Gastos com judicialização da Saúde vêm caindo no ES, mas questão ainda é desafio
Apesar da redução, os gastos milionários ainda demonstram grande necessidade de ingressar com demandas na Justiça para ter o direito à Saúde atendido pelo SUS
Desde o ano de 2018, o orçamento dispensado no Espírito Santo no que diz respeito à “Judicialização da Saúde” vem caindo. De acordo com informações da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), enquanto naquele ano foram gastos R$ 185 milhões, em 2021, de acordo com dados mais recentes contabilizados, o valor empregado alcançou a marca de R$ 88 milhões.
Apesar da redução, os gastos milionários ainda demonstram uma grande necessidade da população de ingressar com demandas na Justiça para ter o direito à Saúde atendido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que tem garantido o acesso universal, segundo a Constituição Federal. Veja:
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
O assunto, de interesse de toda a sociedade, será tratado no Congresso Brasileiro Médico e Jurídico da Saúde (ComedJus), que será realizado em Vitória, entre os dias 29 e 31 de agosto.
Causas da redução nos processos
De acordo com Cristiano Luiz Ribeiro de Araújo, gerente de Demandas Judiciais em Saúde da Sesa, a queda pode ter duas causas principais. Entenda:
• Melhor organização e melhoria nos processos de atendimento e dos fluxos regulatórios, mesmo antes do início da pandemia de covid-19;
• O legado da pandemia, com expansão dos hospitais, aceleração da melhoria nos processos regulatórios. “Diminuiu, de forma drástica, o tempo que se esperava por leitos. Poderia dizer que hoje se espera ¼ do que se esperava antes. Também houve um incentivo maior à atenção primária e ambulatorial, somada à expansão de leitos, reduzindo demandas por internação e tempo de espera, que hoje costuma ser menor do que 24 horas”, disse.
De acordo com o gerente, apesar da redução na judicialização dos casos, ainda há temas que continuam encontrando barreiras. Mesmo com maior número de leitos, ainda há quem entre na Justiça para obter o direito à internação ou a alguma cirurgia. Outro fator que leva a judicializar é a busca por medicamentos não incorporados ao sistema ou tratamentos de saúde mental.
“De todo modo, o percentual de ações na Justiça com ganho de causa é muito alto e é objeto de um debate muito grande, inclusive com o judiciário. Por vezes, isso acaba criando dificuldades ao sistema de saúde, por acabar priorizando quem demanda em vez de quem tem mais necessidade clínica. Acho que seria o caso de se definir um limite claro”, opinou.
Já para a advogada Luciana Batistoni, que atua em causas envolvendo a saúde, as principais demandas envolvem questões neurológicas. “Os pedidos que mais chegam a mim são por tratamentos para Autismo e atrasos no desenvolvimento de crianças com síndromes raras e outras questões neurológicas. Mesmo com comprovação científica de eficácia, os principais métodos e abordagens mais recomendados pelos especialistas ainda são sonegados aos pacientes”, acrescentou Batistoni.
Por que ainda há tantas demandas?
Para Cristiano Araújo, mesmo em redução, as demandas continuam existindo em grande quantidade por conta de um contexto em que o sistema de saúde está inserido. “Há um fluxo de regulação com participação dos entes federativos, cada um com sua responsabilidade”. Segundo ele, existem duas situações diversas para demandar a Justiça:
• Há situações em que a pessoa acessa à Justiça para ter acesso a uma prestação de saúde, porque teve dificuldade de acesso;
• Há ainda situações distintas, em que são demandados medicamentos ou tecnologias que não foram incorporados ao sistema do SUS.
“Há uma quantidade de recursos e uma carteira de serviços, sendo que alguns ainda não foram colocados à disposição da rede pública. Há tratamentos, por exemplo, que são muito novos e que, por vezes, têm um custo muito alto e é preciso ter esse cálculo de que há condições de atender. Existe uma comissão para avaliar tudo isso”, frisou.
Já para Batistoni, o motivo de ainda haver tantas demandas se deve a outras questões. “Deve-se à inexistência de profissionais qualificados e especializados nos métodos indicados, e, mesmo quando esses existem junto aos serviços postos à disposição do usuário, não há vagas ou quantidade de sessões suficientes para o tratamento correto e eficaz”, disse a jurista.
Há demora no provimento dessas causas pela Justiça?
