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"Nevoeiro" na menopausa: quando o cérebro sente a mudança hormonal

É cientificamente comprovado que o cérebro sente a menopausa. Falar sobre isso é vital para que as mulheres reconheçam que não estão sozinhas

Foto: Canva Pro
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Sensação de estar “fora do ar”, pensamento lento, palavras que somem da memória e dificuldade de concentração. Esses são relatos frequentes entre mulheres que atravessam a transição da menopausa – e muitos deles têm um nome: nevoeiro mental.

Recentemente, a apresentadora Fernanda Lima falou abertamente sobre o que sentiu durante esse período e ajudou a dar visibilidade a algo que, apesar de frequente, ainda é pouco reconhecido fora do ambiente médico.

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A boa notícia é que o que essas mulheres descrevem tem explicação – e tem nome.

O que é o “nevoeiro da menopausa”?

O “nevoeiro mental” (ou brain fog, em inglês) não é um diagnóstico médico formal, mas é um termo usado para descrever um conjunto de sintomas cognitivos leves, porém incômodos: lapsos de memória recente, dificuldade de atenção, raciocínio mais lento e sensação de confusão mental.

Na transição da menopausa, esses sintomas podem aparecer devido à queda nos níveis de estrogênio, hormônio que, entre outras funções, tem ação direta sobre o cérebro.

Essa conexão entre o sistema hormonal e o sistema nervoso central é bem estabelecida pela ciência.

Estrogênio e o cérebro: uma ligação comprovada

Estudos demonstram que o estrogênio atua em regiões do cérebro responsáveis por funções cognitivas. Ele tem ação no hipocampo, área central para a memória, e no córtex pré-frontal, responsável por planejamento, tomada de decisão, organização e controle da atenção.

Durante o climatério, que compreende o período de transição hormonal da mulher, os níveis de estrogênio flutuam e depois caem progressivamente. Isso impacta a atividade cerebral nessas regiões, o que pode levar aos sintomas cognitivos descritos.

Pesquisas com métodos de neuroimagem já identificaram mudanças temporárias no metabolismo e na conectividade cerebral em mulheres na menopausa.

Portanto, sim, é cientificamente comprovado que o cérebro sente a menopausa.

Mas isso é demência?

Não. O “nevoeiro” associado à menopausa não é um sinal de demência e, na maioria dos casos, é transitório.

À medida que o cérebro se adapta ao novo ambiente hormonal, muitas mulheres relatam melhora espontânea dos sintomas ao longo dos anos seguintes à última menstruação.

Além disso, fatores como qualidade do sono, nível de estresse e saúde emocional influenciam diretamente a cognição.

Distúrbios do sono e sintomas ansiosos ou depressivos são comuns nessa fase e podem piorar ou até simular queixas cognitivas.

Por isso, é importante saber que essas alterações existem, têm base fisiológica e, quando reconhecidas, podem ser abordadas com clareza e objetividade.

O que pode ser feito?

A reposição hormonal é uma das estratégias que pode ser considerada para mulheres que apresentam sintomas vasomotores intensos e alterações cognitivas incômodas.

A indicação deve ser feita por ginecologistas ou endocrinologistas, com base no histórico clínico individual e nas diretrizes atualizadas.

Alguns estudos sugerem que o início precoce da terapia hormonal, próximo à última menstruação, pode ter um efeito protetor sobre a cognição. No entanto, os benefícios devem sempre ser ponderados com os riscos, e a decisão deve ser personalizada.

Além disso, existem medidas com benefícios cientificamente comprovados para a saúde cerebral em qualquer fase da vida, incluindo a menopausa:

  • Atividade física regular melhora a oxigenação cerebral, estimula a neuroplasticidade e reduz risco de doenças neurodegenerativas.
  • Alimentação equilibrada, rica em antioxidantes e ácidos graxos poli-insaturados (como o ômega-3), favorece a saúde neuronal.
  • Sono de qualidade é essencial para consolidar a memória e manter a atenção.
  • Estimulação cognitiva contínua – por meio de leitura, estudo ou novas aprendizagens – mantém o cérebro ativo e resiliente.
  • Cuidado com a saúde mental, incluindo o tratamento adequado de ansiedade e depressão, também é essencial para preservar a função cognitiva.

O que a neurologia reconhece

A visão neurológica sobre o nevoeiro da menopausa é clara: trata-se de um fenômeno real, com base neurofisiológica bem estabelecida, e que pode impactar temporariamente a cognição de mulheres durante uma fase de grandes mudanças hormonais.

Embora não seja um sinal de doença neurológica progressiva, esses sintomas merecem atenção.

Falar sobre isso é essencial para que mais mulheres reconheçam que não estão sozinhas e que o cérebro, assim como o corpo, também se adapta à nova fase.

Com informação, cuidado e acompanhamento correto, é possível atravessar esse nevoeiro e quando isso acontece, muitas mulheres descobrem que estão mais lúcidas e potentes do que nunca.

Dra. Camila Resende

Colunista

Médica. Neurologista e Neurofisiologista (Residência médica USP - RP). Membro titular da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e da Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica (SBNC). @dracamilaresende

Médica. Neurologista e Neurofisiologista (Residência médica USP - RP). Membro titular da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e da Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica (SBNC). @dracamilaresende