adolescencia série
Reprodução: Netflix

“Você está bem?” — “Não sei.”

“Todo mundo tem dúvida, só não fala.”

“Você mudou.” — “Eu tô mudando.”

Essas frases curtas, ditas ao longo da série Adolescência, carregam mais verdade do que parecem. Elas falam de sentimentos confusos, de identidades em construção, de mudanças que nem sempre se entende. E, como neurologista, posso dizer: essas falas não são só emocionais. Elas têm explicação científica.

O que se vê na série é muito mais do que drama adolescente, é um retrato sensível e realista de um cérebro em transformação.

Leia também | Atividade física e produtividade: a empresa tem responsabilidade nisso

Neste texto, quero te convidar a olhar para essas falas (e para essa fase da vida) sob o ponto de vista da neurologia. Não para corrigir a série. Pelo contrário! Para mostrar como a ciência só reforça o que ela retrata.

Adolescência: um cérebro em obras

O cérebro humano só termina de amadurecer completamente por volta dos 25 anos. E a adolescência é justamente o momento em que ele passa por uma reforma pesada.

As áreas responsáveis pelas emoções (como o sistema límbico) estão superativadas, enquanto a parte que ajuda a controlar impulsos, pensar no futuro e fazer escolhas mais racionais (o córtex pré-frontal) ainda está em desenvolvimento.

Isso significa que o adolescente sente muito, mas ainda não tem todas as ferramentas para entender ou regular o que sente.

É o que explica reações exageradas, decisões impulsivas, dificuldades de organização e a montanha-russa emocional que a série retrata tão bem.

“Você mudou.” — “Eu tô mudando.”

Essa troca de frases sintetiza o que acontece no cérebro adolescente. Durante essa fase, ocorre um processo chamado poda sináptica: o cérebro elimina conexões que não estão sendo usadas e reforça as que são mais importantes.

É como se ele estivesse organizando a bagunça da infância e construindo o alicerce da vida adulta.

Isso também significa que tudo o que o adolescente vive nessa fase (seus hábitos, afetos, traumas, estímulos) tem um peso enorme na formação do cérebro. É por isso que essa etapa exige presença, escuta e acolhimento.

Emoções, dopamina e intensidade

Os adolescentes vivem tudo com mais intensidade. Não é exagero, é dopamina: um neurotransmissor ligado à sensação de prazer, novidade e recompensa.

Nessa fase, o cérebro libera mais dopamina, o que aumenta a busca por experiências novas, desafios, reconhecimento social. Isso também ajuda a entender o fascínio pelas redes sociais, pelos jogos, pelos relacionamentos intensos.

A série mostra isso o tempo todo: amizades que parecem eternas, silêncios profundos, paixões arrebatadoras, vergonha extrema. E a neurologia confirma: a emoção vem antes do raciocínio. O cérebro ainda está aprendendo a regular.

“Todo mundo tem dúvida, só não fala.”

A série também acerta ao mostrar o quanto os adolescentes sentem, mas não sabem expressar. Muitos adultos interpretam isso como desinteresse ou rebeldia. Mas, na verdade, é confusão mesmo.

O cérebro está lidando com um excesso de informações internas e externas e ainda não tem vocabulário nem estrutura para organizar tudo isso.

Por isso, escutar sem julgar, oferecer espaço de fala sem pressão e validar os sentimentos são atitudes que fazem diferença no desenvolvimento emocional e neurológico de um jovem.

E o sono? Também tem ciência

Outro ponto muito comum, e motivo de briga em casa, é o sono. A série mostra jovens que viram a noite ou não conseguem acordar cedo. Isso também tem explicação neurológica.

Durante a adolescência, o relógio biológico muda. A melatonina, hormônio do sono, passa a ser produzida mais tarde, fazendo com que eles durmam e acordem mais tarde.

Obrigar um adolescente a funcionar em horários que não respeitam seu ritmo biológico prejudica o humor, a atenção e até a saúde mental.

“Não sei o que estou sentindo.”

Essa frase do primeiro episódio é talvez a mais honesta. O adolescente realmente não sabe.

E isso não é sinal de desinteresse ou imaturidade, é sinal de um cérebro que está aprendendo a lidar com a vida.

Menos julgamento, mais presença

Compreender o que está acontecendo no cérebro de um adolescente não resolve todos os desafios, mas muda completamente a forma como lidamos com eles.

Não se trata de passar a mão na cabeça, nem de aceitar tudo. Mas sim de entender que o comportamento é, muitas vezes, reflexo de uma estrutura cerebral que ainda está em construção.

A ciência não substitui o afeto. Mas ela pode nos ajudar a amar com mais consciência. E a criar pontes entre gerações que, muitas vezes, estão apenas tentando se entender.
Como mostra a série, crescer dá trabalho. Mas ninguém deveria crescer sozinho.

Dra. Camila Resende

Colunista

Médica. Neurologista e Neurofisiologista (Residência médica USP - RP). Membro titular da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e da Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica (SBNC). @dracamilaresende

Médica. Neurologista e Neurofisiologista (Residência médica USP - RP). Membro titular da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e da Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica (SBNC). @dracamilaresende