“Mulheres enfrentam pressão para provar competência”, diz neurocientista
Gestora de carreira e neurocientista, Andrea Deis fala sobre a mulher do futuro, preconceito, liderança e empreendedorismo feminino
Mulheres são boicotadas para assumir posições de poder? Na visão da gestora de carreira e neurocientista Andrea Deis, por mais bem preparadas que estejam, elas ainda enfrentam pressão para provar competência no mercado de trabalho. E isso acaba impedindo que elas cheguem a cargos de CEO e CFO.
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Segundo ela, o estereótipo de que as mulheres tendem a ser mais emocionais é uma visão extremamente simplista, enviesada e estrutural.
“A neurociência moderna oferece uma perspectiva bem mais complexa e equilibrada dessas diferenças, principalmente entre gêneros. Se a gente pensar, por exemplo, na neurobiologia das emoções, nas pesquisas de neurociência afetiva. Elas mostram que tanto homens quanto mulheres têm uma capacidade semelhante de sentir e expressar as suas emoções”, destaca.
Segundo ela, em ambos os gêneros, embora alguns estudos indiquem que as mulheres podem ser ligeiramente mais sensíveis a certos estímulos, no entanto, essa sensibilidade não significa que elas são mais emocionais, mas que podem ter uma capacidade maior e identificar e reagir às emoções, que são justamente aguçadas pela amígdala.
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“Quanto a dos outros, o que pode ser uma vantagem em situações de liderança, ainda pensando nesse sentido, na tomada de decisão, a neurociência cognitiva, por exemplo, num estudo de tomada de decisão, revela que a regulação emocional é uma função crítica tanto para homens quanto para as mulheres. E que a área do cérebro responsável é o córtex frontal, que desempenha um papel de tomada de decisão”, ressalta.
A neuocientista destaca que pesquisas mostram que não há diferenças significativas no funcionamento da área entre os gêneros, o que pode variar é o estilo da regulação emocional, que é diferente, com mulheres tendendo a usar estratégias mais ligadas à resolução e a problemas interpessoais e a comunicação, enquanto os homens podem usar abordagens mais diretas.
“Isso não traduz uma maior emocionalidade feminina, mas uma diferença de abordagem pensando, por exemplo, nos estereótipos e condicionamentos social. Aqui é a neurociência social que vai explicar que muitos comportamentos são atribuídos a homens e mulheres são mudados por fatores culturais e sociais, não por diferenças neurológicas inatas”, afirma.
Confira a entrevista com Andrea Deis
Folha Vitória – Como a mulher do futuro se diferencia da mulher no mercado de trabalho atual? Quais habilidades ou características serão essenciais para que elas prosperem?
Andrea Deis – Eu diria que hoje a mulher já é mais preparada segundo as pesquisas. Ela hoje já estuda mais, ganha menos. Ocupa ainda posições e inferiores aos homens em quantidade de postos importantes.
Mas essa mulher do futuro vai ser ainda mais preparada para enfrentar essas mudanças.
É especialmente no avanço tecnológico, de automação, que ela vai se destacar ali, na adaptabilidade, principalmente algo que a gente chama de soft skills, a inteligência emocional.
A capacidade de liderança colaborativa que ela tem pela competência, justamente em lidar com as competências socioemocionais.
E inicio quando a gente fala numa era de Big Data. Ela vai se destacar justamente na análise de dados, ainda falando da softwares skills.
São características como empatia, resiliência, capacidade de liderar com propósito que são cada vez mais essenciais, além das técnicas.
A mulher o futuro vai ser essa que vai cada vez mais ser perita e excelente nas competências técnicas e interpessoais.
De que forma o avanço das neurociências tem influenciado o desenvolvimento de novas estratégias para a liderança feminina nas empresas?
Cada vez mais acho que as neurociências vão mostrar essas características, principalmente através da empatia, da colaboração, da inteligência emocional.
É frequentemente atribuída às mulheres e estudos mostram justamente que aqueles líderes com maior empatia são mais eficazes para gestão de equipes e para a tomada de decisão em ambientes complexos.
