Saúde

"Cultura do médico no Brasil é muito centrada no especialista", avalia professor de Harvard

Robert Janett é consultor em Atenção Primária e um dos palestrantes do "Saúde em Fórum", evento que acontece nesta sexta-feira (4), em Vitória

Maria Clara Leitão

Redação Folha Vitória
Foto: Acervo pessoal

O professor da Harvard Medical School e médico consultor em Atenção Primária Robert Janett é uma das presenças confirmadas no “Saúde em Fórum: Conectando Quem Produz Saúde”, evento que acontece nesta sexta-feira (4) em Vitória.

Durante o fórum, o especialista discutirá a atenção primária estratégica. O evento será o momento de maior discussão de saúde que o Espírito Santo já teve e reunirá CEOs e investidores de grandes instituições privadas e públicas da área da saúde, além de representantes de instituições como Senac, Sebrae, Deloitte, Unidas, Hugb e Harvard.

Em entrevista exclusiva ao Folha Vitória, o professor Robert Janett explicou que a cultura de valorização da Atenção Primária à Saúde é ponto de partida essencial para a popularização da prática. 

"Os cuidados primários tratam dos relacionamentos e de conhecer o paciente como um todo. Não apenas cuidando de suas necessidades biológicas e necessidades episódicas, mas cuidando de todas as necessidades biopsicossociais da pessoa para manter e alcançar a saúde", declara o especialista norte-americano.

CONFIRA A ENTREVISTA COMPLETA:

Quais as características positivas da atenção primária nos EUA que poderiam ser adotadas no Brasil?

Robert Janeet - Os cuidados primários, no seu melhor, tratam de relacionamentos e de conhecer o paciente na totalidade.

Um segundo ponto é que a atenção primária integral atende a pessoa na totalidade, não apenas suas necessidades biológicas e não apenas suas necessidades episódicas. Ela cuida de todas as necessidades biopsicossociais da pessoa para manter e alcançar a saúde.

O modelo tradicional de atenção primária envolve uma abordagem passiva, na qual o médico espera que o paciente decida apresentar uma condição.

O médico trata a condição e basicamente passa para o próximo caso sem pensar ou dar mais atenção à pessoa que acabou de sair. No novo modelo, somos responsáveis ​​por toda uma população de pacientes.

Quais os principais obstáculos e perspectivas para o setor da Saúde?

O obstáculo número 1 é a cultura, a cultura dos médicos e a cultura dos pacientes. A cultura do médico no Brasil é muito centrada no especialista.

Não há muita atenção dada à atenção primária. E, infelizmente, isso significa que os pacientes não obtêm os benefícios dos serviços de cuidados primários avançados generalizados.

Devemos trabalhar com especialistas nisso para podermos ajudá-los a fornecer cuidados mais coordenados. E também para o especialista poder reduzir a fila de espera para tratar a doença na qual ele é formado como especialista. Tratar sem peso e sem demora ajuda, na verdade, todo o sistema de saúde.

Isso envolve até exames que não seriam necessários?

Os pacientes esperam, especialmente na América do Sul, que a única boa assistência médica seja a assistência médica especializada. Esperam que as queixas sejam uma conexão para um serviço de alta complexidade, fazendo exames de imagem avançados para dor de cabeça ou endoscopia para dor de estômago, entre outros. 

Quando meus pacientes brasileiros, atendo muitos deles em Boston, nos Estados Unidos, aparecem no meu consultório, eles ficam realmente surpresos, pois conseguimos resolver 85% a 90% dos problemas deles no próprio consultório sem usar imagens avançadas, sem usar muitos testes de laboratório caros, etc.

Além disso, eles não precisam marcar vários compromissos com várias pessoas diferentes em lugares diferentes. Eles se acostumam com a ideia de que a maioria de seus problemas podem ser resolvidos em uma clínica de cuidados primários bem orientada. Ficam muito felizes com isso.

Como você vê o Sistema Unificado de Saúde do Brasil, o SUS?

Eu acredito que os norte-americanos veem o SUS com uma certa "inveja". Isso porque os Estados Unidos, mesmo sendo a maior economia do mundo, não conseguem estabelecer um sistema de saúde para todos. 

O SUS oferece um serviço de qualidade para todos e por todos o país, até mesmo nos lugares mais remotos do Brasil.

Além disso, o sistema é considerado muito inclusivo para todos, em todas as favelas e até mesmo nas regiões mais remotas vemos um posto de saúde. Entretanto, acredito que ainda falta uma integração entre as tecnologias utilizadas.

Entretanto, gostaria de enfatizar que os problemas da Saúde no Brasil não são ´únicos do Brasil. Vários lugares ao redor do mundo estão lutando para enfrentar as suas questões e desafios e vou mostrar isso durante a palestra no fórum em Vitória.

Empresas privadas de saúde entendem que a atenção primária à saúde é importante, oferecendo serviços que podem ajudar no futuro?

Posso falar sobre as empresas dos Estados Unidos. As seguradoras de saúde do setor privado nos Estados Unidos adotaram plenamente o valor de cuidados primários robustos como uma estratégia para melhorar os resultados, melhorar a qualidade e reduzir o desperdício por meio da melhoria da eficiência.

Dito isto, infelizmente os orçamentos para cuidados primários nos Estados Unidos são baixos. Aproximadamente 5,4% da verba da saúde são dedicados ao pagamento de cuidados primários nos EUA.

Nas grandes democracias europeias, onde os cuidados primários estão mais profundamente enraizados e presentes há muito mais tempo, os países gastam entre 12 e 17% do seu orçamento de saúde em cuidados primários. 

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