Não é tão incomum ouvir falar em cirurgias plásticas mal sucedidas, seja porque não atenderam o que o paciente esperava, seja porque levaram a consequências drásticas ou até mesmo à morte. De todo modo, em todos os casos é possível falar que houve erro médico? Para entender melhor o assunto, a reportagem do Folha Vitória ouviu especialistas.
Segundo o jurista especialista em em Direito Médico e da Saúde, Daniel Lima, é preciso considerar, em primeiro lugar, que um médico não tem a obrigação de “curar” uma pessoa, no entanto, ele precisa sempre atuar de modo a fazer o melhor e agir de acordo com princípios técnicos que norteiam a profissão.
“A exceção, de um modo geral, vem exatamente no caso da cirurgia plástica estética, em que os juízes costumam entender que, por se tratar de um procedimento estético, é um caso de obrigação de resultado”, disse. Ou seja, não basta somente a melhor tentativa do profissional, mas atender a uma expectativa real do paciente.
Apesar disso, Lima garante que nem sempre um resultado não alcançado significa um erro médico.
“Para qualificar um erro médico, não basta somente que o resultado que a paciente queria não tenha sido alcançado. Começou a se banalizar as demandas judiciais somente porque um resultado não foi concretizado. Apesar disso, na cirurgia plástica, assim como em qualquer outra especialidade, existe o risco de o paciente sofrer alguma alteração de cunho terapêutico ou patológico e um resultado negativo no tratamento”, pontuou.
Segundo o advogado, são infinitas as possibilidades de intercorrências no corpo humano, como, por exemplo, a rejeição pelo organismo de um corpo estranho, e até o não cumprimento pelo paciente das recomendações pós-cirúrgicas. Estes são fatores, de acordo com Daniel Lima, preponderantes de uma cirurgia plástica estética mal sucedida.
“E aí se tenta colocar a culpa no cirurgião, mas todos esses fatores têm que ser efetivamente levantados. O erro médico é caracterizado principalmente sobre aquele dano causado ao paciente, por ação ou omissão, caracterizado como imperícia, imprudência ou negligência do médico: e isso tem que ser provado”, frisou.
Relação de consumo entre paciente e médico
Por se tratar de uma relação do consumo que se estabelece entre médico e paciente, Lima esclarece que acaba que há a inversão do ônus da prova em uma ação judicial, o que significa que cabe ao médico provar que agiu adequadamente.
“Mas cabe a ele desconstituir o direito do paciente, provando que não agiu por ação ou omissão, por imperícia, imprudência ou negligência. E aí que é muito importante o médico estar muito bem documentado de todo o tratamento feito, de todo o procedimento cirúrgico, para que seja feita uma boa defesa, inclusive em termos de perícia, que é o que acaba determinando se efetivamente o transtorno foi por atitude do médico”, disse Daniel.
De acordo com o jurista, é preciso haver, indiscutivelmente, um nexo entre o agir do médico e o dano supostamente causado.
“Tudo isso é levado em conta na ação, nem toda insatisfação do paciente seria erro médico. Aliás, não tem como o médico prometer que vai entregar exatamente o que paciente quer, pois isso é muito subjetivo. O que é “uma barriga mais bonita, um nariz mais bonito”? Claro que dentro da técnica da cirurgia plástica vai se buscar o melhor resultado para o que o organismo do paciente apresenta”, continuou.
Segundo Lima, já foi comum no passado que o médico prometesse um resultado, mostrando fotos de antes e depois, mas isso já não acontece mais. Ao contrário, o especialista diz que os próprios contratos e termos de consentimento são lidos pelo médico aos pacientes.
“O próprio contrato da Sociedade de Cirurgia Plástica diz que o cirurgião não tem como prometer o resultado do jeito que a paciente imagina. Claro que ele vai buscar o melhor resultado visível, mas qualquer cirurgia pode levar a alterações imprevisíveis. Acaba sendo impossível a promessa de entrega de um resultado”, concluiu.
Advogada fala em responsabilização criminal do médico
Para a advogada Janina Ricardo, que atua no mercado de beleza e estética há seis anos, o médico que agir com imprudência, negligência ou imperícia deve ser responsabilizado civil e penalmente.