Além disso, eu acho que também é neurociência. Ela tem ajudado desmistificar estereótipos aí que associam a liderança feminina a fraqueza emocionais, provando que uma abordagem equilibrada entre a razão e a emoção é vantajosa no mundo.
Em sua experiência, quais são os maiores desafios que as mulheres enfrentam ao buscar cargos de liderança, como CEO e CFO, em grandes organizações?
Um dos maiores desafios é esse preconceito estrutural, principalmente quando vem enraizado em falas que realmente não contribuem para o avanço da mulher, do posicionamento da mulher, e que ainda leva a subir representação das mulheres em cargos de liderança. Muitas discussões têm aí, né?
O chamado teto de vidro, que é uma barreira invisível que impede a ascensão feminina. Ou seja, ela não consegue a posição, mas pouco se fala.
E mesmo quando possuem as qualificações equivalentes ali ou superior às dos homens, esses estereótipos, essa barreira é reforçada, perpetua essa ideia de que as mulheres são menos aptas a liderar.
Em algumas organizações, principalmente em alguns setores estruturalmente considerados masculinos, a mulher não consegue ascender e ocupar essas posições.
O conceito de “equilíbrio entre vida profissional e pessoal” tem sido um tema central nas discussões sobre mulheres no mercado de trabalho. Como você vê essa questão evoluindo no futuro?
Não no futuro! Eu vejo até no presente já, principalmente depois pandemia. O equilíbrio da vida pessoal e profissional.
A mulher já evoluiu e deve evoluir ainda para modelos organizacionais cada vez mais flexíveis e personalizados, híbridos.
Com a pandemia e o aumento do trabalho remoto, novas formas de já se apresentaram para o mercado como eficazes.
Teve uma ressignificação de valores de vida e, com isso, as pessoas são talentos indispensáveis nas organizações.
Vai ter que existir essa flexibilidade organizacional porque a tendência é que as pessoas cada vez mais busquem não só mulheres, mas trabalhadores com este equilíbrio, entendendo que a vida é um dos fatores mais importantes.
A tendência é que o mercado adote políticas mais flexíveis, que as empresas tenham mais flexibilidade e organizacional. Licenças familiares programadas aí e entendendo até que cada vez mais em nível mundo vem se mostrando.
Quando as pessoas têm mais bem-estar, a produtividade e a retenção de talentos aumentam. No futuro, esse equilíbrio será um pilar central na cultura corporativa. Isso é fato, beneficiando tanto homens, quanto mulheres.
Você acredita que as mulheres enfrentam mais pressão para provar sua competência em cargos de liderança do que seus colegas homens? Se sim, por quê?
Sim, justamente por toda essa pressão estrutural que a gente já vem conversando.
Na minha opinião, elas enfrentam, sim, frequentemente, essa pressão para provar essa competência devido à perpetuação desses estereótipos que se questionam as habilidades das mulheres e realmente estereótipos que vêm estruturais ao longo da história.
Além disso, a falta de representatividade em altos cargos de liderança, seja na política, seja imposições em grandes empresas, faz com que as mulheres se ressintam muito.
Com essa pressão intensa em setores tradicionais dominados pelos homens é cada vez mais difícil romper essas barreiras.
O empreendedorismo feminino está em crescimento. Na sua opinião, quais são os principais fatores que têm impulsionado esse movimento, e como ele pode ser incentivado ainda mais?
A mulher vem se destacando cada vez mais no empreendedorismo.
Ele é impulsionado pela busca desse equilíbrio da vida pessoal com a vida profissional, de desejos.
A mulher tem que estar onde ela quiser, da forma como desejar, mas no contorno dessa vida dela, buscar esse equilíbrio e satisfazer os seus próprios desejos com relação a sua vida e ao mesmo tempo querendo manter e ter uma maior independência financeira.
Não existe independência sem autonomia financeira.
Isso faz com que esse acesso ampliado, principalmente à tecnologia, ao desejo dessa maior flexibilidade de trabalho, seja um um pilar que a mulher vem cada vez mais buscando.
Além disso, a gente não pode esquecer que hoje elas representam um grande número nos programas de mentoria, que ajudam a promover esse movimento das mulheres, incentivar a facilitar esse acesso financeiro,e promover políticas públicas que apoiem essas mulheres como empreendedoras, que possam inclusive aumentar essa visibilidade de histórias de sucesso que sirvam como inspiração para outras mulheres.
