"As políticas públicas de educação em saúde bucal ainda são tímidas", diz especialista
Nesta entrevista especial de domingo, a odontologista Flávia Gama fala sobre a importância da saúde bucal para prevenir doenças como diabetes e até problemas no coração
Clichês à parte, aquela frase que diz bem assim, "a saúde começa pela boca", é total verdade e faz muito sentido. Porém, em meio a um mundo onde a rotina cheia de tarefas às vezes mascara o que realmente importa, algo pode acabar negligenciado: a saúde bucal.
Estudos e pesquisas apontam que problemas ligados à boca podem impactar não apenas a qualidade de vida, mas também contribuir para uma série de doenças. É fato: que se passa pela boca pode repercutir por todo o corpo. A boca é a porta de entrada para o organismo. Não apenas o que comemos impacta no corpo humano, mas o modo como mantemos a nossa boca limpa e bem cuidada, também.
LEIA TAMBÉM:
>> Quando é a hora de procurar um psicólogo para seu filho? Veja 13 sinais
>> Anvisa suspende venda e propaganda de "chips da beleza"
>> Alimentação e acúmulo de gordura no fígado: saiba o que diz a ciência
Diabetes, doenças cardiovasculares e até problemas respiratórios são apenas alguns dos problemas que podem surgir quando negligenciamos a saúde bucal. De acordo com especialistas, a presença de bactérias nocivas na cavidade oral pode chegar na corrente sanguínea, desencadeando inflamações que afetam órgãos vitais.
Na reportagem especial deste domingo (20), a reportagem do Folha Vitória ouviu a Cirurgiã-dentista, Especialista em Ortodontia, Flávia Gama.
A especialista falou sobre doenças, falta de políticas públicas de educação em saúde bucal, explicou como escovar os dentes corretamente, além da dificuldade de acesso aos cuidados odontológicos ainda ser um desafio a ser superado .
1) A saúde bucal está diretamente ligada com a saúde geral do corpo?
Flávia Gama - Sem dúvidas! Aquela frase clichê “saúde começa pela boca” é a mais pura verdade. Os cuidados com a higiene bucal e a manutenção da saúde oral podem evitar doenças importantes que podem levar o indivíduo a morte.
Problemas na boca como gengivites, infecções e cáries podem afetar o coração, por exemplo. Existe também relação entre doença periodontal, diabetes e prematuridade de bebês.
Sem falar de autoestima, bem-estar e qualidade de vida que são amplamente afetados quando o paciente apresenta problemas e dores em dentes e gengivas.
2) O que a boca pode nos dizer sobre a nossa saúde? Sinais de alerta!
Algumas doenças do corpo podem ter manifestações orais, assim como o uso de alguns medicamentos e quadros de desnutrição. Sendo bem objetiva, vou citar alguns exemplos:
Existem gengivites que podem estar associadas a diabetes melitus, discrasias sanguíneas, gravidez, puberdade, uso de determinados medicamentos, deficiência de ácido ascórbico. Existem lesões gengivais que podem estar relacionadas a infecções pelo herpevírus, varicela zoster, herpes oral recorrente, fungos etc.
Além disso, existem manifestações bucais que podem estar também relacionadas com o HIV, com leucemias ou com desordens genéticas.
Isso quer dizer que a boca pode demonstrar diversos problemas que estão acontecendo no corpo e a consulta periódica com o dentista é fundamental para a avaliação e detecção de sinais de alerta.
O que é a saúde bucal?
É um conceito que não está restrito somente a ausência de cáries e inflamações. Inclui também a capacidade plena das funções desempenhadas pela boca, como fala, mastigação e deglutição.
Portanto, seria o equilíbrio de dentes e gengivas saudáveis e uma boa posição dentária que garanta também as funções citadas acima, autoestima e bem-estar. Na ausência de dentes, é possível ter este equilíbrio através das reabilitações dentárias com próteses e implantes.
É importante entender como os cuidados devem estar presentes na rotina da população? Por quê?
Sim, uma população bem instruída, capacitada e informada sobre os hábitos básicos de higiene bucal trará como resultado indivíduos mais saudáveis, com menos demandas no âmbito da saúde geral.
