Por Cintia Dias

O alto preço da falta de inclusão digital

O Brasil enfrenta um alto preço da falta de inclusão digital. Veja como isso afeta a inovação e o mercado de trabalho em tecnologia.

Foto: Andrea Piacquadio
Foto: Andrea Piacquadio

Entre 2021 e 2025, 53 mil profissionais da área de tecnologia da informação vão se formar no Brasil, número insuficiente para atender a demanda de novos talentos, que soma 800 mil posições, segundo estudo realizado pelo Google em parceria com a Associação Brasileira de Startups. Levantamento do site de empregos Indeed mostra que, dos 15 cargos mais difíceis de preencher no Brasil, mais da metade é de tecnologia.

O déficit de 530 mil vagas coloca em risco a competitividade do país, uma vez que compromete sua capacidade de inovação, o incremento da produtividade, a atração de investimentos, a melhoria da eficiência operacional e as respostas a uma sociedade que exige soluções tecnológicas em seus processos produtivos.

Sem inclusão digital, o panorama brasileiro só tende a se deteriorar. O investimento em habilidades digitais é crucial para reverter esse quadro, em conjunto com outras iniciativas como financiamento para o desenvolvimento tecnológico, o ambiente regulatório favorável e a aplicação em talentos. A inclusão digital, no entanto, só é promovida a partir da mitigação da desigualdade social.

É urgente democratizar o acesso à tecnologia

Entendendo inclusão digital como o esforço para garantir que todos os brasileiros possam não só participar, como também contribuir e se beneficiar do mundo digital, é necessário que o acesso às ferramentas de tecnologia seja democratizado,  e isso passa por provê-los de dispositivos para conexão, acesso à rede e domínio das ferramentas.

O primeiro fator já apresenta um grande desafio: 58% dos brasileiros acessam a internet apenas pelo celular, que não é o dispositivo ideal para aprender e manusear tecnologias mais avançadas. Se considerado o acesso à rede, o quadro não é mais animador: embora 84% da população do país com 10 anos ou mais tenha se conectado à internet em 2023, somente 20% dos brasileiros têm acesso de qualidade à rede, enquanto os demais são considerados subconectados. Negros das classes C, D e E ficam sem conexão quase metade do mês, uma vez que enfrentam problemas de amplitude, qualidade, distribuição de sinal e custo, que levam à situação de quanto menor a renda, pior o sinal.  Como evoluir com conexão lenta, custo alto e limitações de acesso ao hardware?

E aí surge um terceiro problema: o domínio das ferramentas, o que passa pela educação. O Brasil tem um dos dez piores desempenhos do mundo em matemática, sem contar o fraco resultado obtido em leitura no exame Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), avaliação mundial de desempenho escolar realizada a cada três anos com a coordenação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Soma-se a isto o fato de que apenas 5% dos brasileiros dominam o inglês, além das deficiências de interpretação de textos e raciocínio lógico dificultarem a aquisição do conhecimento.

Educação é um gargalo para a inclusão

Como será solucionada a distância entre as habilidades que as pessoas têm e as que elas necessitarão para exercer as funções do futuro, quando a humanidade dividirá cada vez mais as tarefas com máquinas e algoritmos? Que oportunidades serão criadas para aqueles que não têm as condições básicas para adquirir as competências digitais? Como promover a inclusão dessas pessoas em um mercado de trabalho dinâmico e repleto de pré-requisitos? Como tirar o Brasil da 80ª posição, entre 120 países, no ranking de alfabetização digital, o que limita o uso dos recursos da tecnologia para explorar oportunidades de educação, exercício da cidadania e inserção no mercado de trabalho?

Os dados já mostram o caminho a seguir. Será necessário atacar os problemas nas três frentes em que se desenvolvem, dotando a população de hardware compatível com as necessidades atuais, melhorando o acesso à rede e efetivamente investindo na educação como  melhor plataforma, senão a única, para preparar o brasileiro para o futuro do trabalho. Urge combater o atraso educacional, o impacto na produtividade e a dificuldade de acesso ao mercado laboral, o que exige um esforço conjunto entre governo, empresas e instituições de ensino.

Se a inovação tecnológica é a porta para a competição em uma economia moderna, a inclusão digital é a chave que vai abri-la. Quanto menos for investido na chave, menor será a porta de acesso a esse novo mundo. O Brasil terá o tamanho da população que conseguir preparar para atender a estas exigências.

Felipe Mello Colunista
Colunista
Biólogo, mestre em Sustentabilidade e especialista em Gestão de Projetos, com 23 anos de experiência e dois prêmios de melhor Gestor de Projetos do ES.