Em meio a pedidos de "Fora, Bolsonaro", carta pela democracia é lida em ato na Ufes
O documento, que nasceu como um manifesto, se transformou em um movimento de dimensões nacionais e já conta com quase um milhão de assinaturas
No início da tarde desta quinta-feira (11), representantes de diversos movimentos sociais, entre eles sindicatos, coletivos, organizações não governamentais e instituições independentes, se reuniram em frente ao Teatro da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), em Vitória, para a leitura da carta em defesa da democracia e do sistema eleitoral brasileiro.
No ato organizado no Estado, além da carta originária da Universidade de São Paulo (Usp), que conta com mais de 950 mil assinaturas, também foram lidos manifestos das seguintes instituições: Sindicato dos Trabalhadores na UFES (Sintufes), Associação dos Docentes da Universidade Federal do Espírito Santo (Adufes), Transparência Capixaba, Associação Juízes para a Democracia (AJD) e Convergência Capixaba.
A presidente da Adufes, Junia Zaidan, falou da importância da mobilização para a leitura da carta pela democracia no ato promovido nesta quinta.
"A gente está ecoando a manifestação que está acontecendo no Brasil inteiro, e ela se dá, no momento, como uma resposta às suspeições que foram levantadas a respeito do processo eleitoral, eleições livres e do voto impresso. Portanto, a sociedade civil se organiza, por meio de diversas organizações e sindicatos, para dar uma resposta à altura, em defesa do voto", disse.
Já Luiz Cláudio Moisés Ribeiro, membro do movimento Convergência Capixaba, afirmou que o ato desta tarde simboliza uma ansiedade da sociedade e a garantia de um direito.
"Hoje a democracia conquistada no Brasil, pela sociedade brasileira, é um direito. Nós queremos que ele seja mantido. Esse direito se expressa, se renova e se reforça a cada momento. Então, nós confiamos nas urnas eletrônicas e é isso que viemos defender aqui", afirmou Luiz.
Políticos
Além dos movimentos sociais, a leitura da carta pela democracia também contou com a presença de representantes de partidos da esquerda capixaba, como PSTU, Psol e PT, por exemplo.
O deputado federal Helder Salomão (PT) e o senador Fabiano Contarato (PT) foram alguns dos políticos do Espírito Santo a prestigiarem o ato. Helder, que assinou a carta, afirmou que o documento cumpre papel crucial na luta em defesa da democracia e do processo eleitoral no Brasil.
"Nós não podemos permitir que haja nenhuma atitude, em um momento gravíssimo como esse em que nós vivemos, que possa tentar contra a democracia brasileira", destacou o deputado.
Contarato, por sua vez, destacou a dificuldade que, segundo ele, o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), um dos principais alvos dos atos em defesa da democracia e do processo eleitoral brasileiro, tem em conviver em um ambiente democrático.
"Esse presidente (Bolsonaro) ataca, sistematicamente, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), participa de movimentos antidemocráticos para fechar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), reduz a participação da sociedade civil e critica a imprensa. Por isso a importância de todo e qualquer ato em defesa da nossa democracia. Vou morrer defendendo a democracia", frisou.
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Carta
A carta começou como um manifesto e se tornou um movimento de dimensões nacionais. Até o fim da tarde da última terça-feira (09), quase um milhão de assinaturas haviam sido registradas.
O manifesto em defesa da democracia foi lido, no mesmo dia, em ao menos 22 capitais, além do Distrito Federal.
Confira a carta na íntegra:
Carta às Brasileiras e Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito
Em agosto de 1977, em meio às comemorações do sesquicentenário de fundação dos Cursos Jurídicos no País, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no território livre do Largo de São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em que vivíamos. Conclamava também o restabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.
A semente plantada rendeu frutos. O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o estado democrático de direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais. Temos os poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal.
Sob o manto da Constituição Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, passamos por eleições livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para o País sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular.
A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição "Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição". Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo.
As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral. Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em um País de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável.
O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude. Nos próximos dias, em meio a estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais.
Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando a convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos. Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições.
Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o estado democrático de direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional.
Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito. Aqui, também não terão. Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia.
Sabemos deixar de lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática. Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos as brasileiras e brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições.
No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições.
Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona: Estado Democrático de Direito Sempre!