Existe um estereótipo de que mulheres tendem a ser mais “emocionais” em cargos de liderança. Como a neurociência refuta ou sustenta essa percepção?
A neurociência refuta esse estereótipo que pode demonstrar que a capacidade de gerenciar emoções é uma competência, e não uma fraqueza.
Estudos mostram que líderes com inteligência emocional, algo que muitas mulheres desenvolvem naturalmente, justamente pelo lado de maior acesso dela cerebral, são mais eficazes na gestão de conflitos, na tomada de decisão e na construção de equipes mais unidas, mais coesas.
A ideia de ser mais emocional é algo negativo na liderança, que é ultrapassada, é um conceito que não cabe mais.
Na verdade, saber usar as emoções de uma forma estratégica é uma vantagem. E a neurociência valida isso.
Em termos de representatividade, temos visto um aumento no número de mulheres em cargos de diretoria. Como essa presença impacta a cultura organizacional e as futuras gerações de profissionais?
A presença de mais mulheres em cargos de diretoria transforma uma cultura organizacional, trazendo uma diversidade de pensamento e promovendo um ambiente mais inclusivo.
Estudos comprovam que empresas com liderança diversa têm melhores desempenhos financeiro, inovam mais justamente pela representatividade.
E a representatividade feminina também serve como um exemplo para as futuras gerações profissionais.
Um exemplo vivenciado, que demonstra que é possível alcançar essas posições. Isso cria cada vez mais um ciclo virtuoso, onde os jovens profissionais vão se sentir mais motivados a buscarem os cargos de liderança.
Como você analisa a recente fala do empresário Tallis Gomes, que ao responder a uma dúvida de um seguidor, que queria saber se ele e a mulher estariam noivos caso ela ocupasse uma posição de destaque numa empresa, respondeu que “Deus me livre de mulher CEO”. Ele se desculpou posteriormente, mas o que ele disse repercutiu?
As declarações menosprezam e desqualificam a capacidade das mulheres. E uma mulher neste contexto de futuro é aquela que vai continuar rompendo barreiras impostas por essa visão retrógrada de alguns.
Você percebe preconceito ou resistência no mercado quanto à presença de mulheres em cargos de liderança financeira, como CFO? Se sim, como as empresas podem trabalhar para mudar essa mentalidade?
Percebo. Um exemplo: o setor financeiro historicamente sempre foi dominado por homens.
E as poucas mulheres que existem em cargos de CFO relatam que precisam provar continuamente a competência delas para esse cargo, porque é estrutura, principalmente pensando no mercado financeiro.
Para mudar essa mentalidade, as empresas precisam se declarar mais sobre os casos de sucesso que têm, romper algumas barreiras cognitivas dessa forma de pensar, de mindset, dessa forma estrutural ao longo de sua história.
E falar muito mais sobre esses casos de sucesso no presente do que sobre o passado.
Criar programas que incentivem essa ascensão feminina, políticas públicas que possam investir nessa diversidade, nessa inclusão. E dar visibilidade a esses modelos femininos que deram certo em finanças é crucial para quebrar esses estereótipos.
Que conselhos você daria para as jovens profissionais que estão entrando no mercado de trabalho e aspiram a cargos de liderança e empreendedorismo?
Meu conselho é que você é único e singular. Acredite no seu potencial, tenha confiança nas suas habilidades, busque sempre desenvolver suas hards e soft skills, busque mentores ou se espelhe em pessoas que possam apoiar sua trajetória.
Pessoas que estejam sempre abertas a um diálogo construtivo, que não queiram replicar você nelas, e sim queiram evidenciar a sua autenticidade.
Desenvolva as suas habilidades técnicas e emocionais, que são igualmente importantes.
Crie uma rede de contato sólida, que seja resiliente diante de todos os desafios.
Fazemos uma sociedade hoje competitiva, de visibilidade, positividade, o que está bem complexo de lidar com esse tripé.
É necessário quebrar barreiras, alcançar posições de liderança, dar visibilidade a isso e mostrar que é possível.