Num vídeo gravado e postado no canal oficial da Prefeitura de Guarapari no Instagram, o prefeito do município, Rodrigo Borges (Republicanos), anunciou a liberação de música ao vivo, na modalidade “voz e violão”, nos quiosques que ficam na orla da cidade.
No vídeo, que foi postado no último dia 12, a equipe do prefeito disse que se tratava de um dia histórico pelo retorno da música às praias, uma medida para incrementar o turismo no município. “A Praia do Morro vende a nossa cidade e ela precisa ser animada”, disse o prefeito no vídeo, enquanto tocava violão num quiosque e se comparava ao cantor Gusttavo Lima.
Até aí, nada de novo: ganhou força no cenário político a figura do prefeito “performático” nas redes sociais – aquele que aposta na exposição digital como forma de se conectar com o eleitorado.
A questão é que o prefeito, ao liberar o som ao vivo nas praias, passou por cima de uma lei municipal de 2021, sancionada pelo ex-prefeito Edson Magalhães, que proíbe a prática. Trata-se da lei 4.648, de 30 de dezembro de 2021, que trata da poluição sonora no município.
O parágrafo único do artigo 20 da lei diz:
É expressamente vedado qualquer tipo de amplificação para a execução de música mecânica ou uso de instrumentos para execução de música ao vivo em locais cuja estrutura física seja inadequada à implantação de projeto de tratamento acústico, tais como trailers, barracas, quiosques e similares.
Ou seja, na lei municipal há proibição tanto para a amplificação de música mecânica, quanto para a execução de música ao vivo, ainda que seja só voz e violão.
A lei prevê punições em caso de descumprimento de qualquer um dos dispositivos, que vão desde a notificação e multa, até a cassação da licença para funcionar e proibição de contratar com o poder público por até três anos.
A liberação do prefeito veio após uma reunião com os quiosqueiros que, sabe-se Deus por qual motivo, não foi levada em consideração a proibição prevista em lei.
Apenas três dias depois do anúncio público, o prefeito encaminhou à Câmara de Vereadores um projeto de lei alterando pontos da lei 4.648, mas, o projeto até ontem (24) não tinha sido votado e não há sequer previsão de quando ele entrará em pauta.
Enquanto isso, sob a palavra do prefeito, está tendo execução de som ao vivo em alguns quiosques, segundo a coluna apurou.
O projeto
No último dia 15, o prefeito encaminhou à Câmara um projeto para alterar dispositivos da lei 4.648 e autorizar que os quiosques promovam música ao vivo, na modalidade voz e violão. O projeto altera quatro artigos da lei.
No primeiro ponto, o projeto acrescenta um parágrafo único ao artigo 7º da lei que proíbe a execução de som para quem, no processo de licenciamento ambiental, declarou que a atividade não usaria qualquer sistema de sonorização.
- “Parágrafo único. Excepcionalmente, fica permitida a execução de música ao vivo na modalidade voz e violão, com até dois músicos, nos equipamentos públicos destinados à exploração de atividade econômica de gastronomia, popularmente conhecidos como quiosques localizados na orla do município de Guarapari, desde que observadas cumulativamente as seguintes condições:
- I – A potência total dos equipamentos de amplificação sonora não ultrapasse 250 (duzentos e cinquenta) watts;
- II – O nível de pressão sonora não ultrapasse o limite definidos no § 2º do art. 15 desta Lei”.
Já no artigo 15 da lei, que trata sobre a pressão sonora, o projeto acrescenta três parágrafos:
- “§ 1º Fixa-se como limite mínimo 50 Db para as áreas inseridas nos ambientes urbanos, exceto as áreas próximas a hospitais.
- § 2º Para as apresentações musicais na modalidade voz e violão, autorizadas nos termos desta Lei, não se aplica os parâmetros previstos no anexo I, devendo ser respeitados os seguintes limites máximos de pressão sonora:
- I – 90 dB(A), no período diurno (das 10h às 18h);
- II – 70 dB(A), no período noturno (das 18h às 00h)
- § 3º O descumprimento das disposições deste artigo sujeitará o infrator às penalidades previstas nesta Lei, incluindo advertência, multa ao estabelecimento, conforme o caso”.
O parágrafo único do artigo 20, citado anteriormente sobre a proibição de som nos quiosques, também tem previsão de alteração:
- “Parágrafo único. É expressamente vedado qualquer tipo de amplificação para a execução de música mecânica ou uso de instrumentos para execução de música ao vivo em locais cuja estrutura física seja inadequada à implantação de projeto de tratamento acústico, tais como trailers, barracas, quiosques e similares, excetuando-se as apresentações musicais na modalidade ‘voz e violão’, nos termos do parágrafo único do art. 7º desta Lei”.
