Saúde

Mãe e obstetra desabafa: "Não tenha filhos se não está disposta a lutar pela vida de alguém"

Nesta entrevista especial, Dayse Seidel Assunção, ginecologista e obstetra, fala dos desafios de conciliar a maternidade com a vida profissional

Foto: Arquivo Pessoal/Arte – Folha Vitória

Uma experiência única. Multifacetada. Ser mãe é ser portadora de um amor visceral, incondicional. Envolve dedicação, altruísmo, sacrifício e uma capacidade imensa de orientar… E exercitar a paciência. Sempre. 

Mãe é alimento, é suporte, é colo que consola. Mãe é abraço que festeja, é lágrima que leva embora a tristeza. Mãe é parceira de jornada.

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Mais que isso, ser mãe é viver em estado de aprendizado constante. Ao contrário do que muitos imaginam, mãe mais aprende que ensina. 

Talvez, um dos maiores desafios de ser mãe seja o de conciliar a maternidade com a carreira profissional. E neste dia 12 de maio, Dia das Mães, nada melhor que ouvir uma mãe. O bate-papo, uma entrevista especial, é com a médica, ginecologista e obstetra Dayse Seidel.

Dayse fala sobre a profissão e relembra o momento em que foi mãe, além da transformação que o filho Lucas, hoje, um lindo rapaz de 18 anos, proporcionou na vida dela.

1. Quais os maiores prazeres e dificuldades das múltiplas funções (mãe, médica, dona de casa)?

Dayse Seidel Assunção – Como toda mulher que se divide em tarefas comuns do dia a dia, o maior desafio é a auto cobrança em tentar “equilibrar pratos”. Tentar manter todos que precisam de mim, devidamente assistidos e cuidados. Consequentemente, isso pode gerar sofrimento.

A medicina chegou na minha vida antes do meu filho. Antes de conhecer os amores e dores da maternidade, eu vivi a maternidade de outras mulheres.

Eu achava que entendia o que cada uma delas sentia. Em 2005, eu percebi que toda teoria da faculdade de medicina, associada à prática da residência médica, treinou minha visão objetiva e racional. 

A gestação, que foi repleta de dificuldades, e o puerpério, me prepararam para a visão e assistência mais acolhedora e humana. Entregar um bebê nos braços de sua mãe já era sensacional. Quando eu passei a saber o que sente uma mulher nessa hora, passei a me emocionar ainda mais.

2. O fato de ser obstetra tornou a sua missão mãe x profissional ainda mais desafiadora? Por quê?

A maioria dos estudantes de medicina me dizem que jamais fariam obstetrícia. Talvez por tamanha dedicação e abdicação necessária para exercê-la com excelência. Eu entendo. 

Não conseguiria enumerar às vezes que precisei (assim como tantas mães que precisam trabalhar) deixar minha família para cuidar que outras mães formem as suas.

Não tenho hora para sair ou voltar para casa. Bebê não escolhe hora para nascer e, assim, fico sempre por perto e a postos esperando.

3. Como é a sua rotina de mãe?

Hoje meu filho já tem 18 anos, mas talvez por sentir que não estive por perto em todos os momentos que gostaria, vivo para tentar correr atrás do tempo perdido.

Situações especiais, como diabetes tipo 1, foram surgindo e tento acompanhar todos os detalhes do dia dele. 

Ter um filho com uma doença autoimune, sem cura, traz aquela sensação de que nem todo tempo do mundo seria suficiente para eu protegê-lo como gostaria, afinal, tanta proteção não o livrou da condição atual.

4. Como lidar com o desgaste físico e emocional? Consegue um tempinho para cuidar de você? O que gosta de fazer nas “horas vagas”?

Foto: Reprodução/Acervo Pessoal

Dayse com o filho Lucas, de 18 anos

Quando se é obstetra, não existe definição de semana ou final de semana. Para nós, é a mesma coisa. 

Assim, não faço o que preciso para mim e minha família, só aos sábados ou domingos. Tento acessar momentos livres e colocar as coisas em ordem.

Não sei cozinhar bem, mas eu vejo a alegria do meu filho e marido, quando estou em casa sábado e resolvo que não vamos sair para almoçar.

“Vamos comer em casa. Vou inventar algo para nós”. Sei que eles se sentem cuidados e eu me sinto feliz por poder curtir minha casa.

No próximo ano, eu completo 50 anos e mesmo não sendo acostumada a frequentar academia, trata-se de um propósito de longevidade. É meu momento. É inegociável.

Saúde mental nunca foi um assunto tão necessário como hoje em dia. Buscar apoio em Deus, na família, amigos, terapia, são suportes para bem-estar e qualidade de vida.

5. “Mãe, você tem plantão hoje?” Foi uma pergunta que você sempre ouviu? Como o seu filho lidou/lida com os seus momentos de maior ausência em casa?

Nos últimos anos, tenho conseguindo me organizar com antecedência (9 meses) e programado deliciosas viagens em família.

Quando Lucas tinha 11 anos, eu iniciei uma fase mais intensa de trabalho. Passava noites e mais noites prestando assistência a mamães em trabalho de parto.

Chegava em casa muito cansada. Não tinha muito tempo para interagir e certa vez ele me disse que eu acabaria me mudando definitivamente para a maternidade. Foi um choque. Não havia percebido que ele se incomodava.

Nos anos seguintes, mantive meu trabalho, pois faz parte da minha identificação. É como me reconheço: uma mulher que assiste e apoia outras mulheres em todas as suas fases. Mas recalculei a rota. Tentei aprender a dividir mais meu tempo. Definitivamente não é fácil “equilibrar todos os pratinhos”.

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6. Como é ajudar outras mulheres a se tornarem mães?

Em relação a acompanhar e tentar preparar outras mulheres para esse momento tão especial, posso afirmar que foi Lucas quem me ensinou e ensina todos os dias sobre maternidade.

Foto: Pluma Filmes

Dayse, durante o trabalho, na sala de parto

E é assim. Toda mulher que deseja, em coração ou corpo, gerar um filho, só vai entender essa passagem quando receber sua benção em seus braços. 

Tento passar para minhas pacientes que, engana-se quem acha que existe curso para te preparar para maternidade.

Não existe!

E insisto, não tenha filhos se não está disposta a lutar pela vida de alguém. Lutar. Disposta a encarar todos os desafios que a vida te prepara. 

A suportar que a sociedade não está pronta a aceitar o diferente. Que as escolas não estão preparadas para o fora do padrão.

Gravidez é um milagre, manter uma gestação é um milagre, o parto é um milagre. Ser mãe é uma benção.

7. Neste Dia das Mães o que você não deixa de falar para a sua mãe?

Depois do Lucas, nasceu outra Dayse. Algumas pessoas dizem que existe o luto pela mulher que você não é mais. No meu caso, posso afirmar que meu filho me salvou. Por me tornar uma mulher mais sensível à dor do outro. Sensível ao amor de mãe.

Depois dele, eu entendi que cada mãe demostra seu amor de uma forma. A minha mãe se tornou ainda mais especial. Foi desde o início meu apoio. Minha ajuda. Dias difíceis vieram, mas eu aprendi a entendê-la.

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