A ONG Transparência Capixaba emitiu uma nota oficial na qual lamentou as votações realizadas pela Câmara de Vereadores de Vitória, em regime de urgência, em que foram aprovadas mudanças na Previdência e redução de cargos comissionados na administração pública da capital. Segundo a ONG, “A Câmara de Vereadores de Vitória deu, nos últimos dias, uma aula de falta de transparência e de ausência de diálogo, e se furtou de seu papel precípuo de representar o povo da cidade e de contribuir para a discussão dos negócios e da administração da coisa pública”.
A entidade também pede que outros órgãos se manifestem sobre o episódio ocorrido na Câmara. “Lamentamos. Somos contrários. Conclamamos todas as organizações da sociedade civil organizada do município, especialmente as dos servidores municipais e aquelas que são relacionadas à prestação de serviços públicos, que se manifestem contrariamente a esse tipo de procedimento”.
Depois de uma sessão extraordinária convocada para a última segunda (4), antes mesmo de os trabalhos legislativos começarem, a Câmara de Vitória aprovou o texto de reforma da Previdência municipal enviado pelo Executivo. Dos 15 vereadores da capital, apenas Karla Coser (PT), Aloísio Varejão (PSB) e Camila Valadão (Psol) votaram contra. Anderson Goggi (PTB) se absteve. O presidente, vereador Davi Esmael (PSD) não votou por estar presidindo a sessão.
Com a aprovação do Projeto de Lei 01/2021, a alíquota de desconto previdenciário aos servidores de Vitória passa de 11% para 14% para ativos e inativos. O projeto prevê ainda a criação de um regime de Previdência complementar para o município, para a qual terão que contribuir servidores ativos efetivos, da administração direta, autarquias, fundações e da Câmara. Os vereadores aprovaram também, no dia seguinte, o projeto que modifica a idade mínima de aposentadoria e cria regras de transição.
Uma das vereadoras que votou contra, Karla Coser (PT) disse na sessão: “Os sindicatos, os servidores, não tiveram acesso ao projeto que tem 66 páginas e foi entregue aos vereadores 10 minutos antes da sessão. Não tem como votar, é uma irresponsabilidade. Garanto que ninguém teve tempo de ler o projeto. Peço no mínimo de 24 horas para analisar”.
A nota da Transparência Capixaba também questiona a rapidez de votação e citou a Constituição para indicar que pode ter havido ilegalidade. “Sem entrar no mérito da proposta do Poder Executivo Municipal, o Poder Legislativo de Vitória descumpriu, flagrantemente, alguns preceitos constitucionais e mesmo regimentais. O princípio constitucional da publicidade dos atos públicos e a função regimental do Poder Legislativo de vigiar o Poder Executivo foram sumariamente descumpridos ao receber e aprovar, em menos de uma hora, uma proposta tão importante e de tão profundo impacto para a vida da cidade e de seus moradores. Ressalta-se que alterar o regime de Previdência pública não é um assunto trivial, de fácil compreensão. Não oportunizar aos cidadãos de Vitória, aos servidores impactados e mesmo aos próprios vereadores/as a discussão profunda e republicana da matéria, é um desserviço que certamente em nada se parece com ‘renovação’ na política capixaba”.
A assessoria da Câmara foi acionada para comentar a nota. O espaço está aberto à ampla manifestação.
Veja abaixo a íntegra da nota da Transparência Capixaba:
Transparência, clareza e simplicidade: nota pública da Transparência Capixaba sobre aprovação de projeto em caráter de urgência na Câmara de Vitória.
“Tudo o que pode ser dito pode ser dito claramente”
Ludwig Wittgenstein (Filósofo – 1889 – 1951)
Há poucos dias, municípios de todo o Brasil deram posse aos novos prefeitos/as, viceprefeitos/as e vereadores/as eleitos/as em 2020. Aqui em Vitória, além do novo prefeito e vice-prefeita, foram empossados 15 vereadores/as, entre novatos/as e reeleitos. Boa parte desses representantes do povo se elegeu sobre um discurso de renovação política, prometendo novas práticas, mais transparência e mais diálogo. Postulados centrais para o exercício da atividade política na democracia contemporânea, que se colocam antes das visões de mundo, eventualmente, defendidas por quaisquer dos/as representantes.
Infelizmente, o que se viu nos primeiros dias de trabalho da Câmara Municipal de Vitória é o diametral oposto dessas bandeiras: a Mesa Diretora da Câmara convocou, na segundafeira, 04/01/2021, sessão extraordinária para o mesmo dia, sem a devida publicização da pauta da sessão. Às 17h02min, a Prefeitura de Vitória protocolou o PL 1/2021 e às 17h12min, o PL 2/2021, que versavam sobre a reforma da previdência municipal. Às 18h, os projetos já estavam sendo pautados para votação no plenário da Câmara, sem tempo para a apreciação integral e discussão do complexo conteúdo da proposta legislativa.
Sem entrar no mérito da proposta do Poder Executivo Municipal, o Poder Legislativo de Vitória descumpriu, flagrantemente, alguns preceitos constitucionais e mesmo regimentais. O princípio constitucional da publicidade dos atos públicos e a função regimental do Poder Legislativo de vigiar o Poder Executivo foram sumariamente descumpridos ao receber e aprovar, em menos de uma hora, uma proposta tão importante e de tão profundo impacto para a vida da cidade e de seus moradores.
Ressalta-se que alterar o regime de Previdência pública não é um assunto trivial, de fácil compreensão. Não oportunizar aos cidadãos de Vitória, aos servidores impactados e mesmo aos próprios vereadores/as a discussão profunda e republicana da matéria, é um desserviço que certamente em nada se parece com “renovação” na política capixaba.
Proposições legislativas precisam e devem seguir um processo legislativo próprio, constitucional e legalmente assegurados justamente para permitir a compreensão mais profunda da matéria, e mesmo para que o Legislativo preste uma de suas principais funções: a de aprimorar os atos e propostas do Poder Executivo.
A Câmara de Vereadores de Vitória deu, nos últimos dias, uma aula de falta de transparência e de ausência de diálogo, e se furtou de seu papel precípuo de representar o povo da cidade e de contribuir para a discussão dos negócios e da administração da coisa pública.
Antes de qualquer discussão de conteúdo, que pressupõe debate, disputa, convencimento, apresentação de dados e fatos, pensar eventuais alternativas, pudesse ser realizada, o Legislativo Municipal, em acordo com o Executivo da cidade, impossibilitou essa discussão.
Lamentamos. Somos contrários. Conclamamos todas as organizações da sociedade civil organizada do município, especialmente as dos servidores municipais e aquelas que são relacionadas à prestação de serviços públicos, que se manifestem contrariamente a esse tipo de procedimento.
Os acontecimentos de 6 de janeiro, verificados na capital dos Estados Unidos da América, demonstram a necessidade prático-política de não apenas tecermos loas à democracia, mas de operacionalizá-la de forma cotidiana para que seja reconhecida, apropriada e defendida por todos, ou, ao menos, por ampla maioria dos cidadãos e cidadãs.
Dada a violação do princípio constitucional da publicidade, conforme estabelece o Art. 37 da Constituição Federal, seria de todo justo, ao nosso sentir, que o Ministério Público analisasse a possibilidade de anulação dos procedimentos e a necessidade de sua realização com os devidos trâmites e procedimentos de publicidade tão importantes à democracia.
Vitória, 07 de janeiro de 2021
Transparência Capixaba
“Contra a corrupção, a favor do Espírito Santo”