“É bem comum lermos notícias sobre cirurgias plásticas mal sucedidas. Nesta semana, uma pensionista de 59 anos morreu após passar por uma lipoescultura com enxerto no glúteo. A família acusa o cirurgião plástico e o hospital de negligência e demora no atendimento após as complicações cirúrgicas. O médico nega e diz que atendeu a mulher com todas as técnicas possíveis”, narrou.
Para ela, será erro médico quando o profissional agir sem atender aos deveres de cuidado ou deixar de empregar a cautela necessária ao executar o procedimento estético.
“Um exemplo de negligência é fazer o procedimento em local inadequado ou não autorizado. Será imprudente o profissional que faz o procedimento estético em uma pessoa cujo histórico médico não permitiria a sua execução. Por exemplo, uma cliente com hábito de tabagismo e com problema vascular, uma cirurgia estética jamais deverá ser realizada. Agirá com imperícia o profissional que não tem formação técnica e científica para executar aquele procedimento estético”, destacou.
Ainda segundo a especialista, um exemplo de imperícia são médicos que não fizeram residência em cirurgia plástica e ainda assim executam estes procedimentos. Nesses casos, Janina afirma que sempre haverá a responsabilidade civil e penal de quem prestou o serviço.
“A vítima do erro médico deve buscar a reparação mas duas esferas (cível e penal), na primeira para ser indenizada pelo dano sofrido, sejam materiais ou morais. E a segunda para impedir que esse profissional cause danos a outras pessoas”, completa.
Ela completou o raciocínio explicando que o médico ou a clínica deverá indenizar o paciente caso seja provado na Justiça o erro. “Quando for buscar reparação, a vítima do erro médico, poderá requerer o ressarcimento do que pagou no procedimento, dos tratamentos que realizou para reparar o dano, os custos com remédios, entre outros”, aconselhou.
Ela diz que não é apenas a vítima que pode denunciar. “Qualquer pessoa que tenha conhecimento do fato pode pedir a abertura de um procedimento investigativo tanto na delegacia quanto no conselho de medicina. A denúncia pode ser feita em uma delegacia especializada na relação de consumo, no conselho de medicina ou na delegacia de homicídios em caso de falecimento da vítima”, disse.
Em caso de morte, a jurista explicou que a família deve tomar as medidas cabíveis imediatamente. “A família deve procurar imediatamente uma assessoria jurídica especializada para que os oriente na tomada das medidas judiciais cíveis e penais”, finalizou.
O que diz a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica no ES
À reportagem, o presidente da Sociedade de Cirurgia Plástica no Espírito Santo, o médico Luiz Fernando Vieira, fez uma diferenciação sobre as obrigações de meio e de resultado, dizendo que há um grande mal entendido a respeito do assunto.
“A cirurgia plástica é uma especialidade médica como todas as outras, também sujeita às intercorrências e complicações pós-operatórias, como toda cirurgia realizada, assim, entendemos que a responsabilidade deve ser de meio. Assim, não existe uma separação entre cirurgia estética e reparadora, a cirurgia plástica é única e indivisível”, disse.
De acordo com o cirurgião, por exemplo, ainda que uma paciente deseje uma cirurgia plástica das mamas, não se descarta que as mudanças no corpo estão diretamente ligadas a mudanças na mente. O foco, no entendimento dele, é a melhora do bem-estar.
“O paciente tem que entender que o resultado nunca será igual ao de outra pessoa. A anatomia é individual, assim, os resultados são únicos. A paciente deve esperar o seu bom resultado, que deve ser adequado ao seu corpo. As expectativas têm que ser realistas em virtude das limitações individuais dos resultados”, prosseguiu o especialista.
De acordo com Vieira, cabe ao médico oferecer uma condição de tratamento dentro de regras de segurança, como um hospital ou clínica com suporte para situações de urgência, por exemplo, além de empregar técnicas habituais reconhecidas cientificamente.
Além disso, segundo o médico, é muito importante diferenciar erro de insatisfação. “Ao médico cabe oferecer boas práticas nos tratamentos, informar que a evolução é única e que complicações podem acontecer”, finalizou.