Saúde

Nasce um filho, nasce uma mãe?

Segundo especialista, o nascimento da mãe acontece em várias etapas. Mas é no dia a dia que a relação mãe e filho se fortalece e a maternidade também

Foto: Laiza Stange

Em que momento da vida a mãe, de fato, nasce? A partir de que momento a mulher deixa de ser apenas uma mulher e torna-se mãe? Para muitas mulheres, tornar-se mãe é um processo, algo que se constrói no dia a dia. Para outras, a maternidade começa já na gestação. Não há uma regra, e a certeza é apenas uma: a maternidade transforma.

A psicóloga Lucélia Paula explicou que muita coisa muda na cabeça de uma mulher que decide ser mãe. “O processo de mudança começa assim que a mesma engravida, sendo esta gravidez deseja ou não. A gestação altera enormemente toda a estrutura psíquica da mulher, seu jeito de pensar, de sentir, de fazer, de falar. A gravidez trará elementos novos em todos os seus aspectos e promoverá alterações momentâneas e permanentes”, explicou.

Apesar das mudanças, nada acontece de forma aleatória. Todas as alterações acontecem para que, a partir daquele momento, a mulher possa se enxergar sob uma nova perspectiva. “Toda a estrutura corporal da grávida se altera e passa a utilizar recursos antes desconhecidos por ela mesma”, afirmou a psicóloga.

Ainda segundo Lucélia, uma mãe começa a nascer já no momento em que passa a desejar a criança. Confira a explicação completa no áudio abaixo:

Foto: Laiza Stange

Para a dentista Marcelle Rodrigues, cada parte do processo que envolve a maternidade foi recheada de surpresas e transformações. Tudo começou quando os cálculos para a chegada do Felipe, hoje com 4 meses, não bateram. O plano era simples: interromper o remédio, desintoxicar o organismo e, quem sabe, engravidar em um ano. Não funcionou. Marcelle descobriu a gravidez meses depois de interromper o uso do contraceptivo, e daí começaram as mudanças.

Depois de muita ansiedade, expectativa pela chegada de Felipe, e algumas apostas sobre o dia do nascimento, o milagre da vida aconteceu. Foi no dia 25 de janeiro de 2019 que Marcelle conheceu uma nova sensação, a de ser mãe. “Quando eu percebi que estava em trabalho de parto, foi um alívio. Foi como se os meses de gestação e toda a ansiedade me colocassem naquele momento. Foi muito gostoso viver o parto”, relembrou.

Segundo a dentista, por mais fortes que fossem as dores, as memórias que ficam são sempre positivas. “Eu não queria que a dor fosse o principal naquele momento. Apesar das contrações, das fortes dores, não é disso que eu me lembro. Não me recordo do sofrimento. Lembro da tranquilidade do ambiente, do momento que eu senti o cabelinho do Felipe e da chegada dele. A sintonia da equipe e do ambiente me deixaram muito tranquila. Foi um momento leve”, contou.

Marcelle disse que um dos momentos mais emocionantes do parto foi quando ela sentiu o cabelinho do filho. Segundo a dentista, foi nesse momento que ela se deu conta de que seu filho estava chegando.

“Quando eu senti o cabelinho, ele se tornou real para mim. Quando ele chega e você vê, passa um filme na cabeça. A partir desse momento mudava tudo. Naquele momento eu ainda não tinha a sensação de mãe, eu ainda não tinha a dimensão do que era ser mãe. Essa é uma coisa que se constrói no dia a dia. Naquele momento eu dizia que eu tinha um neném, foi quando tudo se tornou real” – Marcelle Rodrigues Andrade, mãe.

Confira os registros deste momento:

A publicitária e fotógrafa de partos, Laíza Stange, contou que cada parto traz uma emoção diferente, e que registrar esses momentos é um presente. Ela se recorda do primeiro parto que acompanhou. “Quando tudo aconteceu eu me peguei chorando e fotografando ao mesmo tempo. Foi tudo tão lindo, que naquele momento eu descobri que era aquilo que eu tinha que fazer da minha vida”, relembrou.

De acordo com a fotógrafa, a mudança da mulher é nítida durante o parto. “Como eu acompanho também a jornada do trabalho de parto, desde o início, você vê uma mulher entrando e saindo outra. É uma caminhada de dor, de alegria, você experimenta todos os tipo de de emoções e quando o bebê nasce, é como se junto com ele surgisse uma nova mulher”, explicou.

