O mundo corporativo é abundante em expressões figuradas, utilizadas para exprimir uma situação, a fim de torná-la compreensível. Assim é com onboarding (embarque, processo de acolher novos colaboradores), avaliação 360 graus (realizada por chefes, pares e subordinados), meritocracia (sistema de recompensas baseado no mérito) e inúmeros outros termos, grande parte deles em inglês, para traduzir processos e ações do dia a dia. Duas terminologias, no entanto, são pouco abordadas, embora apresentem grande importância na pauta ESG: o degrau quebrado e o teto de vidro.
A primeira delas, o degrau quebrado (broken rung), retrata a dificuldade das mulheres em atingir os cargos mais altos de uma organização, em função dos obstáculos que se interpõem entre elas e o topo das hierarquias. Funciona como um funil, em que há uma participação significativa das mulheres em cargos de menor complexidade, que vai se tornando menor à medida que se sobe no organograma.
Dessa forma, a participação feminina em cargos de aprendiz e estágio chega a 55,9% e 58,9%, respectivamente, segundo dados do Instituto Ethos; depois cai para 31,3% nas posições de gerência e 13,6% nas de diretoria executiva, mesmo que o grau educacional delas seja superior ao apresentado pelos seus pares homens.
O desafio da entrada
Há fatores que tornam a dificuldade ainda maior: um estudo da B3 mostra que 88,9% das empresas listadas não possuem pessoas pardas na diretoria estatutária e 90,7% no conselho de administração. Se forem pessoas pretas, este índice sobe para 98,2% e 95,6%, respectivamente. O maior desafio para as mulheres é ultrapassar o nível de entrada e atingir os primeiros cargos de liderança, o que exige promoções pautadas por critérios transparentes e objetivos.
Esse fenômeno está relacionado com outro, conhecido como teto de vidro (glass ceiling), em inglês, metáfora para as barreiras invisíveis que impedem as mulheres de alcançarem os cargos mais altos nas organizações. Ambos os fenômenos traduzem a dificuldade das empresas em abandonar aspectos que não se relacionam à qualificação e à competência, e sim derivam de vieses – conscientes ou não – associados ao gênero, que fazem com que este público siga ganhando menos que seus pares masculinos em cargos de natureza e carga horária semelhantes e ocupando menos cargos de alta envergadura.
Segundo as organizações citadas neste artigo, as estagnações e os retrocessos no avanço da participação feminina em altos cargos devem-se à redução de intencionalidade, ou seja, à queda do esforço em promover ambientes mais diversos e amigáveis aos públicos minorizados, aqueles que, apesar de serem a maioria na população brasileira, se tornam pequenos quando se trata de participação na vida pública. Isso é muito comum de ocorrer quando empresas estabelecem metas para atingir objetivos de compliance, ou seja, um número mínimo previsto em uma legislação ou normativa. Ao alcançar esse patamar, as ações são paralisadas.
A importância do propósito
Por isso, avançam em sustentabilidade sempre as empresas que agem movidas por propósito, e não por regulações; aquelas que reconhecem que a ascensão feminina (e de outros públicos subrepresentados) não pode se assemelhar a um funil, em que há queda da participação de mulheres à medida que se avança no pipeline da liderança. Isso passa por promover iniciativas para incentivar o protagonismo feminino, revisitar processos de recrutamento, seleção, avaliação de desempenho e promoção – para que sejam justos e equânimes, e implantar programas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DE&I).
A TIM, por exemplo, alcançou o título de empresa com maior inclusão feminina em cargos de liderança revisitando seus processos de Recursos Humanos e estabelecendo – e perseguindo – metas ousadas, dentre as quais a obrigatoriedade de ter ao menos 50% de mulheres entre os finalistas a cargos de liderança, o que elevou a quantidade delas em tais posições; assim como criou programas para acelerar suas trajetórias profissionais. Ao permitir que elas tenham acesso às oportunidades, conseguiu que mostrassem toda sua potencialidade e alcançassem os cargos pretendidos: no último ano, elas foram escolhidas em 43% dos processos externos e 47% no recrutamento interno. Mas é preciso ir além.
Houve avanços? Decerto que sim. Mas não na velocidade e quantidade necessárias para reverter um quadro em que, estima-se, serem necessários 131 anos para se atingir o grau de igualdade de gênero, segundo o Fórum Econômico Social. Em pleno século XXI ainda há relatos insistentes de mulheres demitidas ao retornar da licença maternidade, questionadas sobre a responsabilidade do cuidado com seus filhos ou sobre a intenção de tê-los. Ainda persistem práticas veladas de preteri-las em seleções e em promoções.
É necessário rever toda a arquitetura organizacional, para que não haja mais espaço para degraus quebrados nem tetos de vidro, e estes sejam substituídos por escadas rolantes e tetos retráteis, que sejam abertos sempre.
Cintia Dias
Jornalista, publicitária, mestre em administração, especialista em comunicação, sustentabilidade e marketing e membro do Comitê Qualificado de Conteúdo de ESG do IBEF-ES