Política

Pazolini x Capitã Estéfane: quem está certo? Saiba o papel do vice e a atuação em eventos oficiais

O prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini (Republicanos), tem protagonizado momentos de tensão com sua vice, que o acusa de cerceamento do exercício pleno do cargo

Foto: Reprodução / Instagram

O tensionamento na relação entre o prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini (Republicanos), e sua vice, Capitã Estéfane (Patriota), ganhou notoriedade nesta quarta-feira (09), após um vídeo em que os dois disputam o microfone, em um evento realizado na Capital, ter viralizado. 

Minutos depois do impasse, Estéfane usou suas redes sociais para denunciar, segundo ela, o cerceamento que tem sofrido, de maneira recorrente, por parte do chefe do Executivo municipal. Pazolini, no entanto, nega que esteja minando a participação de sua vice na gestão da cidade.

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O embate entre os dois políticos, eleitos em 2020 para administrar Vitória, abriu espaço para a discussão em torno do papel dos vices no Poder Executivo municipal.  Seriam eles meramente figurativos, como tem se queixado Estéfane? O vice também tem poder de decisão? O que diz a Constituição? 

A reportagem do Folha Vitória ouviu dois advogados constitucionalistas. Ambos reforçam que, jurídica e constitucionalmente falando, cabe ao vice o papel de coadjuvante.

Especialista em Direito Eleitoral e Constitucional, Fernando Dilen, por exemplo, explica que o vice só possui poder de decisão dentro do mandato para o qual foi eleito com o prefeito em caso de ausência do mandatário. 

Foto: Assessoria de Imprensa
Segundo Fernando Dilen, o vices só possuem poder de decisão na ausência de mandatários

“Sob o ponto de vista jurídico, ele (o vice) só vai exercer as suas atribuições no caso de o prefeito se ausentar, seja de maneira transitória ou definitiva, conforme garante a Constituição Federal”, explicou o especialista.

O jurista também ressalta que não existem leis próprias dos municípios que possam mudar essa configuração, mas que, no entanto, o Executivo municipal pode elaborar normativas que garantam ao vice  toda a estrutura física e de mão obra para que ele possa exercer sua função plenamente.

“O que o vice tem, realmente, via leis municipais, é uma estrutura de gabinete, o que envolve, por exemplo, disponibilização de motorista, de cargos para que ele possa nomear servidores que o ajudarão em suas atividades”, pontuou.

Em outro ponto de sua análise, Dilen afirma ser importante destacar que assim como o prefeito, o vice também foi eleito pela vontade popular, neste caso, pelo eleitorado. 

Neste sentido, o jurista frisa que não há “brechas” constitucionais que permitam que o vice seja exonerado, por exemplo, restando a eles cumprirem o mandato conforme a configuração da chapa registrada na Justiça Eleitoral. 

Ou seja, mesmo diante das atuais intempéries, Pazolini não pode abdicar de sua vice. “Ambos foram diplomados pela Justiça Eleitoral e empossados pela Câmara de Vereadores”, observou Dilen.

“Reserva” do prefeito e eventos oficiais

O também advogado constitucionalista Flávio Fabiano corrobora o argumento constitucional de que o vice só possui poder de decisão dentro das gestões em caso de ausência do prefeito – o mesmo vale para governadores e presidentes da República -, cabendo a ele o lugar de “reserva” do mandatário.

“O vice é o ‘reserva’. Inclusive, o eleitor não vota no vice, quando vai escolher o prefeito. Muitas pessoas nem conhecem o seu vice. É um cargo cujo exercício é voltado para a substituição”, avaliou.

O mesmo vale para eventos oficiais. Apesar das críticas à Pazolini sobre a forma com que impediu a fala de sua vice publicamente em disputa pelo microfone, ele não teria obrigação por lei em dar espaço de fala à Capitã Estéfane, que só pode atuar neste caso quando é convocada pelo prefeito.

“É mais uma questão de respeito e decoro em dar o direito à fala, mas não é uma obrigação legal”, diz Fávio Fabiano. 

Apesar de reforçar a corrente jurídica que defende que os vices ocupam papel secundário nas administrações das quais fazem parte, Fabiano entende que há atribuições que podem tornar o vice mais participativo e atuante, especialmente no que se refere às relações institucionais.

“Uma das atribuições que seria interessante para o vice seria acompanhar a atuação do Legislativo no município, ajudando até mesmo na elaboração e discussão de projetos para a população”, disse.

O advogado ainda opina não enxergar, no racha político causado entre Pazolini e Estéfane, riscos para a administração da cidade. “É uma questão meramente política”.

Foto: Acervo pessoal

“Casamento” por conveniência

Por fim, Fabiano deixa um alerta aos eleitores, uma vez que, segundo ele, crises como a vivenciada na Prefeitura de Vitória, são frutos de arranjos políticos feitos por conveniência e interesses partidários. 

“É preciso que a população se atente na hora de escolher seus governantes, porque, às vezes, algumas configurações são por mera conveniência, visando ganhar as eleições, uma vez que representam, nitidamente, posicionamentos políticos e ideológicos distintos. Esses ‘casamentos’ pretendem atender àquela premissa do falso politicamente correto”, concluiu.

Racha na prefeitura? Entenda

A relação entre o prefeito de Vitória e sua vice passa por ruídos desde o primeiro semestre da gestão de Pazolini, de acordo com informações de bastidores. As divergências, no entanto, sempre foram negadas pelo chefe do Executivo municipal.

Entretanto, em março deste ano, Estéfane deu sinais de que os desentendimentos com o prefeito eram reais, ao ponto de ela sair do partido pelo qual se elegeu junto com Pazolini, o Republicanos, para filiar-se ao Patriota, legenda pela qual ela tentou uma vaga de deputada federal pelo Espírito Santo nas Eleições 2022.