Laíza comenta um pouco mais sobre como é ver a transformação da mulher em mãe. Confira:

Durante o registro do parto, muitas são as preocupações da fotógrafa. “Eu procuro fotografar as emoções. Às vezes um parente chorando, rezando, coisas que muitas vezes a mãe não está percebendo, mas depois ela vê o quanto cada pessoa foi importante”, disse Laíza.

A chegada do bebê

São muitas as transformações que vêm com a maternidade. De acordo com a psicóloga, é o desejo pelo filho que facilita a mudança. Ouça a explicação completa:

A experiência do parto é muito rica na vida de uma mulher, mas não é o que as torna mães. “O parto te transforma muito enquanto mulher, mas para mim não foi nesse momento que me tornei mãe. Foi ali que eu percebi que ele era real, mas o amor é uma construção, é aprendizado diário”, explicou a dentista.

Foto: Laiza Stange

A psicóloga ressalta a importância de não se associar o nascimento de uma mãe apenas com o momento do parto. “O vínculo entre mãe e filho é importante independente do tipo de parto, ou mesmo se a mãe adota uma criança”, afirmou.

Lucélia ainda reforçou a importância de não associar o estabelecimento de vínculo entre mãe e filho ao tipo de parto. Já que dessa forma, acabamos criando um “modelo correto de ser mãe” e, quando uma mulher não consegue atingir estes critérios, seja por motivo de saúde ou outros, ela pode se sentir menos preparada para seu novo papel na sociedade.

“O ato de parir é uma experiência emocional muito profunda e intensa e envolve uma regressão aos sentimentos mais básicos e primitivos, traz uma sensação de integração de sua vida inteira até aquele momento, tudo isso misturado mais a emoção de virar mãe e uma intimidade muito intensa com seu próprio corpo e seu bebê” – Lucélia Paula – psicóloga.

Para Laíza, o mais importante nesse momento é investir na estrutura do parto. “Esse é um momento muito delicado, eu sempre digo para que as mães procuram a melhor assistência, porque isso faz toda a diferença. O atendimento tem que ser humano, para que a mulher guarde esse momento de uma forma positiva”, afirmou. 

Coração de mãe

A maternidade estabelece laços que vão muito além da gestação. Algumas mulheres escolhem oferecer amor à crianças geradas por outras, e assim constroem laços fortes de respeito e amor. No Brasil, 8,7 mil crianças e adolescentes em todo aguardam uma família. Além disso, 43,6 mil pessoas que constam como pretendentes no Cadastro Nacional de Adoção. 

Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal
Adriana, Samira e Maria Vitória em Domingos Martins. 

A administradora de 44 anos, Adriana Ribeiro Matos Alves, sempre sonhou em ser mãe, mas não sonhava em passar pelo processo de gestação. Depois de sete anos de casada, Adriana ainda tentou engravidar, mas não conseguiu. Daí veio a decisão de entrar na fila da adoção. 

Adriana já estava na fila da adoção quando uma conhecida, que morava no interior de Minas Gerais, a procurou dizendo que uma mulher não teria condições de criar a filha e, por isso, a entregaria para adoção. “Me apaixonei pela Samira no mesmo instante em que a vi”, contou. 

Logo em seguida, Adriana foi surpreendida com a notícia de que sua vez na fila de adoção teria chegado. “No meio do processo de legalização da adoção da Samira, que tinha 2 anos na época, eu adotei a Maria Vitória, que na época tinha 2 anos e 6 meses”, relembrou. Administradora conta que se encantou pelas meninas já no primeiro olhar, mas que o amor é algo que se constrói diariamente. 

“Me apaixonei por elas no dia que eu as vi. O vínculo de mãe e filha foi construído no decorrer do processo. Não vejo diferença entre um filho biológico e um adotivo, não gosto de rotular. Elas são minhas filhas, a diferença física é visível e elas sabem da história. As duas me agradecem por eu ter mudado a vida delas, mas na verdade foram elas que mudaram a minha vida”- Adriana Ribeiro, mãe. 

Ao todo, são oito anos juntas, e Adriana conta que o amor só cresce a cada dia. “Elas sabem da hist´ória delas, isso é muito importante. A nossa relação é sólida, o amor flui naturalmente. Eu tenho certeza que nossa aproximação foi coisa de Deus. Não acredito com coincidências”, afirmou emocionada.