Vida Saudável

Entre quatro paredes: o que a série "Adolescência" nos ensina sobre nossos filhos

Série da Netflix aborda a questão da "geração do quarto", jovens que passam grande parte do tempo isolados. Veja orientações importantes para os pais

Cena da série Adolescência
Cena da série Adolescência. Foto: Imagem/Netflix

A adolescência sempre foi um período de transição e descobertas, mas nunca estivemos tão preocupados com o que acontece atrás das portas dos quartos de nossos filhos.

A série “Adolescência”, da Netflix, traz à tona uma questão cada vez mais discutida: a “geração do quarto” – jovens que passam grande parte do tempo isolados, imersos no universo digital, enquanto os pais observam, muitas vezes impotentes, do lado de fora.

Leia também: 7 frases que seu filho precisa ouvir para se sentir acolhido

A série escancara famílias emocionalmente desorganizadas, sem espaço para a elaboração dos sentimentos. Jovens imersos na solidão, na comparação e na lógica cruel das redes sociais. Quem sustenta esse sujeito?

Seriam as redes sociais hoje um terceiro cuidador? Não é exagero. Elas oferecem modelos de identificação, pertencimento e narrativa. Mesmo que isso leve à radicalização, ao ódio ou à distorção da realidade.

Um dos personagens mais marcantes da série entra em um grupo virtual que reforça um discurso perigoso: de que sua exclusão social e afetiva é culpa das mulheres. Ali nasce o ressentimento e a violência.

Esse fenômeno tem nome: cultura incel. Uma comunidade online onde homens se dizem “involuntariamente celibatários” e transformam desejo frustrado em discurso de ódio.

Esse sintoma não nasce do nada. Há décadas, o feminismo avança – mas muitas vezes sem incluir os homens no debate. Eles crescem sem poder falar, sem elaborar suas angústias, sem lugar simbólico para a fragilidade. E o silêncio, quando não encontra escuta, pode virar arma.

Cada vez mais, jovens começam consumindo memes aparentemente inofensivos e acabam expostos a conteúdos que banalizam a violência e promovem misoginia, racismo e intolerância. Alguns chegam ao extremo de criar imagens íntimas falsas com inteligência artificial para humilhar colegas.

O ódio online tem moldado comportamentos, tornando alguns adolescentes mais propensos ao bullying, à agressividade e até à apologia à violência.

O acesso desenfreado à pornografia extrema também distorce a visão da sexualidade, reforçando a objetificação feminina e um modelo de relações baseadas no consumo e na submissão.

A adolescência é marcada por mudanças físicas, emocionais e sociais. Além da busca por novidades, impulsividade e inclinação ao risco, também pode haver maior vulnerabilidade emocional.

Quando os riscos para a saúde mental aumentam

O afastamento dos pais é parte natural desse processo, já que os amigos passam a ser referência central. No entanto, quando o isolamento se intensifica e a comunicação se torna escassa, os riscos para a saúde mental aumentam.

Muitos conflitos surgem da dificuldade dos pais em aceitar a individualidade dos filhos e lidar com o luto de não mais serem pais de crianças.

Para reduzir os desentendimentos, é essencial cultivar uma comunicação aberta e empática, onde o adolescente se sinta ouvido e valorizado.

A escuta ativa, a validação emocional e a demonstração de interesse genuíno são ferramentas poderosas para reaproximá-los.

Não se trata de invadir o espaço do adolescente, mas de estar presente, disponível e aberto ao que ele tem a dizer – mesmo que, no início, ele prefira o silêncio.

A adolescência é, em grande medida, reflexo da infância. Embora fatores externos influenciem o desenvolvimento, crianças que não vivenciam uma infância respeitosa chegam à adolescência mais vulneráveis. Ainda assim, nunca é tarde para atender às necessidades legítimas dos filhos e reconstruir vínculos afetivos.

Os pais podem fortalecer essa relação ao:

  • Praticar a escuta ativa sem julgamentos;
  • Reconhecer a dependência emocional e financeira dos filhos;
  • Enxergar comportamentos desafiadores como mensagens, e não como o problema em si;
  • Acompanhar e conversar sobre os conteúdos que os filhos consomem na internet;
  • Adiar ao máximo o ingresso nas redes sociais e monitorar o tempo de tela;
  • Oferecer bons modelos masculinos para os meninos, evitando que se sintam atraídos por influenciadores que propagam discursos de ódio.

A busca por respostas nos leva ao mal-estar: culpa, medo, angústia – em pais, professores, terapeutas, na sociedade inteira. Mas compreender é melhor que culpar.

A “geração do quarto” não precisa ser sinônimo de solidão. A conexão com os filhos pode ser construída, mesmo diante dos desafios da modernidade.

E a série Adolescência nos convida a refletir: será que estamos dispostos a abrir a porta e atravessar a barreira invisível que nos separa deles?

Psi. Renata Bedran

Colunista

Psicóloga Clínica e Educadora Parental em Disciplina Positiva. Certificada em Disciplina Positiva pela DPA-USA. Graduada em publicidade e marketing pela Emerson College, Boston, USA. Pós graduada em Psicologia Hospitalar e Pós graduada em Educação Positiva. Trabalha orientando os pais de crianças da primeira infância em como educar os filhos com respeito e empatia. Atua também como psicóloga infantil. @psi.renatabedran

Psicóloga Clínica e Educadora Parental em Disciplina Positiva. Certificada em Disciplina Positiva pela DPA-USA. Graduada em publicidade e marketing pela Emerson College, Boston, USA. Pós graduada em Psicologia Hospitalar e Pós graduada em Educação Positiva. Trabalha orientando os pais de crianças da primeira infância em como educar os filhos com respeito e empatia. Atua também como psicóloga infantil. @psi.renatabedran