A ascensão das novas tecnologias transformou profundamente a forma como vivemos, trabalhamos e nos conectamos. No entanto, junto com os benefícios, emergem ameaças à privacidade e às liberdades individuais. A vigilância estatal, impulsionada por ferramentas avançadas de espionagem, tem se consolidado como uma realidade perigosa, na qual o abuso de poder e a manipulação tecnológica criam um ambiente de medo e repressão, ambiente que, por sua vez, origina o chamado chilling effect. Esse efeito silenciador afeta não apenas a dissidência política, mas também a liberdade de expressão e o direito à privacidade, pilares fundamentais de uma sociedade democrática.
Nesse contexto, o software espião Pegasus, desenvolvido pelo NSO Group, é um exemplo de como a tecnologia pode ser usada para monitorar indivíduos em escala global. Relatórios da Anistia Internacional1 e do Citizen Lab2 documentaram o uso desse spyware contra jornalistas, ativistas e opositores políticos em diversos países, incluindo México e Brasil. A tecnologia permite que governos invadam dispositivos pessoais, acessem mensagens, gravem conversas e rastreiem a localização dos alvos, tudo sem que a vítima perceba.
No México, o Pegasus foi usado para monitorar jornalistas investigativos e advogados, demonstrando como a espionagem digital pode ser direcionada para silenciar vozes críticas. No Brasil, a denúncia de que governos passados permitiram a expansão de práticas de vigilância ilegal sublinha como a ausência de controles efetivos transforma o país em um “paraíso” para espionagem estatal e privada.
O termo “tecnoautoritarismo” descreve regimes que utilizam tecnologias avançadas para consolidar o controle social, muitas vezes sob o pretexto de garantir segurança nacional ou prevenir crimes. No entanto, essa lógica é um terreno fértil para abusos, por meio do qual o poder de vigilância ultrapassa os limites da legalidade e da ética.
A pesquisa conduzida pelo Data Privacy Brasil3 alerta para o perigo de uma sociedade monitorada, destacando que tecnologias como câmeras de reconhecimento facial, interceptação de dados e softwares de espionagem frequentemente são implantadas sem transparência, supervisão adequada ou consentimento.
O chilling effect é uma consequência direta da vigilância estatal, ele se refere aos cenários no qual o medo de ser monitorado inibe a liberdade de expressão. Jornalistas se autocensuram para evitar represálias, ativistas reduzem sua atuação pública e cidadãos comuns hesitam em expressar opiniões críticas, temendo cair na mira das autoridades.
Quando o Estado se arma com ferramentas como o Pegasus, a mensagem implícita é clara: qualquer um pode ser vigiado. Essa ameaça constante reduz a esfera pública de debate e enfraquece os mecanismos de controle democrático.
Conforme apontado anteriormente, governos frequentemente justificam a vigilância em massa como um mal necessário para proteger a segurança nacional ou combater o terrorismo. No entanto, essa narrativa ignora que o direito à privacidade é essencial para a capacidade de autodeterminação do indivíduo e para a manutenção de liberdades individuais.
O caso brasileiro exemplifica essa tensão. Conforme apontado por reportagens investigativas4, a fragilidade institucional e a falta de regulamentação clara sobre tecnologias de vigilância criaram brechas que permitem abusos em larga escala.
A resistência ao tecnoautoritarismo exige ação em múltiplos níveis. Algumas estratégias fundamentais incluem:
- Governos devem ser obrigados a divulgar informações claras sobre o uso de tecnologias de vigilância e submeter-se a auditorias independentes.
- O uso de softwares como o Pegasus, quando não proibido, deve ser estritamente regulamentado, com penalidades severas para violações.
- É essencial informar o público sobre seus direitos digitais e as ameaças que enfrentam em um mundo cada vez mais conectado.
- Incentivar o desenvolvimento de ferramentas que protejam a privacidade, como criptografia avançada, pode equilibrar o poder entre indivíduo e Estado.
A vigilância estatal movida por novas tecnologias representa um dos maiores desafios para a liberdade no século XXI. O impacto do chilling effect, aliado às violações de privacidade, mina a base de sociedades democráticas e promove uma cultura de medo. Para garantir um futuro em que a tecnologia sirva à humanidade, e não ao controle autoritário, é crucial que tomemos medidas hoje para limitar o alcance dessas práticas.
2 https://citizenlab.ca/2022/10/new-pegasus-spyware-abuses-identified-in-mexico/
3 https://www.dataprivacybr.org/projeto/defendend_o_brasil_do_tecnoautoritarismo/
4 https://www.intercept.com.br/2023/10/28/brasil-virou-paraiso-da-espionagem-ilegal-com-michel-temer-jair-bolsonaro/