Devido à urgência das demandas que envolvem saúde, a maioria das decisões dos pedidos vêm na forma de liminares, que são avaliadas entre 24 e 48h. Para a advogada Luciana Batistoni, a grande dificuldade tem sido o cumprimento satisfatório das decisões.
“Apesar disso, os processos dessa natureza podem demorar anos para serem julgados por sentença de mérito, que é a decisão definitiva. Mas via de regra, o advogado irá pedir a antecipação dos efeitos da tutela, por meio desta liminar, que será apreciada no início do trâmite processual”, explicou.
Responsabilidade de cada ente público
Muitas vezes o interessado em entrar com uma ação na Justiça para ver seu direito garantido na prática, acaba não sabendo de qual ente federativo cobrar, se do município, estado ou União. Apesar disso, Batistoni esclarece que existe uma “responsabilidade solidária”, ou seja, de todos, em conjunto.
“Todos respondem solidariamente por uma determinada demanda de saúde de responsabilidade de determinado ente estatal. Acaso a responsabilidade de fornecer determinada medicação seja do Estado, por exemplo, ainda que o cidadão tenha entrado contra o Município, não haverá prejuízo, pois qualquer dos entes poderá ser demandado para cumprir a obrigação, em razão da solidariedade que os rege no Sistema Único de Saúde”, pontuou.
Dados do CNJ
Segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ainda neste mês de agosto, há 523,2 mil processos pendentes em termos de assistência à saúde no país, o que indicaria, considerando que a população brasileira seja de 213,3 milhões de habitantes, que há 2,45 processos por mil habitantes.
A região Sudeste é a terceira com maior número de demandas, atrás do Centro-Oeste e Sul, que é campeão em busca pela judicialização dos casos.
Também no país, o tempo médio até o julgamento de um processo de saúde apresenta uma média de 432 dias, levando-se em consideração os últimos 12 meses, calculados em maio de 2022.
Na capital do Espírito Santo, há 4,44 mil processos pendentes de decisão definitiva. Com um número de 369,5 mil habitantes contabilizados, isso significa que há 12,01 processos por mil habitantes, quantidade bastante acima da média nacional.
Em comparação com o município vizinho, Vila Velha, que tem uma população de 508,7 habitantes, há o total de 1,69 mil processos esperando serem julgados, o que representa 3,33 por mil habitantes.
Até este momento em 2022, em termos de decisões já tomadas pela Justiça, um total de 1.001 processos já foram julgados com relação à saúde. O tempo médio, na capital, para julgamento definitivo, é de 418 dias.
Congresso em Vitória vai tratar do tema
Já na nona edição, o Congresso Brasileiro Médico e Jurídico da Saúde (ComedJus), que será realizado em Vitória, entre os dias 29 e 31 de agosto, tratará de temas caros à saúde, em que será debatida uma assistência de qualidade, no tempo certo e modo adequado. O evento terá a presença de personalidades da Saúde e da Justiça, entre elas o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski.
Durante o evento, temas como o rol da Agência Nacional de Saúde (ANS), telemedicina, bioética, violência obstétrica e novas tecnologias do Sistema Único de Saúde (Sus) serão abordados.
O evento terá a presença de personalidades ilustres da Saúde e da Justiça, entre elas:
• o presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar, Paulo Rebello Filho;
• o presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres;
• o ministro do STF, Ricardo Lewandowski;
• o ministro do STJ, Paulo Dias de Moura Ribeiro.
O presidente do Conselho Regional de Medicina no Espírito Santo, Fabrício Gaburro, coordenará uma mesa de debates e fará uma exposição sobre os problemas do sistema de saúde pública no Espírito Santo.
“Garantir uma assistência de saúde de qualidade para a população exige uma gestão séria, responsável, que se paute por garantir as melhores condições possíveis de trabalho ao profissional de saúde e, principalmente, um atendimento de qualidade ao cidadão capixaba”, afirmou.
Segundo a presidente da Associação Brasileira de Advogados em Saúde (Abras) e coordenadora Executiva e Científica do Congresso, Clenir Sani Avanza, o objetivo é ampliar e qualificar o debate sobre o tema.
“É fundamental que esse diálogo, entre os sistemas de Saúde e de Justiça, seja fomentado. Mesmo depois de três décadas da atual Constituição, a Saúde ainda enfrenta imensos obstáculos para chegar à população que precisa da assistência pública ou da saúde suplementar com a qualidade necessária”, destacou a advogada.