Política

Vacina para crianças estimula ativismo de bolsonaristas contra o imunizante

A investida ocorre principalmente por meio de mensagens, convocações de atos ou mesmo informações falsas ou sem evidências científicas em grupos antivacina no aplicativo de troca de mensagens Telegram

Estadão Conteúdo

Redação Folha Vitória
Foto: Alexandre de Souza | Folha Vitória

Após a Anvisa aprovar, na semana passada, a vacinação contra a covid-19 em crianças de 5 a 11 anos, deputados federais bolsonaristas intensificaram uma postura de combate à imunização e ao passaporte vacinal. 

A investida ocorre principalmente por meio de mensagens, convocações de atos ou mesmo informações falsas ou sem evidências científicas em grupos antivacina no aplicativo de troca de mensagens Telegram.

A discussão já saiu do ambiente virtual em ao menos 11 capitais brasileiras, com a realização de manifestações nos Legislativos - algumas com episódios de violência. 

Ativistas antivacina já provocaram uma tentativa de invasão à Assembleia do Rio (Alerj), troca de agressões na Câmara Municipal de Porto Alegre e dois casos em que vereadoras - uma também da capital gaúcha e outra em Campinas - registraram boletim de ocorrência por injúria racial.

No caso mais divulgado, em outubro, houve troca de socos entre manifestantes antivacina e vereadores em sessão do Legislativo de Porto Alegre que discutia o veto ao passaporte municipal na capital gaúcha. 

Uma manifestante se dirigiu à vereadora Bruna Rodrigues (PCDOB), negra, e a chamou de empregada. Na mesma plenária, um dos ativistas exibiu um cartaz com reprodução da suástica nazista.

A retórica contra o passaporte vacinal e a imunização tem eco na Câmara Federal, conforme levantamento feito pelo Estadão com os 513 deputados federais. 

A reportagem perguntou, entre outubro e dezembro, a todos parlamentares da Casa se eles tomaram a vacina contra a covid-19 e se eram a favor ou contra o projeto de lei 5610/2020, que propõe obrigatoriedade na imunização dos congressistas. Do total que respondeu (243), um em cada três preferiu não se manifestar ou se disse contrário à obrigatoriedade vacinal.

Ao Estadão, quatro deputados confirmaram que até agora não tomaram a vacina contra a covid-19: Carla Zambelli (PSL-SP), Junio Amaral (PSLMG), Marcio Labre (PSL-RJ) e Sargento Fahur (PSD-PR). Fahur defendeu que o imunizante deve ser disponibilizado só para quem quiser. "Se o não vacinado for uma ameaça ao vacinado é sinal que a vacina falhou", argumentou.

Gráficos que mostram a evolução dos casos de infectados e óbitos por covid-19 no Brasil revelam uma relação direta entre a diminuição dos números de ambos os índices e o aumento da vacinação na população.

Deputados que se manifestaram contra ou não têm uma resposta definitiva sobre o tema deram diferentes justificativas para o posicionamento. Bosco Saraiva (Solidariedadeam) afirmou que as vacinas estão "em fase experimental", dr. Luiz Ovando (PSL-MS) argumentou que é mais fácil ser imunizado contraindo o vírus do que pela vacina - afirmações que não têm comprovação científica - e Reinhold Stephanes Jr. (PSL-PR) disse apenas ter "nojo da esquerda".

‘LIBERDADE’. Em sua maioria, os parlamentares usam como justificativa a "liberdade individual". Numa discussão em um grupo com 6 mil membros no Telegram, uma usuária disse que, para evitar o rótulo de negacionista, a comunidade deve falar que é a favor "da liberdade" em vez de se manifestar abertamente contra o passaporte.

Esse discurso extrapola o aplicativo e alcança os perfis oficiais de deputados bolsonaristas nas redes sociais. Parlamentares como Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, compartilharam publicações divulgadas em grupos antivacina no Telegram - a principal delas é a associação, sem evidência científica, de casos de problemas cardíacos atribuídos indiretamente à vacinação contra a covid-19.

Investigada no inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal para apurar a divulgação de fake news, Bia Kicis (PSL-DF) é ativa na divulgação de mensagens antivacina. No Twitter, a deputada já compartilhou conteúdo de influenciadores contra o imunizante - um deles divulgou um vídeo em grupo com 6 mil seguidores em que uma mulher afirma, sem qualquer comprovação científica, que seu braço foi "magnetizado" após tomar a vacina contra a covid-19.

A pesquisadora no Departamento de Comunicação e Mídia da Universidade de Liverpool, Patrícia Rossini, aponta que a divulgação de informações sem evidência científica por parlamentares pode ser mais nociva. "Figuras públicas têm um grande alcance perante ao público em geral e também perante à imprensa, que acaba repercutindo essas narrativas, ou seja, o risco é de esses conteúdos falsos chegarem até os discursos mais ‘mainstream’", disse.

Nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro disse que a vacina só poderia ser aplicada "com receita médica" e consentimento dos pais. Já o ministro da Saúde Marcelo Queiroga defendeu que as mortes nessa faixa etária pela doença não demandam "decisões emergenciais". Até agora, 1.148 crianças de 0 a 9 anos já morreram de covid no Brasil. Em nota, a Anvisa reforçou que "seu ambiente de trabalho é isento de pressões internas e avesso a pressões externas".

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.