Um casal que tem dois filhos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) conquistou na Justiça o direito de cultivar cannabis sativa para fins medicinais. A Defensoria Pública paulista obteve no Tribunal de Justiça do Estado (TJ-SP) a concessão de um habeas corpus com a permissão.
As crianças, de 10 e sete anos de idade, foram diagnosticadas com TEA, apresentando “déficit significativo e persistente da comunicação e interação social em múltiplos contextos, padrão restrito e repetitivo do comportamento, interesses e atividades, além de alterações da integralidade sensorial”, de acordo com laudo médico.
A família, moradora de Campinas, no interior paulista, não tinha condições financeiras para custear o tratamento com óleo importado e vinha tendo problemas de fornecimento do produto produzido por uma associação no Brasil. Por essa razão, procurou a Defensoria para solicitar autorização para o cultivo da cannabis.
Após longo período de tratamentos psicofarmacológicos e multiprofissionais sem que as crianças apresentassem melhorias significativas em seus comportamentos disfuncionais, optou-se pela prescrição de óleo rico em canabidiol, substância não-psicoativa da planta de cannabis apontada pela literatura médica mais recente como própria para tratamento aos pacientes autistas, proporcionando uma melhora no padrão de seu neurodesenvolvimento.
Conforme relatório psicológico elaborado por Marcos Antonio Barbieri Goncalves, psicólogo do Centro de Atendimento Multidisciplinar (CAM) da Defensoria Pública de São Paulo, anexado aos autos do processo, as crianças vinham fazendo uso do óleo de cannabis desde abril de 2019, apresentando melhoras significativas em seus comportamentos.
Cannabis como efeito terapêutico
O Presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Farmacêutica (SBMF), Wellington Briques, comenta que a opção terapêutica é submetida a sérios e rigorosos estudos clínicos.
“O uso terapêutico da cannabis vêm acumulando evidências científicas sobre sua eficácia no tratamento de diversas condições, inclusive sintomas do transtorno do espectro autista (TEA). Um estudo recente, conduzido por pesquisadores da Universidade Ben Gurion e do Soroka Medical Center, ambos em Israel, e publicado na revista científica Nature em janeiro, mostra que pesquisadores acompanharam 188 pacientes com TEA menores de 18 anos tratados com canabinoides”, comentou o especialista.
Segundo Briques, após seis meses de tratamento, 83% dos pacientes relataram melhoras significativas ou moderadas em aspectos comportamentais; melhora do humor; nos níveis de ansiedade; na concentração e na qualidade do sono, além de maior facilidade para realizar tarefas cotidianas, como tomar banho e se vestir sozinhos. “Também houve impacto direto na rotina dos pacientes: antes, apenas um terço (31.3%) afirmava ter uma boa qualidade de vida e o índice dobrou (66.8%) após seis meses de tratamento. Também ocorreu melhora em sintomas centrais do TEA, como a comunicação, que nunca havia sido observada em ensaios clínicos anteriores”, explicou o médico.
“Nós estamos falando da eficácia comprovada, de um medicamento com prescrição médica. Pacientes que fazem o uso da cannabis medicinal, além de melhorar o quadro da doença, melhoram o sistema imunológico e diminuem inflamações. Temos a comprovação de melhoria em doenças neurológicas, dores crônicas, lombalgia, ansiedade, depressão, distúrbios do sono e muitas outras. Estamos desenvolvendo pesquisas até mesmo para o tratamento da cannabis em pacientes oncológicos”, finalizou Wellington Briques.