Em um ano, o Espírito Santo gastou com decisões judiciais na saúde o suficiente para construir um hospital do porte do Hospital Estadual Jayme dos Santos Neves. A informação foi passada pelo assessor especial da Secretaria Estadual de Saúde, Edson Pistori.
A judicialização da saúde, de acordo com o assessor, cresceu quase seis vezes nos últimos anos. Para se ter uma ideia, segundo a Sesa, em 2011, a média era de 2.500 decisões judiciais por ano, já em 2019 o número subiu para 14.500.
“No ano de 2019, o Espírito Santo gastou mais de R$ 170 milhões em decisões judiciais. Esse é o custo de um hospital como o Jayme dos Santos Neves. A diferença é que o Jayme atende a milhões de pessoas, e esse dinheiro atendeu 14 mil pacientes”, informou Edson Pistori.
Falta de conhecimento do sistema prejudica funcionamento da saúde
Ainda segundo o assessor, muitas vezes os processos judiciais poderiam ser evitados dentro do consultório.
“O médico, muitas vezes, por não conhecer o funcionamento da rede, orienta o paciente dizendo que se ele procurar a Justiça, o processo anda mais rápido. Muitas vezes isso estimula a procura por um advogado”, disse.
Além disso, há casos, por exemplo, de pessoas que entram na Justiça pedindo medicamentos que já são fornecidos nas farmácias cidadãs.
“Há casos de profissionais que receitam medicamentos que são distribuídos gratuitamente ou que podem ser substituídos. O paciente entra na justiça para conseguir um remédio que ele já tem acesso”, afirmou.
Nesses casos, os números impressionam. Segundo o assessor especial da Sesa, Edson Pistori, 40% dos processos poderiam ser evitados apenas com a orientação ou adequação do profissional da saúde. Veja:
20% das decisões judiciais na saúde eram para fornecer medicamentos que já eram oferecidos pelo Estado nas farmácias cidadãs.
Outros 20% das decisões judiciais eram de medicamentos que podiam ser substituídos por outros que já são oferecidos nas farmácias cidadãs.
Excesso de processos judiciais na saúde pode prejudicar os que realmente precisam de apoio do Estado
Apesar de boa parte dos processos poderem ser evitados, alguns são fundamentais para garantir a vida do paciente. No Espírito Santo, segundo o assessor especial da Sesa, existem 10 pacientes que precisam da ajuda do Estado para conseguir medicamentos.
Essas pessoas são portadoras de doenças consideradas raras, cujos tratamentos são financiados pelo Estado.
“Para esses pacientes, o custo de medicação é muito alto, sã casos muito específicos e justificáveis. São doenças que não tem como não tratar a pessoa, se o Estado não apoiar, não tem como”, disse.
Em 2018, o Estado gastou 14 milhões de reais em medicamentos para atender 13 pacientes portadores de doenças raras. Segundo Edson, uma em cada um milhão de pessoas tem doenças desse tipo, e muitos morrem antes de conseguir o tratamento.
À título de curiosidade, veja os seguintes números:
Dos 13 pacientes amparados pelo Estado em 2018, dois fazem uso de uma substância para tratamento de mucopolissacaridose. Somente este medicamento custa R$ 2.600.00, 00 (dois milhões e seiscentos mil reais) por paciente.
Quando uma pessoa entra na justiça para ter acesso à medicamentos que já estão disponíveis ou podem ser substituídos, pode acabar “passando na frente”, ou tornar mais lenta a decisão do processo de um paciente como esse, que precisa de um apoio do Estado.
Sesa e PGE-ES se unem para reduzir processos e identificar fraudes
Para reduzir o número de conflitos na justiça da saúde pública, a Secretaria da Saúde, em conjunto com a Procuradoria-Geral do Estado do Espírito Santo (PGE), criou o Programa Estadual para a desjudicialização do acesso ao SUS, o “SUS+JUSTIÇA”.
O objetivo é evitar os problemas relacionados à judicialização da saúde, prevenindo fraudes e tornando mais eficiente e econômico o cumprimento de decisões judiciais.
“A judicialização na saúde é um fenômeno que ocorre nacionalmente. O programa capixaba é uma iniciativa inovadora no País, pois trabalhará com ideia de reduzir os processos judiciais ano a ano, podendo ampliar o investimento na própria Rede de saúde”, informou o assessor especial da Sesa, Edson Pistori.
