Política

Padres no comando e até ocupação: relembre fatos históricos dos 190 anos da Ales

As celebrações para marcar o aniversário da Assembleia Legislativa vão incluir sessões solenes e homenagens a deputados que já presidiram o Parlamento

Foto: Divulgação/Ales

A Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales) inicia a comemoração de seus 190 anos de criação. Desde a sua fundação, o Poder Legislativo coleciona histórias e curiosidades, como ter sido presidida por três padres, criado uma CPI para investigar ação militar no conflito do Contestado e também sido alvo de uma ocupação de manifestantes, que cobravam o fim do pedágio da Terceira Ponte.

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Uma programação extensa tem sido preparada para comemorar o aniversário da Casa. Ela começará em agosto deste ano e seguirá até agosto do ano que vem.

As celebrações para marcar o aniversário da Ales vão incluir sessões solenes e homenagens a deputados que já presidiram o Parlamento estadual e outras atividades. 

“Está previsto o lançamento de um livro sobre a história da Assembleia, homenagens a servidores que já passaram pela Casa e também aos mais antigos, eventos culturais e uma corrida de rua. Será a primeira corrida promovida pela Ales”, adiantou o diretor de Relações Institucionais da Assembleia Legislativa, Giuliano Nader.

Ao longo dos anos, a Assembleia esteve presente em vários acontecimentos políticos, sociais e econômicos do Estado. 

Diversos fatos históricos marcaram esses 190 anos de existência e algumas curiosidades podem ser contadas. E, em tempos de polarização política, a Ales deve se colocar como espaço de proteção à democracia, como lembra o pesquisador da Ufes, Giuliano de Miranda.

“Como o próprio nome diz, é um espaço onde a ‘voz do povo’ é ouvida, a partir do exercício de mandato de cada deputado, eleito através do voto universal. Embora jovem, nosso regime político tem se mostrado resiliente e sólido. Não existe democracia sem um Parlamento independente e livre. E, como personagem principal desse contexto, a população tem papel fundamental para que os direitos conquistados não sejam subtraídos”, disse.

“É na Assembleia que se debate leis, se discute projeto, o Orçamento do Estado, se fiscaliza as ações do Poder Executivo, então a Assembleia Legislativa, na verdade, representa o que o cidadão deseja, as suas aspirações, através dos seus representantes. Funciona naquele sistema de freios e contrapesos, fiscalizando, legislando e observando a Constituição estadual e federal”, completou o diretor da Ales, Giuliano Nader.

Investimento em tecnologia

O Parlamento capixaba foi instalado em 1835, durante a monarquia e, ao longo desses anos passou por diversas transformações. Mudou de sede e se adaptou às novas demandas da sociedade, com a introdução de tecnologia. 

Só com a economia de papel, no projeto Ales Digital, foram economizados cerca de R$ 12 milhões aos cofres públicos.

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Outra ferramenta adotada pela Ales foi a criação do aplicativo InterAles, onde o cidadão acompanhar as sessões em tempo real, opinar sobre os projetos em tramitação/fiscalizar o trabalho dos deputados e consultar leis. 

A população também pode sinalizar no aplicativo o projeto de lei pelo qual tem interesse e receber uma notificação por e-mail sempre que o processo que estiver acompanhando for tramitado.

No início de julho foi lançado, dentro do portal da Assembleia Legislativa, o Observatório do Legislativo. Uma ferramenta onde estão disponíveis todas as leis aprovadas e projetos em tramitação na casa.

Curiosidades e fatos históricos

Padres

A Assembleia Legislativa da Província do Espírito Santo foi criada, como todas as outras no Brasil, em 12 de agosto de 1834. Somente em outubro do mesmo ano, o ato imperial foi publicado na província. 

Eleitos os deputados, em 1834, para um mandato de três anos, a primeira legislatura foi instalada a 1° de fevereiro de 1835. O poder da Igreja Católica era patente, visto se tratar da religião oficial. Nos primeiros anos de existência, três padres presidiram o Parlamento capixaba.

