A maternidade é um sonho para muitas mulheres, mas nem sempre engravidar é um processo fácil. De acordo com especialistas em reprodução humana, duas em cada 10 mulheres têm dificuldades para engravidar, e essa é uma taxa que tende a crescer ainda mais. De acordo com a médica especialista em Medicina Reprodutiva, Layza Merizio Borges, atualmente as mulheres tendem a adiar cada vez mais a gravidez, o que contribui para o aumento da taxa.
A infertilidade afeta entre 50 e 80 milhões de pessoas em idade reprodutiva segundo os dados da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM). No Brasil, dados do Ministério da Saúde, provavelmente subestimados, dão conta de que ao menos 278 mil apresentam infertilidade.
Desde o surgimento da fertilização in vitro, em 1978, cerca de 8 milhões de pessoas foram geradas por este procedimento, conforme dados divulgados no Congresso da Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia (ESHRE, na sigla em inglês).
Acredita-se que sejam feitos cerca de 2 milhões de ciclos de fertilização in vitro anualmente em todo o mundo. No Brasil, o número de procedimentos realizados teve crescimento de 168,4% no período de 2011 a 2017, de acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
“A mulher moderna tende a postergar a maternidade, e com isso o ovário tende a envelhecer. A mulher com mais de 35 anos tem ainda mais dificuldade de ser mãe. A idade é o principal fator de dificuldade na maioria dos casos. Existem outras doenças, mas a idade é determinante”, explicou a especialista.
Além da idade, algumas doenças como a endometriose e a síndrome do ovário policístico, por exemplo, também fazem com que muitas mães precisem recorrer à medicina para realizar o sonho de gerar uma criança. “A medicina reprodutiva vem para atender às demandas de uma sociedade moderna, em que muitas vezes a maternidade soa como incompatível para a mulher. A medicina alternativa vem para apresentar recursos para realizar esses sonhos”, disse a doutora Layza.
Foi justamente para realizar o sonho de ser mãe que a assistente administrativa, Milene Mendes, procurou o tratamento de fertilização. “Eu já estava casada há 10 anos, e há um ano eu estava tentando engravidar. Era a cereja do bolo, o que faltava naquele momento na minha vida. Eu estava tendo dificuldades mesmo tomando indutores, e quando eu já estava no processo com a doutora Layza, descobri a endometriose”, contou Milene.
Aos 33 anos Milene descobriu que, por causa da endometriose, suas trompas estavam obstruídas e, por isso, seria impossível engravidar. “No exame de contraste vimos que não tinha passagem nenhuma nas minhas trompas. Eu chorei muito quando recebi a notícia, foi um banho de água fria. Só comecei o processo para a fertilização dois meses depois”, relembrou.
A especialista falou um pouco mais sobre a importância de uma abordagem mais humanizada nos tratamentos de fertilização. Confira:
A taxa de sucesso de procedimentos como esses, segundo a especialista, é de 50%. Um passo arriscado para aquelas que investem no sonho de ser mãe. “Lidamos com muitos insucessos, não é uma coisa que depende só de nós. O importante é focar na humanidade, saber que fizemos o melhor e que a experiência foi positiva para a paciente”, explicou a dra. Layza Merízio.
“Não é só um ovário, um útero e um espermatozóide. Quando o procedimento dá certo, nós não temos nem palavras, é uma satisfação maravilhosa. O vínculo que criamos com a paciente quando conseguimos viabilizar um sonho tão nobre, é o maior que podemos criar na vida” – Layza Merízio Borges
Apesar dos números não garantirem o sucesso do procedimento, muitas pacientes conseguem realizar seu maior desejo já na primeira tentativa. “Comecei o processo e logo consegui engravidar, veio um menino na primeira tentativa. Quem me deu a notícia foi o meu esposo. A gente estava vigiando o resultado de minuto a minuto”, contou Milene.
“Com quatro meses de gestação o meu pai faleceu. Sinto que o Diogo foi uma herança que ele me deixou. Na época foi uma dor imensa, eu achei que fosse perder o bebê. Meu pai me ajudou muito no processo, ele me falava sempre que tinha que se agora” – Milene Mendes
Hoje, 1 ano e um mês depois do nascimento de Diogo, as emoções ainda estão vivas na memória de Milene. “Eu não consigo nem expressar a minha emoção, a chegada dele foi maravilhosa. A primeira noite eu passei em claro, olhando para o bercinho, fiquei olhando para ele o tempo todo, não consegui dormir. Passou um filme na minha cabeça”, lembrou emocionada.
Reserva para o futuro
Uma alternativa para as mulheres que desejam adiar a gravidez é o congelamento de óvulos. “Quando a mulher engravidava mais cedo, não tinha tempo de desenvolver essas doenças que impossibilitam a gravidez. Algumas já recorrem ao congelamento de óvulos pensando em engravidar mais tardiamente. Uma vez congelados, a mulher pode engravidar aos 40 com óvulos de 35”, explicou a doutora Layza.
