Como já estava previsto, o governador Renato Casagrande (PSB) decidiu apoiar o atual presidente da Assembleia, Marcelo Santos (União), para mais um mandato à frente do Legislativo estadual.
No próximo dia 3 de fevereiro, Marcelo deverá ser reeleito em chapa única e, ao que tudo indica, por unanimidade – com o voto dos 30 deputados. Ele tem o apoio dos deputados da base e da oposição ao governo.
Casagrande já tinha definido que decidiria até hoje (24), e ficou para a Casa Civil comunicar cada um dos deputados de sua base aliada. O “ponto final” no assunto “comando da Assembleia” vem após três meses de negociações e articulações, muitas nos bastidores e boa parte com a digital do governo.
Desde o início, o governo deixou claro que iria participar ativamente do processo de eleição da nova Mesa Diretora da Ales. Foi a primeira vez que o governo, por meio de seus interlocutores, tornou pública sua intenção de eleger um presidente que estivesse alinhado não só com o governo agora mas com seu projeto futuro – leia-se: eleições de 2026.
Quando os almoços e os burburinhos de pedido de apoio começaram nos corredores da Ales, o governo, por meio da Casa Civil, entrou em cena e puxou o freio de mão. Um a um os deputados foram orientados a não se comprometerem com ninguém, a não assinarem nenhuma lista e a aguardarem o posicionamento do governo.
Nos bastidores, dois nomes pleiteavam o comando da Assembleia: Marcelo Santos e Vandinho Leite (PSDB) – os mesmos que disputaram em 2023, porém, com novas estratégias.
Vandinho, que em 2023 conseguiu angariar o apoio de 24 deputados, ficou à espera da decisão do governador. Já Marcelo, que após os movimentos que fez ao longo do ano passado passou a ser visto com desconfiança pelo governo, tratou de mudar o discurso e o rumo e a reasfaltar o caminho da lealdade a Casagrande. Enquanto isso, também se movia pedindo voto aos pares.
Com os últimos acontecimentos dessa semana, principalmente o que selou uma aliança entre o União Brasil e o projeto do governo para 2026, Marcelo foi o escolhido para comandar a Ales e Vandinho passa a ser o líder do governo. O União Brasil terá um novo presidente e algumas mudanças podem ocorrer na condução dos trabalhos da Assembleia.
Mas, qual o saldo de todo esse processo? Quem mais ganhou e quem mais perdeu com o desfecho das articulações da Mesa Diretora da Assembleia?
Felipe Rigoni
O secretário estadual de Meio Ambiente, Felipe Rigoni (União), não estava envolvido na disputa pelo comando da Assembleia, mas foi diretamente afetado pelas resoluções que foram tomadas.
Presidente do União Brasil no Espírito Santo, Rigoni deverá deixar o cargo a partir do mês que vem, para a entrada do prefeito de Cariacica, Euclério Sampaio, que hoje está no MDB.
Nos últimos meses, o comando do partido de centro-direita tem sido disputado tanto por Rigoni quanto por Marcelo Santos. Os dois são próximos do presidente nacional Antonio de Rueda, que ficou de vir ao Estado no mês que vem para tentar pacificar o partido.
A ideia é que os três atuem juntos, sob a presidência de Euclério, na intenção de fortalecer a legenda que, nacionalmente é grande, mas que no Estado tem tido desempenho pífio nas urnas. Aliás, o desempenho ruim da legenda seria o principal fator da mudança no comando.
Rigoni perde o comando do partido, mas nem tudo ficou ruim para ele. Poderia ser pior. A coluna apurou que era grande a possibilidade dele ser retirado da presidência por meio de uma intervenção federal, mas, por conta dos arranjos envolvendo a Mesa Diretora, ele deixa o comando, mas ainda terá voz internamente na legenda.
E ele também perde a legenda para Euclério e não para Marcelo, com quem esteve em confronto direto pelo partido nos últimos meses.