O primeiro presidente foi o reverendo João Clímaco de Alvarenga Rangel, que já presidiu as duas sessões preparatórias nos dias 30 e 31 de janeiro de 1835. O padre já fazia parte do Conselho Geral Provincial capixaba, órgão de seis membros que assistia o Executivo, mas que foi extinto com o Ato Adicional imperial de 1834.

O segundo foi o padre João Luiz da Fraga Loureiro, que ficou na presidência no ano de 1836 e permaneceu na primeira Mesa no ano seguinte, junto com outro padre, o clérigo Manoel Antônio dos Santos Ribeiro, que assumiu a segunda mesa.

O padre João Luiz voltou em 1838 e assumiu a presidência do Parlamento até 1839.

1ª Deputada

Primeira mulher no Legislativo capixaba, a professora e pedagoga Judith Leão Castelo Ribeiro, aos 40 anos, foi eleita primeira deputada estadual capixaba, assumindo o cargo em 1947 e reeleita três vezes. 

A deputada pertencia ao PSD, ao qual pertencia o governador Carlos Fernando Monteiro Lindenberg.

Foto: Divulgação/Ales

Judith Leão contribuiu para a expansão do ensino no Estado, na criação do Instituto de Educação do Espírito Santo, com a adoção da pensão às viúvas de magistrados e funcionários públicos.

Em seus quatro mandatos, Judith apresentou 110 projetos. Em 22 de outubro de 1964, a deputada assumiu seu último mandato, eleita que foi como 5ª suplente pelo PSD nas eleições de 1962.

Troca de sede

Em 16 de março de 2000 foi inaugurada a atual sede do Legislativo estadual, localizada na Enseada do Suá, em Vitória. 

Foto: divulgação/Instituto Jones

O novo espaço era maior do que a antiga sede, localizada na Praça João Clímaco, na Cidade Alta, no Centro de Vitória. 

O local que hoje abriga o Palácio da Cultura Sônia Cabral foi no passado palco de debates calorosos entre os deputados estaduais, de manifestações populares e até de tiros. 

Novo estado

Diante da violência e da ausência de poderes constituídos, por um lapso de tempo, apareceu na região do Contestado uma figura que lembrava outra que marcou a história do Brasil no final século 19: Antônio Conselheiro. 

Udelino Alves de Matos, retirante do Sul da Bahia, reuniu cerca de 800 camponeses em torno de ideia de justiça e luta contra os latifundiários da região e concebeu o Estado União de Jeovah, com capital em Cotaxé, povoado do município de Ecoporanga, na região do Contestado.

A 23 de maio de 1952, pessoalmente, Udelino protocolou no Palácio do Catete, sede do governo federal na época, documento assinado por 866 trabalhadores, dirigido a Getúlio Vargas, que justificou a necessidade de se criar um novo Estado, segundo informação da imprensa.

Udelino não esperou a resposta do Catete e decidiu criar a nova unidade da Federação. Segundo ele, se o Contestado não era de Minas e tampouco do Espírito Santo, que fosse criado então o Estado União de Jeovah. 

Foi erguida a Casa de Tábuas, sede do governo, criada uma bandeira, hino e homens armados. Da Casa de Tábuas, Udelino emitiu editais e comunicados para os fazendeiros da região, ordenando que abandonassem suas fazendas e incentivando a ocupação das terras por lavradores.

Em fevereiro do ano seguinte, com o conflito em situação explosiva, o governador Jones dos Santos Neves mobilizou a Polícia Militar e massacrou o movimento, segundo relatos de pesquisadores. 

O líder Udelino conseguiu fugir e nunca mais foi localizado. A ação militar foi objeto de CPI na Assembleia Legislativa.

Limites entre Serra e Vitória

Segundo os historiadores, um dos limites mais controvertidos no Espírito Santo é o da Freguesia de Serra e seus vizinhos: Nova Almeida, São José do Queimado, Carapina e Cidade de Vitória. 