Em maio do ano passado, o marido de Estéfane acusou Pazolini de tentar “apagar” a imagem da vice-prefeita na gestão. À época, o desabafo foi feito nas redes sociais, em postagem do prefeito no Instagram.

Outro momento que denunciou haver tensionamento na relação dos dois políticos foi o apoio que Estéfane declarou a Renato Casagrande (PSB), no segundo turno das eleições.

O governador reeleito é um dos principais desafetos políticos de Pazolini, desde a época em que o hoje prefeito era deputado, na Assembleia Legislativa estadual (Ales).

Vice alega que é impedida de participar de discussões e Pazolini rebate críticas

Para o Folha Vitória, a vice-prefeita reiterou todas as afirmações feitas no vídeo divulgado e acrescentou que não tem conseguido exercer de maneira plena as atividades atribuídas ao seu cargo e que não é ouvida em reuniões das quais participa com o secretariado.

“Isso aconteceu em diversos momentos, mas os últimos episódios têm sido mais frequentes e incisivos. Minha fala foi silenciada. Não sou ouvida durante as reuniões das quais participo junto com o secretariado, nem mesmo quando tento tratar das demandas do município. Fui eleita para o cargo que ocupo hoje. O que tem acontecido é uma falta de respeito. Quando aceitei disputar a eleição como vice do atual prefeito, me prometeram que eu não seria uma vice figurativa, que eu teria participação efetiva”, frisou.

Por meio de uma nota enviada à imprensa, Pazolini afirma que Estéfane, diferentemente do que estaria sendo alegado por ela, possui participação destacada na gestão da cidade, tendo inclusive sido escolhida para assumir uma secretaria no governo municipal. (Confira a íntegra da nota ao final da matéria).

“No dia 09 de fevereiro de 2021, a Capitã foi nomeada Secretária Municipal da Cultura, conforme Decreto n⁰ 18.835/21, cargo este que preferiu não assumir. Cabe acrescentar que a vice-prefeita foi designada para a coordenar a organização e entrega da principal política pública em defesa da mulher do município, a Casa Rosa, trabalho que incluiu outras secretarias da municipalidade”, pontua o prefeito na nota.

Apoio a Casagrande

Ainda segundo Estéfane, não se pode atribuir o suposto cerceamento promovido por Pazolini apenas ao apoio que ela declarou a Casagrande durante as eleições. “Está para além disso”, afirmou a vice-prefeita, que ainda reforçou que sua discreta participação no governo municipal teve início já nos primeiros meses da atual gestão da Capital.

A capitã disse também que tentará providências junto aos órgãos competentes para o que julga tratar-se de uma violência politica de gênero, pelo fato de ser mulher. “Vou estudar se existem elementos suficientes para uma possível denúncia”, pontuou.

Por fim, Estéfane rebateu o argumento da Prefeitura de que ela havia chegado após o início do evento que gerou a maior tensão registrada entre os dois agentes públicos até então. “Cheguei 15 minutos após o evento ter iniciado e avisei ao cerimonial, o que me deixaria apta a falar”, concluiu.

Prefeito Lorenzo Pazolini nega desrespeito

Pazolini negou que tenha atuado de forma a impedir a fala de sua vice no evento citado por ela, bem como em demais cerimônias oficiais. Ele ainda reforça seu total respeito a ela, destaca as funções do cargo, segundo a Lei Orgânica Municipal de Vitória.

“É importante destacar ainda que a Vice-Prefeita sempre teve e tem oportunidade de fala nos eventos oficiais e possui interlocução com todos os secretários e o prefeito, que estão integralmente à disposição para proposições, críticas e diálogo”, diz o texto.

Veja a nota do prefeito na íntegra:

“O Prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini, afirma seu total respeito à vice-prefeita Capitã Estéfane.
O Artigo 104 da Lei Orgânica Municipal prevê que o (a) Vice-Prefeito (a) “substituirá o (a) Prefeito (a) Municipal, no caso de impedimento ou licença, e suceder-lhe-á no de vaga, o Vice-Prefeito (a).”
O Artigo 104 ainda prevê que “o (a) Vice-Prefeito (a), além de outras atribuições que lhe forem conferidas por lei, auxiliará o Prefeito (a) Municipal sempre que por ele convocado para missões especiais.”
Na ocasião citada, o Prefeito estava presente no local, e a Vice-Prefeita chegou com a agenda em andamento.
No dia 09 de fevereiro de 2021, a Capitã foi nomeada Secretária Municipal da Cultura, conforme Decreto n⁰ 18.835/21, cargo este que preferiu não assumir.
Cabe acrescentar que a Vice-Prefeita foi designada para a coordenar a organização e entrega da principal política pública em Defesa da Mulher do município, a Casa Rosa, trabalho que incluiu outras secretarias da municipalidade. Politica pública instituída por meio do Decreto n⁰ 20.084/21.
É importante destacar ainda que a Vice-Prefeita sempre teve e tem oportunidade de fala nos eventos oficiais e possui interlocução com todos os secretários e o prefeito, que estão integralmente à disposição para proposições, críticas e diálogo. Um exemplo disso, foi a agenda realizada no início da manhã da última 2a feira, quando a vice-prefeita falou aos presentes.
Na solenidade desta quarta-feira (09), a Vice-Prefeita chegou quando a solenidade já estava se aproximando do fim. Era uma agenda com idosos e, buscando não prolongar a atividade e seguindo a Lei Orgânica Municipal, a fala foi conduzida pelo prefeito.
Em relação aos cargos alegados pela Vice-Prefeita, é imperativo ratificar a premissa da administração de reduzir em 50% o número de cargos comissionados e de nomear profissionais priorizando o critério técnico e a gestão por resultados”.