ENTREVISTA

"Cuidados paliativos não são só para pacientes desenganados pela medicina", diz médica

Na entrevista especial deste domingo (23), Roseanne Courbassier, pediatra pós-graduada em Terapia Intensiva Pediátrica e em Cuidados Paliativos, fala sobre a importância da conscientização sobre o tema

Ana Carolina Monteiro

Redação Folha Vitória
Foto: Arte Folha Vitória/Reprodução Arquivo Pessoal

Eles são fundamentais na melhoria da qualidade de vida de pacientes que enfrentam doenças graves e terminais. 

Além de proporcionar suporte emocional e prático às famílias, ajudando a lidar com o impactos de cuidar de um parente doente, os cuidados paliativos proporcionam segurança, dignidade e autonomia.

Colaboram até mesmo com a redução no número de hospitalizações e visitas a emergências, através do manejo adequado dos sintomas e da coordenação do cuidado. 

Porém, ainda é preciso ampliar a conscientização da população e desmistificar o tema, já que muitos acreditam que o cuidado paliativo está diretamente ligado a pacientes no fim da vida. 

É por isso que a entrevista especial deste domingo (23) é com a médica pediatra Roseanne Courbassier Cheroto Ferreira.

Roseanne é formada pela Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (Emescam), pediatra com pós-graduação em Terapia Intensiva Pediátrica e em Cuidados Paliativos pela Fundação Educacional Lucas Machado (Feluma), em Minas Gerais, e pela Associação Médica Brasileira (AMIB), na qual foi certificada em Cuidados Paliativos Pediátricos.

Atualmente é servidora da subsecretaria de Estado de Atenção à Saúde da Secretaria da Saúde e compõe a Câmara Técnica de Cuidados Paliativos do Espírito Santo.

1) O que são cuidados paliativos?

Cuidados paliativos são definidos, conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2017) como uma abordagem que melhora a qualidade de vida de seus pacientes (adultos e crianças) e famílias e cuidadores que enfrentam problemas associados a doenças que ameaçam a vida. 

Previne e alivia sofrimento através da identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e de outros problemas físicos, psicossociais e espirituais.

2) Qual é o principal objetivo?

O principal objetivo dos cuidados paliativos é melhorar a qualidade de vida do paciente e de sua família, aliviando o sofrimento e proporcionando conforto. Por exemplo, imagine uma pessoa com câncer avançado que sente muita dor e tem dificuldade para respirar. 

Os cuidados paliativos vão ajudar a controlar a dor com medicamentos adequados, além de outras terapias visando a oferecer suporte para que a pessoa se sinta mais confortável e tranquila. 

Além disso, eles também podem fornecer apoio emocional, como conversar sobre medos e preocupações, e ajudar a família a lidar com a situação difícil.

3) Quem pode se beneficiar?

Pacientes que apresentem doenças que são limitantes e/ou ameaçadoras da vida em qualquer fase do seu ciclo, inclusive intra útero.

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4) Quais são os principais pilares do cuidado paliativo?

Os principais pilares são alívio da dor e outros sintomas físicos; suporte emocional, social e espiritual para o paciente e a família; utilizando uma comunicação aberta clara e honesta para tomada de decisões compartilhadas, respeitando o valor e crença dos indivíduos.

Além disso, oferecer um sistema de suporte que auxilie a família e o entorno afetivo a sentirem-se amparados durante todo o processo da doença; e abordagem multiprofissional para focar nas necessidades dos pacientes e familiares, incluindo acompanhamento do luto. 

Esses pilares não apenas melhoram a qualidade de vida do paciente, mas também promovem dignidade e apoio integral durante todo o processo de enfrentamento da doença.

5) Qual a diferença entre paciente paliativo e terminal?

Importante dizer que a terminalidade da vida ocorre quando as possibilidades de cura de uma condição de saúde de um paciente se esgotaram, e a morte torna-se um evento próximo, previsível e inevitável. 

Doença incurável e avançada que compreende qualquer doença, que não possui tratamento ou evolui sem resposta ao tratamento curativo disponível que irá evoluir para morte em curto ou médio prazo em um contexto de fragilidade e perda de autonomia progressiva, com sintomas múltiplos de grande impacto sobre o paciente e seus familiares. 

Doença terminal é uma doença incurável, avançada e irreversível com um prognóstico de vida limitado a semanas ou meses.

Paciente paliativo possui uma doença limitante e ou ameaçadora da vida que, em sua fase inicial, tem como foco as medidas preventivas e curativas (quando existem), além do controle de sintomas, visando à melhoria da qualidade de vida. 

Com o avançar da doença e sua irreversibilidade, há uma transição dos cuidados para foco nos cuidados de fim de vida. Por exemplo, um paciente com câncer pode receber cuidados paliativos para aliviar dor e sintomas, mesmo que a doença não seja considerada terminal. 

