Prefeito de São Mateus teria usado familiares como 'laranjas' para lavagem de dinheiro
Entre os parentes que Daniel da Açaí teria usado para responder em nome de suas empresas estão a esposa, a filha e a "mãe de consideração" dele
Preso na última terça-feira (28), durante uma operação da Polícia Federal, o prefeito de São Mateus, Daniel Santana Barbosa, mais conhecido como Daniel da Açaí (sem partido), é suspeito de utilizar familiares como "laranjas" para realizar a lavagem do dinheiro que teria sido desviado dos cofres da prefeitura.
Entre os parentes que o prefeito teria usado para responder em nome de empresas que, na verdade, de acordo com a PF, pertencem a Daniel da Açaí, estão a esposa, a filha e a "mãe de consideração" do investigado.
Segundo as investigações, uma das empresas do prefeito que seriam usadas para ocultar seu patrimônio é a Trade Company Integrada de Desenvolvimento, que está no nome de Maurícia Maciel Peçanha e Daniela Maciel Peçanha Santana Barbosa, respectivamente esposa e filha de Daniel da Açaí.
A Polícia Federal obteve registros de que as contas bancárias da empresa foram usadas por Maurícia para movimentar elevadas quantias de dinheiro, que, segundo a PF, não possuem descrição clara quanto à sua origem.
As investigações apontam que, entre os dias 13 de outubro de 2014 e 10 de dezembro de 2020, foram movimentados quase R$ 2,6 milhões em transações — a maior parte em espécie — que tiveram a esposa do prefeito como origem ou destino. Daniel da Açaí está à frente da Prefeitura de São Mateus desde o dia 1º de janeiro de 2017.
Além disso, segundo a PF, Trade Company Integrada de Desenvolvimento foi utilizada para a aquisição de imóveis rurais localizados na região norte do Espírito Santo, possivelmente para lavagem de dinheiro.
Um desses imóveis teria sido adquirido com a ajuda de João de Castro Moreira, mais conhecido como João da Antártica, que também foi alvo da Operação Minucius. Segundo a Polícia Federal, em 2018, ele foi o responsável por simular, em seu nome, a compra de um imóvel rural, que ao final acabou sendo adquirido pela Trade Company Integrada de Desenvolvimento.
No ano passado, o antigo proprietário do imóvel contou à Polícia Federal que o negociou com João da Antártica, mas que, ao comparecer ao cartório para escriturar o negócio, surpreendeu-se com a presença da esposa do prefeito, que estava com o recibo de compra e venda.
A testemunha também relatou que sua propriedade foi vendida por R$ 1 milhão, mas que nos documentos constava o valor de R$ 348 mil.
"As investigações descortinaram parte da vultosa situação patrimonial do grupo investigado, corroborando as informações de que Daniel Santana Barbosa adquire propriedades rurais através de empresa em nomes de sua esposa Maurícia Maciel Peçanha e de sua filha Daniela Maciel Peçanha Santana Barbosa, possivelmente visando ocultar a origem dos recursos destinados para suas aquisições", destacou um trecho do inquérito da Polícia Federal.
"Mãe de consideração" do prefeito é sócia de duas empresas
A PF constatou também que até mesmo a empresa Mineração Litorânea, produtora da Água Mineral Açaí, que dá origem ao nome político usado pelo prefeito, está no nome de laranjas e é utilizada para lavagem de dinheiro.
Um dos proprietários de fachada da empresa, segundo as investigações, é Ozorina Costa Barbosa, tida como "mãe de consideração" de Daniel da Açaí.
Ainda de acordo com a Polícia Federal, Ozorina também consta como uma das sócias da empresa Multishow Produções e Eventos, mas que, na verdade, ela é de propriedade do prefeito de São Mateus.
A PF apurou que a mãe de Daniel não possui condições financeiras para gerir as duas empresas, uma vez que estaria se sustentando da renda do aluguel de um imóvel comercial, que lhe rende algo em torno de R$ 800 mensais.
As investigações também apontam que a Multishow e a Construshow Serviços e Eventos — outra empresa controlada por Daniel, mas registrada em nome de laranja — realizaram contratações diretas com a Prefeitura de São Mateus e repassaram à Mineração Litorânea parte do dinheiro recebido.
Um desses repasses teria sido feito pelo laranja que está à frente da Construshow, que, segundo a Polícia Federal, depositou mais de R$ 227 mil em espécie para a empresa produtora da água Açaí.
Outras seis pessoas são investigadas pela PF
Além do prefeito de São Mateus, a Polícia Federal investiga outras seis pessoas, que estariam envolvidas no suposto esquema de fraudes em licitações públicas no município.
Entre os suspeitos, há uma servidora da prefeitura, um integrante do esquema e quatro empresários. Todos eles também tiveram prisão preventiva decretada.
A organização criminosa, segundo a PF, além de combinar quais empresas venceriam processos de licitação na prefeitura, superfaturava contratos e promovia lavagem de dinheiro. Entre os contratos, havia recursos do Governo Federal, destinados à aquisição de kit de merenda escolar e cestas básicas.
De acordo com as investigações, o suposto esquema, que teria Daniel da Açaí como seu principal líder, foi responsável pelo desvio de um montante de R$ 43.542.007,20 dos cofres da prefeitura.
Durante a Operação Minucius, foi encontrado, na casa do prefeito, um montante de R$ 437.135,00. Na empresa de propriedade de Daniel do Açaí, que comercializa água mineral, os agentes federais recolheram mais R$ 299.910,00.
Além disso, várias sacolas plásticas, com documentos destruídos, foram encontradas por agentes da Polícia Federal, na manhã de terça-feira, em uma das salas onde funciona o gabinete do prefeito.
Daniel da Açaí está preso no Quartel do Corpo de Bombeiros, em Vitória.
Entenda a Operação Minucius
As investigações da Operação Minucius foram iniciadas após o recebimento de denúncias relatando a ocorrência de dispensa ilegal de licitações, com a exigência de percentual de propina sobre o valor das contratações públicas.
O suposto esquema contava também com distribuição de cestas básicas como forma de acalmar a reação da população em relação aos atos ilícitos.
Segundo a Polícia Federal, durante as investigações foram obtidas provas que indicam que o prefeito de São Mateus, desde o seu primeiro mandato (2017/2020), organizou um modelo criminoso estruturado dentro da administração municipal dedicado ao cometimento de vários crimes, que continuou no atual mandato (2021/2024).
Foi constatado o direcionamento fraudulento de licitações nos segmentos de limpeza, poda de árvores, manutenção de estruturas e obras públicas, distribuição de cestas básicas, kits de merenda escolar, aluguel de tendas, dentre outros.
O outro lado
A respeito da operação, das apreensões e da prisão do prefeito, a reportagem do Folha Vitória procurou a administração municipal. A prefeitura mandou uma nota dizendo apenas que "o município vai se manifestar quando tiver acesso aos autos do processo".
A reportagem também tenta contato com as defesas dos acusados. Assim que houver essa resposta, a matéria será atualizada.
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