E, por fim, o artigo 21 que proibia a execução de música ao vivo ou mecânica do lado de fora do estabelecimento, ficou assim:
- “Art. 21. É vedada a execução de música ao vivo ou mecânica na área externa ao empreendimento, excetuando-se as apresentações musicais na modalidade ‘voz e violão’, nos termos do parágrafo único do art. 7º desta Lei.”
Não há previsão de quando o projeto será votado na Câmara de Guarapari. Segundo a direção-geral da Casa informou à coluna De Olho no Poder, antes de colocar em pauta, a presidência da Câmara vai articular uma agenda entre os vereadores, o Ministério Público e a Prefeitura para alinhar a proposta.
Na mira do Ministério Público
Quem está de olho nessa movimentação da prefeitura nas praias do município é o Ministério Público Estadual (MPES). Isso porque também há um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em vigor com as normas sobre ruídos e a fiscalização por parte dos órgãos competentes.
Entre outras coisas, o TAC determina horário para o término da sonorização e medidas de proteção acústicas nos estabelecimentos que atuem com música mecânica ou ao vivo. O MPES informou que se as regras estiverem sendo descumpridas, poderá entrar com ação por dano moral coletivo e com pedido de cassação de licença:
O funcionamento de estabelecimentos comerciais que utilizem sonorização, especialmente em eventos com música ao vivo, exige licenciamento específico e a implementação de medidas de proteção acústica, com o objetivo de evitar impactos à vizinhança e garantir o sossego público. A realização de eventos sem a devida autorização pode configurar infrações de natureza criminal, como poluição sonora e perturbação da tranquilidade, e não afasta a possibilidade de responsabilização nas esferas cível e administrativa. Nessas situações, o MPES pode propor ações por dano moral coletivo, com pedidos de cassação de licenças de funcionamento.
O órgão também mandou um recado para a prefeitura:
“Ressalta-se que há um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) vigente que disciplina o funcionamento do sistema municipal ‘Disque Silêncio’, o qual prevê estrutura mínima para o recebimento de denúncias e resposta efetiva por parte do poder público, sob pena de multa em caso de descumprimento. Nesse sentido, a 2ª Promotoria de Justiça Cível de Guarapari tomará todas as medidas necessárias para garantir o cumprimento da lei e dos acordos de ajustamento de conduta firmados pelo município com o Ministério Público do Estado do Espírito Santo”.
O que diz a prefeitura
A coluna questionou a prefeitura sobre a liberação de som nas praias mesmo com uma lei em vigor que proíbe e com um TAC que limita. A assessoria da prefeitura respondeu com uma nota, mas não citou a questão e nem o projeto que foi protocolado na Câmara só após o anúncio do prefeito.
A prefeitura também foi questionada se o prefeito Rodrigo manteria o posicionamento da liberação do som ou se recuaria até o projeto proposto por ele com alterações na lei vigente fosse votado. Essa questão também não foi respondida.
Leia a nota da Prefeitura de Guarapari na íntegra:
“A atual gestão assumiu o compromisso de resgatar o desenvolvimento turístico e cultural de Guarapari, e vem cumprindo essa meta desde 1º de janeiro, com ações como o Novo Verão 2025, o Esquenta Guarapa, o Carnapari e a Páscoa Fantástica. Eventos que movimentam a economia, geram emprego e atraem visitantes.
Entre as novidades, está o retorno da música aos quiosques da orla, de forma responsável e sensível. A gestão municipal reconhece o poder da música em transformar ambientes, fortalecer a identidade cultural e enriquecer a experiência de moradores e turistas, sempre respeitando o sossego público e o ordenamento urbano. Por isso, será permitida apenas a modalidade ‘voz e violão’, priorizando a valorização da cultura local e o apoio aos artistas da cidade.
Tudo está sendo feito dentro dos parâmetros legais, com acompanhamento da Procuradoria Municipal, que atua em conjunto com os órgãos competentes nas questões relacionadas ao Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).
A proposta busca fortalecer a economia criativa, impulsionar o turismo e promover bem-estar, atendendo a uma demanda legítima dos setores gastronômico, artístico e turístico. Importante destacar que não há flexibilização dos mecanismos de controle e fiscalização ambiental já existentes — ao contrário, há um aprimoramento que incorpora a nova realidade sociocultural da cidade.
O objetivo é permitir, de forma regulamentada, a realização de apresentações musicais nos espaços públicos destinados à gastronomia, mantendo o equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a qualidade de vida da população”.
LEIA TAMBÉM:
O legado do Papa Francisco para a (boa) política
Justiça cassa prefeito e vice de Santa Maria de Jetibá e determina nova eleição