Por Cintia Dias

As duas faces da mesma moeda

A inovação tecnológica traz benefícios, mas o alto consumo de energia aumenta a emissão de carbono. Saiba mais sobre isso.

As duas faces da mesma moeda

É quase impossível pensar em avanços na humanidade e no incremento na qualidade de vida das pessoas sem envolver tecnologia. Basta observar as grandes inovações para perceber que este é um elemento sempre presente, devido à sua capacidade em oferecer ferramentas para que a criatividade impulsione novas soluções. Evidentemente, a tecnologia está presente também na sustentabilidade.

Já há uma blockchain, desenvolvida por uma startup suíça criada por dois brasileiros, que permite o rastreio e a emissão de certificados de compostos orgânicos desde o momento em que são gerados em restaurantes, supermercados e na indústria alimentícia, até o transporte e a compostagem. Ao transformar a massa de resíduos em dados, é possível saber quanto material deixou de ser destinado para aterros, quanto se reverteu em adubo e a quantidade de gases de efeito estufa que não foi emitida na atmosfera, permitindo a comprovação da reciclagem.

A Inteligência Artificial (IA) tem se revelado um mecanismo efetivo na detecção de fraudes e combate à corrupção, à medida que identifica irregularidades como conflitos de interesses, falhas financeiras, alto risco de violação legal e inadequações, ampliando a transparência e a retidão do processo. Este trabalho é muito importante para evitar que recursos públicos sejam desviados de sua função original, que é prover os cidadãos de serviços básicos universais e eficientes.

A tecnologia pode, ainda, auxiliar na redução de desperdício de energia, água e outros insumos, por meio de sensores que fazem a coleta, em tempo real, dos indicadores, permitindo uma gestão mais eficiente dos recursos. A IA foi capaz de identificar desmatamento na Floresta Amazônica e classificar suas áreas com sucesso, ajudando a prevenir esta prática. É apta, também, a mapear riscos de enchentes a partir de um sistema de controle que usa dados gerados por IoT (internet das coisas) e previsões meteorológicas. Os casos de uso da tecnologia em prol de iniciativas mais sustentáveis se proliferam mundo afora.

O impacto no meio ambiente

Por outro lado, o uso intenso de recursos tecnológicos confronta a humanidade com a questão das emissões de poluentes, que vêm crescendo de forma intensa a partir do uso de IA e da multiplicação de data centers. Somente no Google, as emissões de gases de efeito estufa aumentaram 48% nos últimos cinco anos, devido a expansão do parque tecnológico, o que já coloca em risco a meta da companhia de zerar a emissão líquida de poluente até 2030.

Em 2023, a poluição gerada pelo Google totalizou 14,3 milhões de toneladas de carbono equivalente, o que impõe à empresa o desafio de expandir a infraestrutura sem gerar impactos negativos ao meio ambiente. Amazon e Microsoft também traçam planos e preveem investimentos bilionários para mitigar a emissão de gases na atmosfera, em um cenário em que somente a IA tende a dobrar o crescimento da demanda de eletricidade nos EUA.

De acordo com o MIT (Massachusetts Institute of Technology), até 2030 os data centers podem consumir até um quinto da energia elétrica gerada no mundo, que será utilizada para alimentar todo o tráfego de internet. Há, ainda, a tendência de aumento do consumo energético advindo da IA, que requer mais poder de computação. Só para treinar o GPT-3 (precursor do Chat GPT), foram necessários 1.300 megawatts-hora de eletricidade, energia suficiente para alimentar 1.450 residências médias nos Estados Unidos por um mês. Uma consulta no ChatGPT consome, em média, 15 vezes mais energia do que uma pesquisa no Google. Considerando que esta plataforma tem mais de 180 milhões de usuários ativos, o consumo diário de energia equivale ao de mais de 60 mil residências, maior que o exigido pela cidade de Itu (SP).

Consumo de energia preocupa

Estima-se que, até 2026, o consumo de energia em datacenters possa dobrar, estimulado pelo avanço da Inteligência Artificial e pela mineração de criptomoedas; crescimento que equivale a demanda de eletricidade de toda a Suécia. A expansão das redes 5G e dos serviços baseados em nuvem são outros impulsionadores deste movimento. Isso porque os datacenters funcionam 24 horas por dia e demandam energia para os computadores e sistemas de refrigeração.

Como toda ferramenta que existe no mundo, sua natureza benéfica ou maléfica depende do uso ao qual se destina. A tecnologia pode ser uma grande aliada da sustentabilidade, que necessita de seu olhar e soluções inovadoras para resolver problemas complexos, mas apresenta um custo ambiental – e por que não social, se o foco for o futuro dos empregos – que deve ser reconhecido para, então, ser mitigado.

Felipe Mello Colunista
Colunista
Biólogo, mestre em Sustentabilidade e especialista em Gestão de Projetos, com 23 anos de experiência e dois prêmios de melhor Gestor de Projetos do ES.