rádios comunitárias e demonstra profunda consciência do quão estratégico esse serviço é para o desenvolvimento nos locais com déficit de serviços de comunicação de massa e de representatividade/diversidade na mídia”, diz que “as alterações propostas partem de uma compreensão equivocada do sistema brasileiro de radiodifusão – particularmente no que diz respeito à convivência harmônica entre os sistemas público, privado e estatal – e ameaçam o delicado equilíbrio de distribuição de canais no espectro radioelétrico”.
Ainda segundo o Teletime, o MCTIC afirma que a ampliação de potência exigiria a ampliação para 9 km no raio de cobertura das emissoras e a um espaçamento mínimo necessário de 18 km entre elas, o que poderia inviabilizar a prestação dos serviços diante do risco de interferências, havendo risco de redução na quantidade de rádios comunitárias em cada município.
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O ministério também questiona a ampliação da quantidade de canais por município. Afirma que “há que se ter em consideração que o espectro radioelétrico é um recurso limitado, cuja escassez determina as possibilidades de sua utilização. A proposta de se aumentar a potência das rádios comunitárias, com a destinação de três canais para o serviço, não é o arranjo mais eficiente para o emprego desse bem público. O Plano de Referência de Distribuição de Canais foi elaborado com base nas atuais características do Serviço de RadCom, e poderá não ser capaz de absorver o impacto do projeto de lei. É possível que a modificação das características das rádios comunitárias cause interferências, não só entre elas, mas também com as próprias rádios comerciais”.
Diz ainda que “o espectro de FM já está bem congestionado. Com a publicação do Decreto no 8.139, de 2013, as emissoras que prestam o serviço de radiodifusão em AM puderam migrar para FM. Até o momento cerca de 700 emissoras assinaram o termo aditivo para adaptarem a suas outorgas para FM, e outras 600 possuem processo em tramitação”, havendo riscos para o processo de migração das rádios AM para FM, atualmente em curso.
Para além dos argumentos técnicos, o MCTIC lembra que a constituição prevê a existência dos serviços privados, públicos e estatais de radiodifusão e que as comunitárias inserem-se na categoria dos serviços públicos, para o qual não está prevista a possibilidade de publicidade. Segundo o ministério, “haverá concorrência entre rádios comunitárias e comerciais, o que desequilibrará a harmonia entre os sistemas público e privado previstos na Constituição Federal. A concorrência entre os sistemas é tão mais preocupante quanto é distinto o regime jurídico que regulamenta um e outro serviços”.
Por fim, o ministério opina que “não enxerga ser razoável, portanto, a promoção de semelhante alteração das características do serviço de RadCom. Caso as associações comunitárias queiram atingir um maior número de ouvintes, elas podem participar de um processo licitatório para outorga de uma rádio comercial, ou de um processo seletivo para rádio educativa, seguindo, depois, o respectivo regime jurídico de cada serviço”.