A vila de Itaúnas, com suas riquezas culturais e folclóricas, é um verdadeiro relicário da história capixaba, guardando um dos mais importantes acervos arqueológicos nas icônicas Dunas de Areia. O nome, de origem tupi-guarani, significa “pedra preta”, em referência às rochas escuras que repousam no fundo do rio Itaúnas, ecoando a sua ancestralidade. O povoado de Itaúnas abriga uma cultura singular e uma beleza cênica de tirar o fôlego. Porém, o que hoje encanta os visitantes têm raízes em uma história de perdas ambientais e sociais.
Entre as décadas de 1950 e 1970, o desmatamento desenfreado da vegetação de mata atlântica litorânea na região, que antes protegia a vila entre o rio e o mar, desencadeou um processo de erosão severo. As areias, até então contidas, avançaram sobre a antiga vila, sepultando-a por completo e privando a comunidade de visitar seus marcos históricos e os túmulos de seus antepassados.
A resistência de Tamandaré
Mitos e lendas também permeiam o imaginário local, oferecendo explicações para o soterramento da antiga vila. Um dos contos mais populares narra que o fenômeno ocorreu após um padre ser expulso da cidade por desentendimentos com a comunidade, amaldiçoando o lugar. Outra versão menciona a excomunhão da vila pelo mesmo padre devido à preferência dos moradores pelos ritos africanos. Essas narrativas, ricas em simbolismo, seguem alimentando a memória e identidade local, reforçando a conexão entre o passado e o presente de Itaúnas.
Os registros da tragédia apontam um detalhe singular: apenas um morador resistiu ao avanço das areias. “Seu Tamandaré”, como era conhecido, sobreviveu sem que sua casa fosse soterrada porque manteve intacta a vegetação ao redor de sua propriedade. Essa decisão, aparentemente simples, revelou-se crucial para a proteção de sua moradia, enquanto a maioria dos habitantes enfrentou a perda não apenas de suas casas, mas também de memórias e do vínculo profundo com o território original.
Em tempos de mudanças climáticas, a história de Itaúnas nos lembra que respeitar a natureza é mais do que uma escolha ética: é uma estratégia de sobrevivência. “Seu Tamandaré” não só protegeu sua casa, mas nos deixou um legado sobre como coexistir de forma sustentável com o território que habitamos.
Itaúnas é cartão-postal do Espírito Santo
Hoje, a nova Vila de Itaúnas ressurge próxima ao rio Itaúnas, sendo lar de uma comunidade resiliente, composta majoritariamente por agricultores e pescadores. Localizada a cerca de 270 km da capital Vitória e pertencente ao município de Conceição da Barra, a vila é símbolo de resistência e renascimento. As cicatrizes do passado, no entanto, alertam sobre a importância da conservação ambiental.
A transformação do cenário, ironicamente, impulsionou o turismo na região. As imponentes Dunas de Areia se tornaram um dos principais cartões-postais do Espírito Santo, atraindo visitantes em busca de sua beleza singular. Mas Itaúnas não é feita apenas de paisagens. É também um polo cultural vibrante, conhecido como a capital nacional do forró, celebrando anualmente o Festival Nacional de Forró de Itaúnas. Além disso, manifestações como o ticumbi, o jongo, o reis bois e a capoeira mantêm vivas as tradições ancestrais.
Emily Victória Silva e Souza
Estudante de Engenharia Sanitária e Ambiental no Instituto Federal do Espírito Santo. Voluntária de verão no Parque Estadual de Itaúnas pelo Programa de Voluntariado em Unidades de Conservação do IEMA em 2025.