Cirurgião plástico mais antigo do Espírito Santo, Rogério Ottoni é uma máquina de trabalhar e contar histórias. Aos 81 anos e com um grande entusiasmo, bom-humor e alegria, da época em que era apenas um jovem trabalhador, o médico recebeu o Folha Vitória em seu consultório e recordou fatos marcantes da vida.
Formado em 1968 na Faculdade Nacional de Medicina, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ottoni passou três anos em um curso de especialização com o mestre Ivo Pitanguy.
No ano de 1972, se mudou para Vitória e se tornou o primeiro médico de formação em cirurgia plástica no Espírito Santo.
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Já no ano de 1978 foi criada a Sociedade de Cirurgia Plástica LTDA (Socipla), na Praia do Canto, em conjunto com o cirurgião Luiz Fernando Soares de Barros. O local foi um marco da cirurgia no Estado, até a venda do espaço em 2023.
Em um grande consultório, localizado no coração da Praia do Canto, em Vitória, de maneira informal, o cirurgião descreveu as principais experiências e fatos marcantes da cirurgia no Espírito Santo.
Como foi o início da trajetória da cirurgia no Espírito Santo?
Rogério Ottoni – Fui o primeiro cirurgião com especialização em cirurgia plástica no Espírito Santo. Tinham outros dois que exerciam a cirurgia, mas não eram especialistas. Entretanto, um faleceu e o outro se mudou. Com isso, fiquei sozinho em Vitória.
Eu trabalhava em todos os hospitais. Naquela época, atuava na parte de urgência. O problema é que, com muitos acidentes, eu trabalhava direto em todos os hospitais.
Em qual área dentro da cirurgia plástica mais atuou?
Aqui em Vitória trabalhei mais na chamada cirurgia reparadora, ou seja, para pacientes que sofreram queimaduras ou acidentes.
Fiquei na Santa Casa por cinco ou seis anos atendendo no centro de queimados e também no Hospital Infantil.
Como eu era o único cirurgião plástico, me pegaram para tratar os queimados do Hospital Infantil. Lá, eu sofria muito, porque não tinha enfermaria, não tinha nada. Atendia os queimados juntamente com pacientes de doenças infecciosas de pele, ou seja, passava para os outros.
Com o passar do tempo, consegui com a autorização do hospital com que minha irmã arrecadasse dinheiro com firmas que existiam no Espírito Santo para montar um serviço de queimadura no Hospital Infantil e isso foi realmente conseguido.
Existe algum caso considerado emblemático?
Toda queimadura envolvendo criança é considerada um caso emblemático e muito delicado. Quando apareciam crianças com 80% e até 90% do corpo queimado, era um problema sério.
Felizmente, muitos a gente resolvia bem, entretanto, no início era bem complicado porque a maioria das vítimas tinha problemas com infecção e não conseguíamos reverter.
Mas com o serviço especializado em queimados melhorou muito! Foram criadas as áreas de isolamento, estava sem contaminação, fluía bem melhor.
Como foi ser discípulo do Ivo Pitanguy?
Foi surreal! Ele é um profissional fora de série, aprendi muito, coisas inimagináveis. E ele nada tinha de soberba, era como um pai nosso mesmo.
Como era a relação entre cirurgiões da face e dentistas?
Naquela época não existia cinto de segurança, então a maioria dos acidentes era de fraturas de face, traumatismo craniano e eu sempre trabalhei com os dentistas, não havia briga de especialidades, nenhuma dificuldade no relacionamento entre nós.
Hoje em dia já existe uma certa “briguinha entre essas especialidades”, mas naquela época era tudo tranquilo e trabalhávamos em harmonia.
Como o senhor avalia a evolução da medicina, principalmente na sua área?
A medicina evoluiu muito, começaram a surgir equipamentos melhores, medicações melhores, um aperfeiçoamento muito grande, técnico e científico. Isso tudo facilitou não apenas a cirurgia plástica, mas como toda a medicina.