A Assembleia determinou, em 1848, que São José do Queimado pertence à Serra. 

Em 1852, outra resolução do Legislativo incorporou São José do Queimado à Cidade de Vitória. Futuras decisões legislativas alteraram por várias vezes os limites da Serra com Carapina, Nova Almeida e Vitória.

A Resolução nº 9 de 1856 da Assembleia Legislativa estabeleceu: “Artigo 1º – O Município da Cidade de Vitória divide-se com o da Vila da Serra no litoral pelo Rio Manguinhos, donde em linha reta seguirá a malha branca do Mestre Álvaro e daí ao Porto do Una, seguindo depois o Rio Tangui até sua barra no de Santa Maria, observando-se quanto ao mais a legislação em vigor”.

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Mas, em 1863, a Resolução nº 8 estabeleceu que o limite entre Serra e Vitória fosse “do Porto do Una seguindo a margem do Brejal até a ponte deste nome e daí, em linha reta, à ponta do meio do Morro do Céu a tomar a Fazenda Camunda, donde em rumo direto vai a Serra da Itapucu e deste seguirá pelo cume das serras de Caiuaba até seus confins”.

Um século depois, em 1964, os limites entre os dois municípios foi objeto da Lei nº 1919, cujo projeto 145/163 é aprovado em sessão extraordinária de 22 de janeiro daquele ano. 

Por esse texto, os distritos de Queimado e Carapina voltam para os limites de Vitória. Entretanto, esta lei não resolve a questão.

Em 2012, quase 50 anos depois, as Câmaras dos dois municípios aprovaram leis respectivas, autorizando seus Executivos a negociarem os novos limites. 

A Assembleia Legislativa aprovou a Lei 464/2012, de autoria do governo do Estado, levando em conta que os dois municípios chegaram a um acordo extrajudicial. 

O projeto de lei justificou que o “conflito vem gerando, ao longo destas últimas décadas, inúmeras demandas judiciais, com enormes prejuízos para as duas Municipalidades, seja em função da falta de estabilidade nas relações político-institucionais da região, seja pelas dúvidas das empresas quanto à competência no recolhimento dos tributos devidos, afetando significativamente suas receitas, e ainda pela insegurança jurídica nos investimentos públicos e privados na região.” 

Segundo o estudo e de acordo com o texto da lei de 1963, realizado pelo Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Estado (Idaf), os bairros de Fátima, Hélio Ferraz e Carapina passaram a pertencer ao município da Serra.

Ocupação por causa do pedágio da Terceira Ponte

Em 2013, revoltados com a demora do Parlamento votar o fim do pedágio na Terceira Ponte, um grupo de manifestantes ocupou a Ales e permaneceu na Casa por 11 dias, fato que levou a direção da Casa a dispensar os servidores do trabalho. 

As sessões ordinárias foram realizadas no período e algumas não tiveram quórum para votação de projetos.

A ocupação aconteceu na terça-feira de 2 de julho, e terminou no sábado, dia 13 do mesmo mês, ao meio-dia. 

Durante esse período, houve intensas e tensas negociações envolvendo a Mesa Diretora da Casa e os manifestantes, com a presença de representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do Conselho Estadual de Direitos Humanos.

Esgotadas as possibilidades de acordo, a Mesa Diretora decidiu levar o caso para a Justiça. 

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A cena seguinte foi a votação, em Plenário, do projeto de decreto legislativo. Os deputados derrubaram o projeto por 16 votos a 11. 

Durante todo o dia, o clima foi de muita tensão. Manifestantes tentaram entrar na Assembleia para assistir à votação da galeria, mas nem todos conseguiram, pois foram contidos pelo Batalhão de Missões Especiais (BME). 

A alegação era de que as galerias já estavam lotadas. Mas os militantes argumentaram que não foram os militantes que ocuparam a galeria, mas funcionários da própria Assembleia.