Além das Dunas: Tradição, Identidade e Pertencimento

A vila de Itaúnas guarda, entre dunas douradas e rios serenos, um legado cultural vibrante que pulsa forte em suas tradições centenárias. Em Itaúnas tradição, identidade e pertencimento se misturam entre os dias 11 a 20 de janeiro, quando esse espírito se manifesta com intensidade durante a Festa do Ticumbi, um folguedo que há mais de 200 anos mistura folclore, religiosidade, cultura e alegria, numa verdadeira sintonia entre o passado e o presente da Vila. 

A celebração em honra a São Benedito e São Sebastião não apenas emociona, mas também aquece a economia local, atraindo turistas de todo o Brasil que lotam pousadas, bares e restaurantes, embalados pelo ritmo contagiante da festa. Durante os dias de celebração, a Vila de Itaúnas se transforma em um palco a céu aberto, onde grupos de manifestações populares encantam com danças, cantorias, brincadeiras e dramatizações, embaladas pelo som marcante da percussão.

Patrimônio cultural imaterial de comunidades quilombolas

Foto: Felipe Mello

Entre os destaques, brilham o Alardo, o Jongo e o Ticumbi, expressões que integram o patrimônio cultural imaterial de comunidades remanescentes quilombolas da região. O Ticumbi, em especial, é descrito pelos brincantes como uma tradição recriada pelos africanos da senzala e dos quilombos, perpetuada pelas comunidades negras de Itaúnas. O ritual encena uma disputa simbólica, uma guerra lúdica em que os grupos competem pelo direito de celebrar a festa, refletindo um sincretismo religioso profundamente enraizado na história local. Cada verso, cada passo e cada batida ecoam séculos de resistência, celebração e identidade, mantendo viva a alma da Vila de Itaúnas.

Para quem participa, seja como integrante do Ticumbi ou como espectador, a experiência transcende o momento festivo: é um ato de reafirmação da identidade coletiva da vila. Em um mundo cada vez mais moldado por forças globalizantes, onde culturas locais frequentemente cedem espaço a padrões e hábitos universais, Itaúnas surge como um exemplo de resistência. A vila, a Festa de São Benedito e o Ticumbi são mais do que tradições, juntos, eles formam uma barreira contra o apagamento cultural que a globalização tenta impor.

Honrando as histórias que nos trouxeram até aqui

Foto: Felipe Mello

Esse diálogo mantém viva uma memória coletiva que poderia facilmente ser silenciada. Afinal, a  globalização traz, por um lado, oportunidades de conexão e trocas culturais, mas, por outro, pode transformar tradições locais em mercadorias, esvaziando seus significados mais profundos.  O desafio é manter esse equilíbrio. Ou seja, como abrir portas para que o mundo conheça e valorize o Ticumbi sem que ele perca sua essência ou seja descontextualizado?

Ailton Krenak frequentemente afirma que o território transcende sua dimensão física, sendo uma extensão do próprio ser e da coletividade. O Ticumbi, enraizado na devoção a São Benedito e na ancestralidade afro-brasileira, é uma expressão desse pertencimento. No cruzamento entre os ensinamentos de Krenak e as tradições de Itaúnas, encontramos um convite para refletir sobre o que realmente significa prosperar em um mundo globalizado. Não se trata apenas de crescer, mas de crescer com raízes firmes, honrando as histórias que nos trouxeram até aqui.

Emily Victória Silva e Souza

Estudante de Engenharia Sanitária e Ambiental no Instituto Federal do Espírito Santo. Voluntária de verão no Parque Estadual de Itaúnas pelo Programa de Voluntariado em Unidades de Conservação do IEMA em 2025.

Felipe Mello

Colunista

Biólogo, mestre em Desenvolvimento Sustentável e especialista em Gestão de Projetos, com 23 anos de experiência em projetos nas diversas vertentes que envolvem o desenvolvimento sustentável. É coautor de um livro sobre Gestão de Projetos Socioambientais e de diversos capítulos de livros e artigos técnico científicos publicados na área da sustentabilidade. Atua ainda como Head de Conteúdo ESG na Rede Vitória.

Biólogo, mestre em Desenvolvimento Sustentável e especialista em Gestão de Projetos, com 23 anos de experiência em projetos nas diversas vertentes que envolvem o desenvolvimento sustentável. É coautor de um livro sobre Gestão de Projetos Socioambientais e de diversos capítulos de livros e artigos técnico científicos publicados na área da sustentabilidade. Atua ainda como Head de Conteúdo ESG na Rede Vitória.