Por Cintia Dias

O desafio dos programas sociais: ter uma porta de saída

Entenda o desafio dos programas sociais: formar trabalhadores que não dependam dos programas e promover a autonomia econômica.

O desafio dos programas sociais: ter uma porta de saída

Programas de proteção social objetivam prover populações vulneráveis com o apoio necessário para o enfrentamento às dificuldades vigentes, como miséria e fome. Dessa forma, políticas públicas são desenhadas a partir da definição do que é pobreza e qual o consumo mínimo necessário para a sobrevivência, abaixo do qual as pessoas que a vivenciam têm direito a essa proteção social. Por meio de transferência direta de renda, busca-se erradicar a extrema pobreza e mitigar a desigualdade social presente na sociedade. 

Um dos programas mais expressivos do Brasil é o Bolsa Família, criado em 2004 para atender famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, elencadas no Sistema de Cadastro Único, a partir da unificação de outras iniciativas, como Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio Gás e Fome Zero. O programa beneficia mais de 21 milhões de famílias com o valor médio de R$ 680,61, somando a distribuição de R$ 14,25 bilhões mensais em 2023. 

Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os gastos com esse programa representam 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, percentual inferior ao aferido em outras nações mundiais, como os Estados Unidos, que destinou 2% do PIB em 2023, o correspondente a US$ 315 bilhões, a programas como o Supplemental Nutrition Assistance Program – SNAP (Programa de Assistência de Nutrição Suplementar, em português). Iniciativas dessa natureza recebem o apoio de empresários, como aqueles situados no Vale do Silício, na costa oeste americana, que têm defendido a ideia de uma renda básica universal, praticando a distribuição de pagamentos que variam de 500 a mil dólares mensais a quem necessita desse apoio. 

As críticas aos programas de transferência

Sam Altman, CEO da OpenAI, idealizou, inclusive, o Estudo de Renda Incondicional, vigente desde 2016, a partir da constatação de que é impossível promover igualdade de oportunidades sem uma versão de renda garantida. No entanto, a aprovação de programas de transferência de renda não são uma unanimidade. Há críticos que alegam que eles promovem o assistencialismo, desestimulam as famílias a ingressarem no mercado de trabalho e as tornam dependentes do Estado e reféns de políticos que as utilizariam para finalidades eleitorais. 

A esses críticos, cabe lembrar que há pessoas tão pobres que sequer possuem recursos para procurar emprego, como dinheiro para  o transporte público e a impressão de currículos. É preciso provê-los de uma renda para arcar com os custos dessa busca e suas necessidades vitais, como alimentação e moradia. E, após encontrar a oportunidade, poderem contar com serviços básicos como creches para deixar os filhos enquanto trabalham. 

Talvez esses críticos ignorem que, além de proverem famílias necessitadas de recursos que lhes confere o mínimo necessário para viver, tais programas ainda possuem um impacto positivo sobre a economia: segundo o Ipea, cada R$ 1,00 gasto com o Bolsa Família adiciona R$ 1,78 ao PIB, sendo um dos menores custos entre os programas de transferência, com o maior efeito multiplicador sobre a economia.

Os benefícios

Trata-se de um programa com ótima relação custo-benefício, pois para cada real gasto, R$ 2,4 são destinados ao consumo das famílias, além de ter efeito comprovado na redução das mazelas sociais, diminuindo a extrema pobreza e a concentração de renda. Para fins de comparação, o seguro-desemprego gera R$ 1,34 em consumo e R$ 1,09 no PIB para cada real gasto.

A despeito de seus benefícios, já comprovados por meio de inúmeros estudos, o Bolsa Família deve funcionar como um programa de transição para um novo patamar, para que famílias o recebam enquanto precisam e deixem de se beneficiar dele tão logo consigam melhorar suas situações. Deve ter, portanto, uma porta de saída, pela qual os indivíduos passam tão logo consigam prover suas necessidades por conta própria. 

Atualmente, apenas 4,33% dos beneficiados do Bolsa Família trabalham com carteira assinada. A regra de proteção, que dita que os beneficiários que conseguem emprego com vencimentos a partir de meio salário mínimo mantê o benefício por mais dois anos, a fim de protegê-los da instabilidade do mercado até que se emancipem, é uma boa iniciativa, que se soma aos esforços do governo federal em sensibilizar as empresas a destinarem vagas a esse público.

É urgente alargar essa porta de saída para que mais pessoas consigam sua emancipação e possam acessar empregos formais e as proteções sociais advindas desta modalidade. Até que isso ocorra, e para que seja uma realidade em um futuro próximo, faz-se necessário que a sociedade entenda o papel desses programas e os apoiem como iniciativas essenciais em prol do exercício da cidadania e da promoção da justiça social. 

Cintia Dias

Jornalista, publicitária, mestre em administração, especialista em comunicação, sustentabilidade e marketing e membro do Comitê Qualificado de Conteúdo de ESG do IBEF-ES

Felipe Mello Colunista
Colunista
Biólogo, mestre em Sustentabilidade e especialista em Gestão de Projetos, com 23 anos de experiência e dois prêmios de melhor Gestor de Projetos do ES.