Dessa forma, haverá a redução do risco de complicações orais e do custo de tratamentos futuros. Escovar os dentes e usar fio dental deve ser encarado como uma rotina diária obrigatória, não como “bons hábitos”. É básico e necessário para a saúde geral do corpo.
5) O acesso aos cuidados odontológicos ainda é um desafio a ser superado? Quais os maiores gargalos?
Infelizmente sim. Apesar dos municípios oferecerem atenção básica, existem especialidades que não são contempladas para a população de maneira gratuita em alguns municípios (a exemplo: implantes, aparelhos ortodônticos, próteses).
O acesso ainda é insuficiente para a quantidade de indivíduos que precisam de tratamento e a espera pode ser longa. Além disso, as políticas públicas de educação em saúde bucal ainda são tímidas.
Uma opção para a população que busca atendimento são as escolas de Odontologia que oferecem atendimento gratuito e até mesmo as escolas de pós-graduação, que oferecem tratamentos por valores mais acessíveis.
Cuidados alimentares são fundamentais para a saúde da boca? O que prejudica e o que contribui?
Sem dúvidas. Já é de amplo conhecimento que alimentos açucarados são inimigos da saúde bucal. Especialmente os alimentos pegajosos como balas e chicletes que grudam na superfície dos dentes.
Mas é importante frisar que não só os doces causam cáries, mas também carboidratos que são ricos em açúcar. Alimentos ricos em frutose e sacarose também são considerados “causadores da cárie”.
Outro ponto importante a ressaltar são os alimentos e bebidas ácidas que prejudicam a estrutura do esmalte. Refrigerantes, limão, carambola, são exemplos. Uma dica é aguardar alguns minutos para fazer a escovação dos dentes depois do consumo de ácidos.
Em contrapartida, alimentos como frutas e vegetais crus ajudam na limpeza mecânica dos dentes e estimulam a salivação. Alimentos ricos em cálcio também ajudam a fortalecer os dentes (queijos, laticínios, nozes, amêndoas, chia, espinafre, couve, alface).
O consumo de água também contribui para a neutralização de ácidos que prejudicam a estrutura dentária.
Com que periodicidade deve-se fazer uma visita ao dentista?
O ideal é que o paciente busque uma consulta periódica a cada 6 meses para limpeza e avaliação geral.
Caso o dentista observe algum fator de risco para doenças da gengiva, por exemplo, pode ser necessário que o paciente retorne ao consultório em um intervalo menor, determinado pelo profissional.
Quando os cuidados com a saúde bucal devem começar?
Assim que os primeiros dentinhos apontam na boca do bebê já devem ser escovados com escova e pasta infantil com flúor. Observando-se a quantidade do tamanho de um caroço de arroz cru para a pasta de dentes.
O bebê deve ser levado para consulta com Odontopediatra para as devidas orientações e acompanhamento. Instituir boas práticas desde a infância previne problemas futuros.
Quais os cuidados básicos para se garantir uma boa higiene bucal? Pasta, escova, fio dental… Como escolher?
Boa técnica de escovação que dure em média 3 minutos, escova de dentes com cerdas macias, pasta de dentes com flúor e uso do fio dental. Escovação de no mínimo 3 vezes ao dia: ao acordar, após o almoço e antes de dormir.
Evitar o consumo de alimentos cariogênicos de maneira frequente durante o dia. Existem vários vídeos disponíveis na internet que ensinam a técnica de escovação adequada.
Lembre-se de não exercer muita força durante a escovação para não danificar as gengivas.
Qual a importância de conhecer o histórico de cada paciente?
No âmbito das condições de saúde do paciente, existem problemas de saúde que podem impactar no próprio atendimento odontológico como a hipertensão, a diabetes, problemas de coagulação no sangue, alergias, etc.
Para um atendimento seguro, o dentista deve fazer perguntas completas sobre o histórico de saúde do paciente (o que chamamos de anamnese) e assim conduzir o tratamento com mais segurança.
Uma boa anamnese permite que o dentista identifique predisposições a determinadas condições, minimizando o risco de complicações durante o tratamento.