Violência sexual: especialista fala sobre a importância da terapia no processo de recuperação
Para mitigar as consequências traumáticas paras as vítimas, a especialista recomenda que o tratamento com profissional da saúde mental se inicie o quanto antes
Cento e oitenta mulheres, em média, são estupradas no Brasil todos os dias. Meninas de até 13 anos de idade, cerca de 53% dos casos, são as maiores vítimas desse tipo de violência, que, infelizmente, vem crescendo anualmente no país. Além das marcas físicas que esse tipo de crime pode deixar, cicatrizes emocionais também são geradas nessas situações e, quando não tratadas, podem trazer consequências psicológicas para as vítimas e seus familiares.
“É pouco comum que as vítimas construam, logo no início do processo terapêutico, uma conexão clara entre a violência sofrida e a queixa que as levam ao tratamento terapêutico. Inicialmente, o que leva essas pessoas à terapia não é o abuso sofrido, mas vários tipos de conflitos e dificuldades geradas a partir de então, como comportamento agressivo, perturbações no sono, na sexualidade, baixa auto-estima, dificuldade de fazer vínculo social, isolamento, sentimento de desamparo, vergonha, problemas relacionados à alimentação como obesidade, bulimia e anorexia, depressão, ideações suicidas, dependência química e uma série de outros transtornos psiquiátricos”, detalha a psicanalista e terapeuta Samiza Soares.
Para mitigar as consequências traumáticas paras as vítimas, a especialista recomenda que o tratamento com profissional da saúde mental se inicie o quanto antes.
“A maioria das pessoas que sofreram abuso sexual na infância e/ou adolescência só procura atendimento psicológico muitos anos depois do ocorrido, mas a terapia é muito importante no acolhimento, na orientação, no processo de verbalização do fato e na compreensão da experiência por parte da vítima. A partir disso, é possível fazer o resgate da autoconfiança e da identidade de quem passou por esse tipo de violência. Esse trabalho também é importante para ajudar a entender que a culpa não deve ser atribuída a si própria, e tão pouco aos motivos externos que levaram o agressor a praticar o ato”, esclarece.
Segundo os dados do 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, referente ao ano de 2018 (data da última atualização do estudo que começou a ser feito em 2007), a cada dez estupros, oito ocorrem contra meninas e mulheres e dois contra meninos e homens. Recentemente o caso envolvendo a modelo Mariana Ferrer, trouxe à tona a situação alarmante desse tipo de crime no país e mostra que os agressores não fazem distinção de cor, raça e nem idade.
“Observei que 60% dos casos de pacientes vítimas de estupro que já atendi, o agressor era alguém da família da vítima, 25% eram pessoas próximas e apenas 15% eram desconhecidos da vítima. Além disso, faço parte do conselho executivo do Abrigo Nascer, instituição que cuida de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social em Manaus, e percebo que muitas vezes o abuso acontece dentro do convívio familiar, por isso, precisamos estar atentos às mudanças de hábitos das nossas crianças, nossos filhos, sobrinhos e netos”, orienta a Dra. Samiza Soares.
Outro alerta feito pela especialista em saúde mental é no acolhimento aos familiares das vítimas que, em muitos casos, também são violados indiretamente.
“É importante que os familiares que convivem diretamente com a vítima tenham apoio terapêutico, para lidarem com a situação. Todo o processo de denúncia, depoimentos na delegacia policial, abertura do processo, audiências e etc é muito desgastante psicologicamente, e ter alguém para orientar pode reduzir o peso da situação”, finaliza.