Para atingir os objetivos, os trabalhos serão integrados. Primeiro, a ideia é tentar solucionar os problemas antes deles serem encaminhados para a Justiça. De acordo com o procurador-chefe da Procuradoria da Saúde, Ricardo Occhi, é necessário primeiro orientar os profissionais da saúde.
“O Estado precisa trabalhar o médico, que é quem está ali na ponta. O município precisa trabalhar também, porque os médicos da atenção básica são fundamentais”, afirmou.
Ainda segundo Ricardo, além de orientar o médico, os membros do poder judiciário precisam de orientação para evitar que suas decisões impactem no funcionamento do sistema de saúde.
“O judiciário precisa também participar, porque o magistrado precisa conhecer o sistema de saúde. Uma decisão judicial que desconhece o sistema causa um problema”, afirmou.
Justiça terá reforço no apoio às decisões
De acordo com o assessor especial da Sesa, um corpo técnico já atua em apoio aos magistrados para auxiliar nas decisões, mas nem sempre a equipe é consultada ou tem suas orientações consideradas.
“Hoje só 25% das decisões judiciais consultam esse núcleo técnico que já funciona. Queremos reforçar esse número, a gente quer colocar profissionais de saúde à disposição desse magistrado para tirar as dúvidas”, explicou.
O procurador-chefe, Ricardo Occhi, concorda. “Um levantamento identificou que há um núcleo que fica disponível para ceder informações técnicas para o magistrado, mas percebemos que os juízes usam muito pouco a estrutura, e quando utilizam, muitas vezes não observam os encaminhamentos técnicos”, reforçou.
De acordo com Edson, existem muitas solicitações que são indevidas. “Existem casos de ortopedista pedir mamografia, e aí as pessoas acabam indo para médicos que são parceiros. Casos em que as pessoas judicializam a saúde para conseguir tratamentos que são experimentais, como aconteceu em São Paulo”, disse.
A reportagem do Folha Vitória procurou também o Tribunal de de Justiça do Espírito Santo. Em nota, a assessoria de imprensa respondeu que “existe um apoio técnico realizado pelo Nat-Jus, que é bastante utilizado pelos magistrados, de acordo com a sua necessidade”.
Informações ficarão disponíveis para o capixaba
Para o alcance dos objetivos, a Sesa e a PGE irão elaborar metas e indicadores de monitoramento periódico, além da adoção de outras ações como as destacadas na portaria.
Outro destaque ao “SUS+JUSTIÇA” é o desenvolvimento de um sistema de informação para a coleta e tratamento de dados para auxiliar na tramitação de informações.
Além disso, há a proposta de criação de um Laboratório do Direito à Saúde e Inovação, voltado para a promoção de estudos e cursos de formação na área do Direito Sanitário, em acordo de cooperação entre o Instituto Capixaba de Ensino, Pesquisa e Inovação em Saúde (ICEPi) e a Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado do Espírito Santo (ESPGE).
“É uma iniciativa de grande relevância para o setor, pois traz procedimentos que visam mitigar o número de ações judiciais em desfavor do SUS e o seu impacto na gestão do sistema. Além de fornecer critérios mais concisos para realização de análises e buscas de irregularidades, por exemplo”, destacou Brunella Cintra Sodré, responsável pelo setor de Mandados Judiciais da Sesa, que coordena o Programa em conjunto com a PGE.
Congresso em Vitória vai debater judicialização da saúde
No Espírito Santo, o número de mandados judiciais vem diminuindo, de acordo com dados da Secretaria Estadual de Saúde. Em 2019, o Estado precisou cumprir 14.269 mandados. Em 2020, o número caiu para 7.556. E este ano, são 6.562 mandados. A cidade de Vitória é a que possui o maior número de mandados.
Essa queda nos números, entretanto, deve ser interrompida por conta da pandemia de Covid 19. Especialistas temem uma avalanche de ações na Justiça causada pela suspensão de procedimentos eletivos no período mais crítico de enfrentamento da doença.
Debate em Vitória
Para facilitar o diálogo entre médicos e magistrados, acontece em Vitória, entre os dias 26 e 29 de outubro de 2021, o 8º Congresso Brasileiro Médico, Jurídico da Saúde. Na abertura está confirmada a participação do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.
Pela primeira vez em formato híbrido, o evento reunirá renomados agentes públicos e alguns dos mais destacados especialistas e juristas do país para uma avaliação pluralista, coletiva e abrangente da atual legislação, gestão e financiamento das Políticas Públicas de Saúde no Brasil e as consequências e sequelas da crise sanitária da pandemia do Coronavírus no plano federal, estadual, distrital e municipal.