Já o paciente terminal está em estágio avançado e irreversível de uma doença com expectativa de vida curta, na qual há transição do objetivo do cuidado para foco no conforto e qualidade de vida. 

Outra situação: um paciente com doença terminal em fase final de câncer com metástases pode receber cuidados paliativos exclusivos para garantir conforto e dignidade até o fim da vida.

Em resumo, enquanto todos os pacientes terminais são pacientes paliativos, nem todos os pacientes paliativos são terminais.

6) O que não pode faltar nos cuidados paliativos?

Alívio dos sintomas, apoio emocional, social e psicológico, comunicação clara e honesta, suporte espiritual e existencial, cuidados integrados, planejamento avançado de cuidados, qualidade de vida até o fim e suporte aos familiares, inclusive durante o processo de morte e luto. 

Esses elementos juntos formam uma abordagem abrangente e humanizada nos cuidados paliativos, visando não apenas o tratamento dos sintomas físicos, mas também ao bem-estar emocional, espiritual e social dos pacientes e de suas famílias.

7) Familiares de pacientes também devem receber cuidados paliativos?

Sim, os familiares de pacientes também enfrentam uma jornada árdua e emocionalmente desafiadora ao lidar com doenças ameaçadoras da vida. 

Eles vivenciam uma montanha-russa de emoções, como medo, tristeza, esperança e desamparo. A incerteza sobre o futuro do ente querido, combinada com o impacto prático e emocional da prestação de cuidados, pode ser esmagadora. 

Os cuidados paliativos destinados aos familiares incluem apoio emocional, informações claras sobre a condição do paciente, assistência prática no cuidado diário e suporte espiritual e social, todos essenciais para ajudá-los a enfrentar essa jornada com mais conforto e compreensão.

8) Que profissionais fazem parte da equipe de cuidado paliativo?

A equipe de cuidados paliativos mínima inclui médicos, enfermeiros , assistentes sociais e psicólogos . 

Ela pode ser acrescida de demais profissionais, como fisioterapeutas, fonaudiólogos, terapeutas ocupacionais, nutricionistas e capelão(ã) e dentista, conforme a necessidade do paciente e de sua família. 

Juntos, eles proporcionam um cuidado abrangente e personalizado, abordando não apenas os aspectos físicos, mas também emocionais, sociais e espirituais dos pacientes em cuidados paliativos.

9) Qual nível de conscientização do tratamento paliativo no Brasil e no ES?

No Brasil, a conscientização e implementação dos cuidados paliativos ainda é baixa, porém têm avançado, mas ainda há desafios significativos. 

Segundo dados do Observatório de Cuidados Paliativos, em 2021, apenas cerca de 10% dos pacientes que necessitam de cuidados paliativos no país têm acesso a eles de forma adequada. 

No Espírito Santo, a situação reflete o panorama nacional, com esforços contínuos para melhorar a disponibilidade e o acesso aos cuidados paliativos. Segundo o 2º Atlas de Cuidados paliativos da Academia Nacional de Cuidados Paliativos, publicado em 2022, o nosso Estado possui apenas dez serviços, representando 4,2% no quantitativo nacional.

10) Cuidados paliativos são apenas para pacientes desenganados pela medicina?

Não, cuidados paliativos não são apenas para pacientes desenganados pela medicina. 

Embora esses cuidados sejam frequentemente associados a pacientes em estágios avançados de doenças graves ou terminais, eles são projetados para beneficiar qualquer paciente que esteja enfrentando uma doença limitante e ou ameaçadora da vida, que impacte significativamente sua qualidade de vida. 

Os cuidados paliativos devem ser iniciados desde o momento do diagnóstico e podem ser oferecidos em conjunto com tratamentos curativos. Eles visam aliviar sintomas como dor e outros sintomas estressantes, melhorando o conforto físico, social e psicológico do paciente. 

Portanto, cuidados paliativos proporcionam suporte abrangente e holístico, independente do estágio da doença, ajudando pacientes e suas famílias a enfrentar os desafios da doença com dignidade, compaixão e qualidade de vida.

11) Quais os maiores desafios a serem superados quando se fala de cuidados paliativos?

Os principais desafios nos cuidados paliativos incluem conscientização limitada, acesso irregular aos serviços especializados, integração insuficiente no sistema de saúde, estigma associado à morte, especialmente na pediatria, recursos financeiros escassos, necessidade de melhor formação para profissionais de saúde, adaptação cultural e falta de planejamento avançado de cuidados.

Superar esses desafios requer investimento em educação, infraestrutura e políticas de saúde adequadas para garantir que todos os pacientes tenham acesso a cuidados paliativos de qualidade.

Em maio deste ano, tivemos na área um grande avanço com a publicação da Portaria GM/MS Nº3.681, instituiu a Política Nacional de Cuidados Paliativos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Ela vai orientar a implantação sistematizada dos Cuidados Paliativos no país.

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