Euclério Sampaio
O prefeito de Cariacica, Euclério Sampaio (MDB) também não estava diretamente ligado à disputa pela Mesa Diretora, mas foi envolvido para pôr fim ao imbróglio de uma outra disputa: a do comando do União Brasil, que já se arrastava há meses.
Ele entra com a mesma função que o vice-governador Ricardo Ferraço entrou no MDB: para pacificar, unir e fortalecer o partido para as próximas eleições. No Estado, União Brasil não conseguiu eleger, em 2022, um único deputado federal, não teve legenda para vereador em Vitória e só tem um prefeito, em 78 municípios.
A missão de Euclério será mudar esses números e para isso, ele não estará sozinho: contará com o governo do Estado e com o presidente Marcelo Santos, que ajudarão na montagem de chapa – o que não é tarefa fácil para um dirigente partidário. Ele já parte com dois nomes: Rigoni e Marcelo devem disputar vagas à Câmara dos Deputados no ano que vem.
Embora seja custoso, liderar um partido também tem lá seus benefícios, afinal, passa pelo presidente partidário a definição das candidaturas, é ele também quem decide em quem investir os recursos que chegam para as campanhas. Dependendo do tamanho do partido, o poder de negociação também aumenta, podendo indicar nomes e aumentar o espaço no governo, por exemplo.
Então, Euclério, que não tinha nada a ver com a história da Ales, que passou os últimos dias internado num hospital cuidando da saúde, acaba saindo no lucro.
Vandinho Leite
O deputado estadual Vandinho Leite (PSDB) perde, pela segunda vez consecutiva, a chance de comandar a Assembleia. Presidente estadual do PSDB e deputado pelo 4º mandato, Vandinho aceitou ser o líder do governo na Assembleia, após recusar convite para entrar no secretariado.
Embora não se compare a presidir um poder, a função de líder do governo também traz muitas benesses para o deputado. Ao menos garante uma situação melhor que a que ele tem hoje.
Além de representar o governo Casagrande na Assembleia e na sociedade de uma forma geral – e isso é positivo, quando o governo é bem avaliado –, Vandinho ganhará mais visibilidade, acompanhando Casagrande pelo Estado afora nos eventos oficiais, pavimentando assim seu próprio caminho à reeleição.
Terá direito à fala, a influenciar nos projetos prioritários, além de ganhar mais facilidade para aprovar seus próprios projetos e ter, do governo, a execução de suas emendas. Também ganha acesso privilegiado à cúpula do Palácio Anchieta.
Como presidente de um partido da base aliada, Vandinho também deixa a porta aberta para futuras negociações sobre espaço no governo. Hoje, o PSDB tem como indicação a presidência do Procon, mas nada impede que esse espaço aumente.
Pode ser que Vandinho tenha ficado magoado pelo fato de ter sido preterido mais uma vez? Sim, é possível. Mas é fato também que mesmo se não houvesse a intervenção do governador, dificilmente o tucano seria eleito presidente da Ales. Marcelo já tinha conquistado o apoio da maioria dos deputados para sua reeleição.
Marcelo Santos
O presidente da Ales, Marcelo Santos (União), sai do processo cantando vitória. E não só por ter garantido mais um mandato no comando da Assembleia. Mas sim por ter conseguido reverter sua situação, que era até então bastante desfavorável em relação ao governo.
Havia chances reais de Marcelo perder a presidência da Assembleia. Mesmo tendo o apoio da maioria dos deputados (eleitores).
O fato de ter tentado tomar o União Brasil de um aliado do governador e de ter apoiado adversários políticos do Palácio Anchieta nas eleições de outubro geraram na cúpula do governo uma desconfiança com relação a Marcelo, principalmente com relação a 2026.
O presidente sempre assegurou ser da base de Casagrande e apoiá-lo na eleição para o Senado, no ano que vem. Mas o apoio a Ricardo Ferraço (MDB) como candidato ao governo era dúvida. Até porque Marcelo estava bem próximo do prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini (Republicanos), que é cotado para disputar o Palácio Anchieta.
