Juristas apontam crimes de Bolsonaro na pandemia e pedem impeachment
O documento aponta que há "farto material probatório" produzido pelo colegiado para responsabilizar criminalmente o presidente e os integrantes de seu governo
O grupo de juristas coordenado pelo ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior apontou à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, no Senado, que cabe uma ação de impeachment por crime de responsabilidade contra o presidente Jair Bolsonaro no enfrentamento à pandemia.
Os juristas identificaram crimes contra a saúde pública, contra a administração pública, contra a paz pública e contra a humanidade, além de ter cometido infração de medidas sanitárias preventivas, charlatanismo, incitação ao crime e prevaricação.
O documento aponta que há "farto material probatório" produzido pelo colegiado para responsabilizar criminalmente o presidente Jair Bolsonaro e os integrantes de seu governo. Além de Reale Jr, assinam o parecer os juristas Sylvia H. Steiner, Helena Regina Lobo da Costa e Alexandre Wunderlich. O documento é uma resposta ao requerimento do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).
Na avaliação dos especialistas, 'não são poucas as situações que merecem o aprofundamento das investigações pelos órgãos de controle do Estado brasileiro, assim como são bastante evidentes as hipóteses reais de justa causa para diversas ações penais'.
Segundo os juristas, o comportamento de Bolsonaro ao longo da pandemia "constitui clara afronta aos direitos à vida e à saúde", o que configura infração ao artigo 7º, que trata dos crimes de responsabilidade na Lei do Impeachment.
"A falta de coragem na imposição de medidas impopulares, mas absolutamente necessárias, e a omissão consciente, assentindo no resultado morte derivado da inação, conduzem à evidente responsabilização do desastre humanitário aos condutores da política de saúde no país, em coautoria: presidente da República Jair Messias Bolsonaro, então ministro da Saúde Eduardo Pazuello e o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, cabendo em face do primeiro a propositura de ação por crime de responsabilidade", diz o documento.
O parecer tem 226 páginas e é dividido em capítulos que tratam dos crimes cometidos pelo presidente. O documento destaca que algumas populações foram mais atingidas e sacrificadas pelas escolhas do governo de negar o atendimento imediato, negar o acesso à vacina, acesso à esclarecimento e optar por tratamentos que fugiam totalmente do consenso científico global.
Segundo os juristas, Bolsonaro e Pazuello cometeram crime de epidemia e a pena deveria ser aumentada "em razão dos resultados morte e lesões corporais graves". O parecer listou 25 exemplos de crimes contra a infração de medida sanitária pelo presidente - aglomerações promovidas por Bolsonaro, sem uso de máscara - entre 9 de maio do ano passado e 24 de junho deste ano.
O parecer registra que "a estrutura inicialmente montada no plano jurídico e operacional, de conjugação de esforços com Estados e Municípios, foi sendo conscientemente solapada, para incentivar o desrespeito às normas de isolamento social, pelo exemplo de se aglomerar, por atos normativos tornando dispensável o fornecimento de máscara, ao ampliar os setores considerados essenciais, não sujeitos, portanto, a limitações de funcionamento".
O documento aponta também que o presidente cometeu o crime de charlatanismo por ao menos três vezes, ao incentivar o uso de medicamentos comprovadamente ineficazes contra a covid-19. O grupo cita, como exemplo, a cloroquina e a ivermectina.
"O sr. presidente da República expôs a saúde da população ao proclamar quase diariamente a positividade do tratamento precoce e as vantagens de se ingerir o remédio cloroquina ou hidroxicloroquina, não recomendado, pelo contrário, proibido pela OMS e pelo órgão de controle de medicamentos dos Estados Unidos, possibilitando a ocorrência de efeitos colaterais e facilitando a não tomada de cuidados para se evitar a disseminação da pandemia", apontam os juristas.
Em sessão do parecer dedicada ao detalhamento dos crimes contra humanidade, os juristas indicam que o atendimento das populações indígenas durante toda a pandemia foi 'deliberadamente ignorado' por todas as instâncias do governo. Além disso, o parecer qualifica a crise em Manaus no início do ano, que culminou na morte de pessoas asfixiadas por falta de oxigênio, como 'um caso exemplar do desprezo à vida', ressaltando que a capital do Amazonas foi 'palco de experiências e projetos absolutamente desastrosos e maléficos à saúde da população.