Animada com o sucesso da primeira tentativa, Milene tem vontade de dar ao Diogo um companheiro, mas esse é plano para o futuro. “Pensamos em ter outro filho, temos seis embriões congelados. Não é um processo fácil, exige muita sensibilidade da família, de quem sabe de todo o processo. É um momento que exige muita parceria da família”, contou.
Acompanhamento psicológico
A psicóloga especialista no acompanhamento parental, Arielle Nascimento, explica que desde a decisão de ter filhos, até a escolha pelo tratamento de fertilização, os casais passam por muitos momentos de instabilidade emocional, daí a importância de estarem sempre sendo acompanhados por profissionais.
“Quando o desejo de ter filhos aparece, você tem uma expectativa intensa sobre esse projeto, ao mesmo tempo que quando você tem frustrações também sicessivas, de não conseguir engravidar, algo é acionado. O casal costuma chegar com um histórico de perdar sucessivas, ansiedade. É importante acolher essa trajetótia” – Arielle Nascimento, psicóloga.
De acordo com Milene, hoje com 36 anos, para passar por um procedimento como esse é fundamental o acompanhamento de um psicólogo. A auxiliar administrativa contou que, antes de iniciar o tratamento, pesquisava muito sobre o tema, procurava depoimentos de mulheres que também fizeram o procedimento e tiveram sucesso para buscar forças e enfrentar o processo.
“Eu fazia terapia por minha conta, na época eu fazia o curso de psicanálise. É um acompanhamento crucial, a gente não resiste ao processo sem um acompanhamento especializado. A primeira dificuldade é lidar com o entendimento das pessoas, que perguntam porque não adotar. Elas têm dificuldade de entender. A questão é o sonho da gestação. Não que adotar seja ruim, mas a busca é por gerar”, desabafou.
Ainda segundo Milene, é difícil lidar com a ansiedade no período, e a curiosidade das pessoas torna o processo ainda mais complicado. “A gente evita comentar que está fazendo o tratamento porque já é difícil lidar com a nossa própria ansiedade. Como tem a chance de não dar certo, é muito complicado administrar a nossa expectativa e a das outras pessoas”, contou Milene.
“O tratamento em si demanda recursos por lidar com muita ansiedade. Isso demanda muito dos casais. É importante que os casais falem sobre essa expectativa, que trabalhem essa escolha para lidar com os resultados ” – Arielle Nascimento, psicóloga.
Para a psicóloga, os avanços da medicia são uma ferramenta inportante na realização de sonhos, mas é preciso enchergar o processo de forma cada vez mais completa, humana. “Ao mesmo tempo que se amplia as possibilidades de ter filhos, há uma necessidade de enfrentar questões difíceis no processo. Se por um lado as possibilidades são ampliadas, por outro é necessário tratar de questões subjetivas”, explicou.
Mais que gerar, amar
Para algumas mulheres, o sonho de ser mãe não necessariamente está ligado à gestação. A estudante de arquitetura de 22 anos, Flora Fiorio Magnago, conta que o amor de mãe e filha é uma conexão que vem do coração.
“Eu fui adotada quando nasci. Minha mãe biológica não tinha condições de me criar e a minha mãe de coração sonhava com a maternidade. Meu pai foi me buscar na Bahia, eu vim para Vitória e minha família do coração estava me esperando em festa. Teve até votação para saber meu nome”, contou.
Flora disse que sempre soube que foi adotada quando nasceu, e que ter clareza sobre essa condição foi muito importante para o seu desenvolvimento. “Desde o primeiro momento eu soube que era filha do coração dela. Eu fui escolhida para ser amada. Minha mãe sempre me disse que eu seria diferente em alguns aspectos, mas me preparou para que eu pudesse me proteger, para que isso não me afetasse”, disse.
O sentimento que predomina é o de gratidão, a certeza de que o amor transcende os laços criados na gestação. “Eu sou muito grata porque tenho certeza de que não conseguiria estar onde eu estou hoje se continuasse com a minha mãe biológica. Um agravante é que eu sempre fui uma criança muito alérgica, ia para muitos médicos no Brasil todo. Tive um cuidado que meus pais biológicos não teriam condição de me dar”, contou.
“Eu devo muito mais que minha vida para eles. O que menos importa na nossa relação é por quem eu fui gerada. Eu me sinto infinitamente amada, sei que eles fazem tudo para me ver feliz. Respeito os outros métodos, são outras experiências. Eu tenho certeza que o amor de mãe é assim, incondicional” – Flora Fiorio Magnago
No Brasil, 8,7 mil crianças e adolescentes aguardam uma família. Enquanto isso, 43,6 mil pessoas constam como pretendentes no Cadastro Nacional de Adoção. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na última década, mais de 9 mil adoções foram realizadas no país.
O CNJ disponibiliza também, em seu portal, a publicação Três Vivas para a adoção. Trata-se de um guia explicativo com informações sobre busca ativa e os diversos tipos de adoção. Além disso, é possível encontrar depoimentos de famílias com histórias envolvendo adoção tardia e adoção de crianças com deficiência, por exemplo.