Percebendo que isso poderia lhe custar a presidência, Marcelo mudou o discurso. Convocou uma coletiva de imprensa para prestar contas do mandato e mandar um recado de “pode confiar” ao governo do Estado; passou a citar (e elogiar) o vice em seus discursos e a garantir que as alianças firmadas por ele em 2024 não influenciariam em 2026.
E, numa jogada inteligente, tratou de intermediar uma aliança entre o União Brasil e Casagrande, que teve como contrapartida sua permanência à frente do Legislativo. De quebra ainda conseguiu retirar Rigoni do comando do União no Estado, embora não tenha conseguido presidir a legenda.
À frente do Legislativo estadual, num partido grande e que deve investir em sua campanha, Marcelo tem tudo para conquistar uma vaga na Câmara dos Deputados no ano que vem.
Casagrande e Ricardo Ferraço
O governo do Estado, leia-se Casagrande e Ricardo, também sai maior da disputa na Ales. Talvez seja o maior vencedor, já que tem algo que poucos governos (estaduais ou federal) conseguiram conquistar até hoje: o poder de influenciar numa decisão que seria, na teoria, apenas do Legislativo.
Desde que veio a público que o governo iria “participar ativamente” da eleição da Mesa Diretora, deputados da base aliada (que são maioria) procurados pela coluna afirmam, sem pestanejar, que votarão no candidato do governo, importando muito pouco quem seja.
Não à toa que, entendendo isso, Marcelo tratou de costurar sua relação com Casagrande e Vandinho nem perdeu tempo montando lista de apoio – como fez na eleição passada, em 2023. Todos estavam aguardando a decisão do governador, que negociou como ninguém.
Além de definir o presidente, que garantiu dar governabilidade ao governo na Assembleia e ainda apoio para o projeto de 2026, Casagrande conseguiu fechar uma aliança com o União Brasil, um partido grande que lhe prometeu apoio agora e nas eleições do ano que vem.
O “plano A” é que Casagrande dispute o Senado e Ricardo, o governo, e o partido apoiou por completo o projeto. No Estado, o União será presidido por um aliado de primeira hora de Casagrande – o prefeito Euclério Sampaio –, dando mais uma garantia que estará fechado com o governo.
A ida de Euclério para o União foi uma construção em conjunto, que contou com a sugestão de Casagrande, a liberação de Ricardo (que preside o MDB, partido de Euclério) e o convite de Marcelo. E, para o governo, a mudança de Rigoni para Euclério, politicamente, não altera em nada.
Para o MDB é uma perda relevante. Euclério é um nome de peso, foi reeleito com uma votação surpreendente e influencia um grupo de lideranças considerável. Com certeza vai fazer falta para o partido, liderado pelo vice-governador, no ano que vem.
Ricardo perde, portanto um correligionário importante, mas em compensação, ganha um partido inteiro em apoio a uma eventual candidatura ao governo do Estado.
Outro ganho do Palácio foi conseguir emplacar o, até então, líder do governo, deputado Dary Pagung (PSB), como 1º vice-presidente na chapa a ser encabeçada por Marcelo. Seria o posto mais importante abaixo do presidente, já que os cargos de 1º e 2º secretários tiveram as funções praticamente esvaziadas após uma série de projetos de concentração de poder nas mãos do presidente, que começou ainda na gestão de Erick Musso (Republicanos).
Os outros postos da Mesa Diretora e mudanças em alguns pontos do Regimento Interno da Ales também estariam em tratativas, entre o governo e Marcelo Santos, com previsão de serem definidos até a semana que vem.
Um dos pontos, que Casagrande também conseguiu condicionar em troca do apoio à presidência, seria retomar com os poderes das comissões permanentes, já que, por meio de uma resolução, o presidente da Ales passou a ter o poder de designar presidente e relator nos casos de convocação das comissões reunidas para apreciar, por exemplo, projetos em regime de urgência.
E, por fim, ainda houve um acordo para Marcelo abrigar, na Ales, aliados do governo que não tiveram sucesso nas últimas eleições.
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