Política

MPC-ES defende suspensão de dispositivos que autorizam pagar inativos com recursos da educação

Objetivo é assegurar a aplicação do mínimo constitucional de 25% em educação no Espírito Santo em 2020 e que mais de R$ 6 bilhões usados pelo Estado para pagar inativos em anos anteriores retornem à educação

Foto: internet

O Ministério Público de Contas do Espírito Santo (MPC-ES) encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) manifestação a respeito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5691, ajuizada na corte suprema, em 2017, pela Procuradoria-Geral da República (PGR). 

A ação questiona dispositivos da Resolução 238/2012, do Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCE-ES), que autorizam a inclusão de gastos com aposentadorias e pensões de originários da educação como despesas com Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE). Os dispositivos foram revogados durante sessão extraordinária realizada na última sexta-feira (18).

Na sustentação oral, o MPC-ES defendeu que o STF julgue o mérito da ação, declare a inconstitucionalidade e determine a suspensão imediata dos efeitos da Resolução 238/2012. O pedido visa assegurar o cumprimento da aplicação do mínimo constitucional de 25% em educação no Espírito Santo ainda em 2020, assim como garantir que mais de R$ 6 bilhões usados pelo Estado para pagar inativos retornem à educação.

A manifestação do Ministério Público de Contas foi realizada na condição de amicus curiae e enviada em vídeo ao Supremo na última terça-feira (22), para ser incluída na sessão virtual do Plenário do STF, que será realizada nesta sexta-feira (25). Os pedidos ministeriais levam em consideração o fato de que a Instrução Normativa 64 do TCE-ES, de 18 de setembro de 2020, a qual revogou os dispositivos alegadamente inconstitucionais da resolução, só terá efeitos a partir de janeiro de 2021.

O órgão ministerial sustenta que eventual decisão do Supremo sem analisar os questionamentos feitos na ação pela PGR poderá manter a validade do descumprimento do artigo 212 da Constituição Federal pelo Estado e pelos municípios capixabas no exercício atual e nos anteriores em que a resolução do TCE-ES estava em vigor.

Conforme estudos técnicos realizados pelo MPC-ES que embasaram a ação proposta pela PGR, desde 2011, o Estado do Espírito Santo, utilizando-se dos dispositivos previstos na norma do TCE-ES, só atinge o limite mínimo de 25% da receita resultante de impostos aplicado em educação ao computar despesa com repasse para cobrir déficit financeiro do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) com servidores inativos da educação.

Mecanismos

Na sustentação oral, o MPC-ES esclarece que, a partir da criação do que se denominou de “novos mecanismos adequados à fiscalização quanto ao pleno cumprimento do disposto no artigo 212 da Constituição Federal”, instituídos pelo Tribunal de Contas por meio das resoluções 195/2004 e 238/2012, ambas questionadas na ADI 5691, os gestores públicos capixabas foram autorizados pelo próprio órgão guardião das finanças públicas a contrapor-se à Constituição Federal e à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e contabilizar como despesa com MDE os valores utilizados para pagamento dos servidores inativos e pensionistas originários da educação. Com isso, mais de R$ 6 bilhões deixaram de ser aplicados pelo Estado na educação, de 2009 a 2020.

Em memoriais apresentados na mesma ação e assinados pelos três procuradores que compõem o MPC-ES — Luis Henrique Anastácio da Silva, procurador-geral, Luciano Vieira e Heron Carlos Gomes de Oliveira —, um dos argumentos apresentados para que seja declarada a inconstitucionalidade dos dispositivos questionados é de que houve “usurpação de competência privativa da União para dispor sobre diretrizes e bases da educação nacional”. O documento reforça que a LDB não inclui os gastos com contribuições para cobrir déficit do RPPS como sendo despesa com manutenção e desenvolvimento do ensino.

Sem efeito

Durante a sustentação oral, destaca-se que a revogação dos dispositivos da norma do TCE-ES tidos como inconstitucionais foi aprovada dois dias após a inclusão da ação na pauta de julgamento do STF e que seus efeitos financeiros foram postergados para 1º de janeiro de 2021, data em que os dispositivos pretensamente revogados não poderão mais ser aplicados por coincidir com o início da eficácia da Emenda Constitucional 108/2020, a qual proibiu expressamente o uso de recursos da educação para pagar inativos.

“Em outras palavras, a revogação jamais produzirá qualquer efeito sobre os §§ 4º e 5º do art. 21 da Resolução 238/2012, os quais permanecerão autorizando a subtração de recursos da educação durante todo o ano de 2020, estimados na LOA em aproximadamente R$ 800 milhões de reais, perdendo sua eficácia não pela revogação do Tribunal de Contas de sua Resolução, mas sim pelo início dos efeitos financeiros da referida emenda constitucional”, acrescenta o procurador Heron Carlos Gomes de Oliveira, que representou o MPC-ES na sustentação oral.

Para o MPC-ES, caso prevaleça a tese da perda do objeto da ADI 5691, “a estratégia de praticar toda sorte de incivilidade contra o ensino público, autorizadas por normas flagrantemente inconstitucionais, revelar-se-ia perfeita, na medida em que bastaria a revogação tempestiva e premeditada da norma inconstitucional, antes do julgamento de ação que lhe questione a validade, para que se fechasse os olhos para todo o mal por ela provocado”.

Além disso, o órgão ministerial ressalta que em outros casos similares analisados pelo STF, relacionados aos estados de São Paulo, Goiás e Paraíba, as violações constitucionais foram promovidas por leis, enquanto no Espírito Santo elas foram sustentadas em ato administrativo “dotado de abstração, generalidade e caráter normativo, editado pela Corte de Contas capixaba que, a par da desvirtuada usurpação da competência do parlamento federal, trata-se justamente do órgão com papel central no controle externo da Administração Pública”.

Recomposição

Um dos pontos defendidos pelo MPC-ES na sustentação oral é que a decisão do STF considere a possibilidade de recomposição ou de compensação pelos danos sofridos pela educação pública capixaba, para sinalizar à sociedade “que falhas reiteradas no sistema protetivo dos valores sociais não podem ser ignoradas”.

“A decisão a ser tomada pelo Supremo Tribunal Federal nesta ADI pode representar uma espécie de ‘Carta de Alforria’ para o ensino público no Estado do Espírito Santo, na medida em que, além de assegurar o cumprimento da Constituição Federal e de ensejar a revisão das receitas renunciadas irregularmente pelo Estado, pode viabilizar não apenas a recomposição integral e atualizada dos recursos públicos que deixaram de ser efetivamente investidos na educação, mas também o reconhecimento do débito histórico do Estado do Espírito Santo com a educação de seu povo”, enfatiza o procurador.

Uma das sugestões dadas para compensar os valores que deixaram de ser aplicados na educação nos últimos anos é a ampliação do mínimo a ser investido em MDE para além do índice constitucional de 25%, o que pode ser assegurado, por exemplo, por meio de emenda à Constituição do Estado do Espírito Santo, nos moldes da ampliação promovida pelo artigo 255 da Constituição do Estado de São Paulo, que estabelece índice de 30%.