Naquela época não existia fibra ótica, era tudo mais individual. O que acontece é o seguinte: a super especialização dificultou a relação médico x paciente. Porque antigamente não existia tomografia, era na base do exame clínico, tinha que avaliar todo o paciente e o histórico.
Hoje em dia, um paciente muitas vezes nem é analisado pelo médico, vai logo realizar os exames. Na minha época não, tinha que avaliar, conferir o histórico, e a partir disso se chegava ao diagnóstico para um tratamento eficaz.
Como o senhor se sente sendo o cirurgião plástico mais antigo do Estado?
Me sinto velho (risos), mas é bom, porque a gente vê como as coisas melhoraram, até os ambientes de trabalho, tudo isso melhorou muito.
Sendo o primeiro do Estado, lógico que muitos me buscavam, operei todos os tipos de pacientes.
Uma época, eu trabalhava muito, para a profissão foi bom, mas, ao mesmo tempo, ruim porque o convívio com a família era difícil. Sábado e domingo fazia planos, na hora de viajar o hospital me chamava e com isso se desfazia todo o passeio da família do fim de semana.
Na cirurgia reparadora qual técnica considera fundamental atualmente?
As técnicas nunca mudaram, elas foram apenas se aperfeiçoando com o tempo. Existe uma técnica-base que foi aperfeiçoada, muitas vezes por conta da facilidade e mudanças de equipamentos.
Antes fazíamos cirurgia e não existia bisturi elétrico para realizar a cauterização dos vasos, então quando sangrava, tínhamos que amarrar vaso por vaso. Agora, você cauteriza um vaso e está tudo tranquilo.
A medicação também evoluiu. Não podia usar adrenalina, havia uma incompatibilidade. Em uma cirurgia de nariz, que sangra, agora a gente coloca adrenalina e fica mais fácil.
Naquela época, a ´única coisa para evitar o sangramento que ajudava era a cocaína e fazíamos a vasoconstrição. A cocaína foi proibida, por conta dos vícios. A evolução da medicação facilitou muito.
O senhor foi auditor no Ministério da Saúde. Como foi essa experiência?
Tinha que fazer fiscalização no Brasil inteiro e ia para vários lugares do mundo. Mas tenho histórias interessantes dessa época.
Todo estado tem uma unidade de auditoria. Eles preferem fazer isso com pessoas de estados diferentes. Fazia denúncias e outras mais complicadas em outros estados.
Às vezes, tinha uma cidade do interior, por exemplo, no Piauí, em que chegava lá e a maioria era denúncia relacionada à política. Mas no local ninguém falava nada. Todo mundo chegava para ver o que acontecia.
Passou por alguma situação inusitada durante essas auditorias?
Sim. No interior da Bahia havia saído no jornal que uns criminosos tinham roubado um carro da Polícia Federal e estavam andando com ele.
Estávamos fazendo auditoria com uma caminhonete dessas grandes, da prefeitura de Salvador, e seguíamos para o interior.
Quando a gente parou na cidade, todo mundo correu, no bar não tinha ninguém. Fugiu todo mundo. Descobrimos que eles estavam achando que fôssemos os assaltantes. Corremos também para ir embora.
Quando chegamos na estrada, dava até pena, tinha uns guardinhas de cidade com arma na mão. Mas dava para ver que estavam com medo, achando que fôssemos os assaltantes.
Só depois ficamos sabendo que tinham assaltado o carro da PF e achávamos que fôssemos os policiais. Mas eu nunca iria imaginar que conheceria o Brasil de cima até embaixo com esse trabalho e com as viagens.
O senhor também atuou nas Forças Armadas. Como foi essa fase?
Na época, todo mundo que não servia o Exército deveria servir. No meu ano, em 1968, resolveram isso. Como eu ia fazer o curso do Pitanguy mais para frente, teria que esperar, com isso servi na Aeronáutica.
Fui para a Base Aérea de Santa Cruz, lá havia um grupo embarcado, que era o de porta-aviões, onde em cada um deles havia um médico disponível. Em determinado momento virei esse profissional e nem acreditava no que estava acontecendo.
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