Autoridades do governo
O parecer também opina em investigações da CPI da Covid, como o caso da Covaxin e da Davati. O acordo para compra da vacina Covaxin foi fechado em fevereiro deste ano e cancelado em agosto por indícios de falsificação de documentos entregues pela empresa Precisa Medicamentos, intermediária do acordo entre Ministério da Saúde e a farmacêutica indiana Bharat Biotech.
Segundo os juristas, Elcio Franco e os funcionários da Saúde, coronel Marcelo Bento Pires, tenente-coronel Alex Lial Marinho e o então diretor de Logística da pasta, Roberto Ferreira Dias, praticaram o crime de advocacia administrativa.
"Usaram de influência dentro do Ministério da Saúde em favor da empresa Precisa Medicamentos, patrocinando de forma mais célere a aquisição da vacina Covaxin em relação a outros imunizantes, ainda que constatadas diversas irregularidades durante os processos administrativos de aquisição e importação", afirma o parecer.
"O farto material enviado pela CPI para exame dá conta de um forte ânimo de advocacia administrativa por parte dos servidores públicos do Ministério da Saúde em favor dos interesses da empresa Precisa Medicamentos."
O grupo apontou que os representantes da Precisa Medicamentos praticaram crime de falsidade de documento e de estelionato majorado - na modalidade tentada. "Foram impedidos de consuma-lo por circunstâncias alheias à sua vontade (ação do servidor Luis Ricardo Miranda, do Ministério da Saúde)", afirma o grupo.
Os juristas destacam que houve prevaricação do presidente Jair Bolsonaro e de Eduardo Pazuello no caso Covaxin. O deputado Luis Miranda (DEM-DF) afirmou à CPI ter levado indícios de irregularidades a Bolsonaro em março e o presidente teria lhe dito que acionaria a Polícia Federal.
De acordo com os juristas, Bolsonaro e Pazuello "foram devidamente alertados acerca das irregularidades e, ainda assim, permaneceram inertes".
"Conclui-se que as omissões dos Srs. presidente da República e Ministro da Saúde estão previstas na lei penal sob a forma de delito de prevaricação", aponta o documento.
A Davati Medical Supply propôs vender até 400 milhões de doses da AstraZeneca ao governo, por meio do cabo da Polícia Militar Luiz Paulo Dominguetti, mas não tinha as doses. O PM denunciou à CPI um suposto pedido de propina, em fevereiro deste ano, feito por Roberto Ferreira Dias.
O documento registra que o "o conjunto probatório permite indicar que Roberto Ferreira Dias (Diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde) praticou o crime de corrupção passiva e José Ricardo Santana, que é ex-Secretário Executivo da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos da Anvisa, na forma omissiva".
OS CRIMES COMETIDOS NO GOVERNO BOLSONARO DURANTE A PANDEMIA, SEGUNDO O GRUPO DE JURISTAS DA CPI DA COVID:
- Crime de responsabilidade" (art. 7º, número 9, da Lei 1.079/50)
- Crimes contra a saúde pública
- Crimes de epidemia (art. 267 do Código Penal)
- Infração de medida sanitária preventiva (art. 268 do Código Penal)
- Charlatanismo (art. 283 do Código Penal)
- Crime contra a paz pública, na modalidade de incitação ao crime (art. 286 do Código Penal)
- Crimes contra a Administração Pública: representados pelos crimes de falso (arts. 298 e 304 do Código Penal) e de estelionato (art. 171, §3º, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal), de corrupção passiva (art. 317 do Código Penal), de advocacia administrativa (art. 321 do Código Penal) e de prevaricação (art. 319 do Código Penal).
- Crimes contra a humanidade (art. 7º do Estatuto de Roma)
- Atitudes do presidente Jair Bolsonaro que desrespeitaram o direito à vida e à saúde, segundo os juristas:
1. promover aglomerações
2. apresentar-se junto a populares sem o uso de máscara
3. pretender que proibições de reuniões em templos por via de autoridades sejam revogadas judicialmente
4. incitar a invasão de hospitais, colocando em risco doentes, médicos, enfermeiros e os próprios invasores
5. incentivar repetidamente a população a fazer uso da cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina, medicamentos sem eficácia comprovada e com graves efeitos colaterais
6. recusar e criticar o isolamento social e as autoridades que o impõe
7. conspirar contra as autoridades estaduais e municipais, inclusive indo contra suas determinações de precaução por via de ações judiciais no Supremo Tribunal Federal
8. aplicar diminuta percentagem do orçamento destinado ao enfrentamento da Covid-19
não comprar vacinas
9. ridicularizar as vacinas, criando clima de desconfiança em relação às mesmas
10. festejar eventual insucesso em teste da vacina do Butantan